O Esquadrão Suicida (2021) é um filme muito pouco provável. A estreia do realizador/guionista James Gunn (Guardiões da Galáxia) no universo cinemático da DC (DCEU) estreia nos cinemas após muita antecipação e legitima curiosidade, tanto devido ao elenco volumoso como às circunstâncias anormais da sua conceção.
O projeto surgiu após o “pseudocancelamento” de James Gunn em 2018, que levou a que fosse despedido de Guardiões da Galáxia Vol. 3 da Marvel, uma decisão que a Disney veio a reverter. Para além disso, o filme Esquadrão Suicida, de David Ayer, lançado em 2016, teve uma recepção negativa, para além de estar inserido no atribulado DCEU, que foi virado do avesso depois da receção negativa a Liga da Justiça (2017).
Durante este período tumultuoso, a Warner Bros. e DC conseguiram contratar Gunn para estar à frente de um projeto à sua escolha, com total controlo criativo e nenhuma restrição etária (privilégios que não foram atribuídos a Ayer ao realizar o seu filme sobre a equipa de vilões).
Com todo o universo DC ao seu dispor, Gunn escolheu revisitar a Task Force X. Do filme de 2016 manteve apenas alguns membros do elenco, optando de resto por um “reboot” quase total e mais fiel à premissa da banda desenhada: Isto não vai ser bonito, e ninguém está a salvo.
O resultado desta experiência é um blockbuster profundamente confiante, violentamente divertido e distintamente vindo de James Gunn.
O Esquadrão Suicida (2021) oscila entre ser um filme de guerra, um “b-movie” de monstros e uma comédia raunchy surreal, tudo com um elenco extenso de personagens memoráveis que pelo final já tratamos como família.
É James Gunn na sua essência: irreverente mas sincero com as suas personagens, e sem pretensões para além de proporcionar uma viagem divertida.
Uma operação totalmente clandestina
A premissa base mantém-se: A Task Force X, também conhecida como “Esquadrão Suicida”, é um projeto da manipuladora Amanda Waller (Viola Davis) que junta supervilões, mercenários e outros prisioneiros extraordinários da prisão de Belle Reve e outras instituições prisionais no universo DC.
Todos os membros da equipa são motivados por Waller para participarem em missões clandestinas sob recompensa de redução de pena ou outros privilégios, e injetados com um explosivo na base do crânio para desencorajar desobediência ou deserção.
Nesta missão, os vilões são enviados para Corto Maltese, uma nação sul-americana envolvida numa guerra civil, para salvaguardar os interesses norte-americanos e garantir que certos segredos não se tornam conhecimento público.
Desde o início que O Esquadrão Suicida de James Gunn se dedica a sobressair. Abre com uma cena caótica e bombástica, aparentemente retirada de um filme de guerra, recheada de personagens e sem preciosismo sobre quem vive (ou não) para ver o que vem a seguir.
Esta mesma intenção estende-se às cenas de ação de um modo geral, cada uma tem um setup ou variável que acrescenta uma nova dimensão.
Isto, junto com o potencial de muitas personagens serem descartáveis, resulta em cenas verdadeiramente imprevisíveis, algo raro num género em que a tendência é salvaguardar as personagens para aparições futuras.
Squad Goals
Para além de Waller, regressam também Harley Quinn (Margot Robbie), Capitão Boomerang (Jai Courtney) e o Coronel Rick Flag (Joel Kinnaman), todos interpretados pelos mesmos atores.
Já não havia dúvidas de que a Harley de Margot Robbie tem sido uma das personagens mais bem sucedidas da DC no cinema, e este filme dá-lhe muito material para brilhar.
Desde cenas de ação acrobáticas a um conjunto de cenas que procuram ilustrar o estado mental da personagem, aqui vemos a Harley que já conhecemos a realizar o seu potencial.
Para além destes regressados, Gunn apresenta-nos a uma coleção extensa de vilões obscuros da DC e consegue dar a todos um momento de destaque.
Dos novatos, Bloodsport (Idris Elba) é a presença mais forte em todo o filme e rapidamente se torna um dos membros principais da equipa. A sua motivação não é particularmente inovadora, mas tem um twist que lhe permite não arrastar o filme para o clichê.
Vale a pena notar que, embora sejam semelhantes, este mercenário hi-tech extremamente letal é uma personagem diferente de Deadshot, interpretado por Will Smith no filme de 2016.
Isto gerou alguma confusão inicialmente pois vários rumores apontavam para Elba vir substituir Smith no papel de Deadshot, mas esse não foi o caso.
Peacemaker (John Cena) merece duas medalhas: a de conseguir brilhar em todas as cenas apenas com a sua presença, e a de fato mais ridículo (sim, mesmo tendo em conta o homem polka-dot, interpretado por David Dastmalchian e que põe o “suicida” em “esquadrão suicida”).
É uma personagem absurda, o que não é dizer pouco no contexto de um filme com um mítico tubarão antropomórfico, uma estrela do mar colossal e um homem-doninha.
A rivalidade de Peacemaker com Bloodsport é uma das mais constantes fontes de entretenimento ao longo do filme, uma combinação de um guião à medida e o talento já demonstrado de Cena para a comédia.
Com este filme, o wrestler-virado-ator solidifica a sua posição ao lado de Dwayne “The Rock” Johnson e Dave Bautista como uma figura de sucesso tanto no ringue como no grande ecrã.
Face estes mercenários e vilões veteranos com que se rodeia, Cleo Cazo ou Ratcatcher II (Daniela Melchior) é absolutamente a alma do filme. Cleo tem uma inocência e bondade que age como perfeito contrapeso para o cinismo, brutalidade e loucura dos restantes personagens.
As suas habilidades e origem das mesmas dão azo a uma das âncoras emocionais do filme, e a sua relação com os diferentes membros da equipa, em particular Bloodsport, Peacemaker e King Shark (Sylvester Stallone) é um elemento profundamente positivo no meio do caos.
Lê também: ‘The Suicide Squad’. Personagem de Daniela Melchior é portuguesa e Porto aparece no filme
Audiovisualmente inspirado
Outra área a destacar é a presença dominante da banda sonora, quase ao estilo de um videoclip, um dos pontos característicos de Gunn nos Guardiões e que aqui se faz sentir. O filme troca o pop dos anos 80 por uma banda sonora mais variada.
De forma semelhante, as inspirações de Flash Gordon e Sci-fi que dominam os filmes dos Guardiões são trocados por elementos de Rambo, A-Team e até filmes de monstros estilo kaiju.
De facto, O Esquadrão Suicida (2021) é mesmo um filme muito pouco provável. Não surge enquanto um reboot desenhado para começar de novo e esquecer o passado, mas sim como um filme relativamente isolado, que existe simplesmente de uma vontade de contar uma história profundamente absurda e divertida com uma mixórdia de personagens que vão de mal a pior.
Tem todos os ingredientes de sucesso vistos em Guardiões da Galáxia, misturados com uma maior irreverência e violência que lembram o restante trabalho de James Gunn como Slither no cinema e Lollipop Chainsaw no mundo dos videojogos.
A equipa é a atração principal aqui, e as novas inclusões cumprem a missão com sucesso, mas é nos personagens que regressam, como Amanda Waller, Harley Quinn e Rick Flag, que vemos como este filme tem uma coesão temática, visual, narrativa e emocional que simplesmente não existiam na primeira tentativa.