Dois anos após a chocante conclusão da segunda temporada, Mundos Paralelos dá início ao capítulo final da épica saga de fantasia. Baseado no livro O Telescópio Âmbar, o último volume da trilogia da autoria de Philip Pullman, a derradeira temporada irá, ao longo de oito episódios lançados na HBO Max, dar um ponto final da Grande Guerra contra a Autoridade, um Anjo que é visto como Deus em vários mundos e que controla o tão temido Magistério, e da jornada de Lyra e Pan.
Para lá de ter de enfrentar a difícil tarefa de adaptar três livros de fantasia complexa para a televisão, a equipa criativa da série confrontou-se com um grande dilema quando chegou a vez do volume final dos livros de Pullman. O Telescópio Âmbar é uma obra muito mais extensa e detalhada que os seus pretendentes, contudo o showrunner Jack Thorne teve de se contentar com apenas oito horas, iguais às temporadas prévias, para dar um desfecho a toda a história, apesar de terem existido conversas sobre a possibilidade de expandir-se a quantidade de episódios.
“Eu queria dividir [a terceira temporada] em duas partes, mas vamos fazer tudo só numa. Nem sempre se pode ter o que se quer“, afirma a produtora Jane Tranter, para a Radio Times, sobre o árduo encargo de concluir o épico de forma satisfatória. Da última vez que vimos os nossos heróis, Will Parry, o Portador da Faca Subtil, tinha acabado de se reencontrar com o seu pai, um xamã, após uma vida inteira afastados, apenas para o progenitor morrer nas suas mãos. Antes de morrer, o pai implora a Will que ajude Lorde Asriel na batalha contra o Magistério.
Já Lyra da Língua Mágica é raptada pela sua mãe desnaturada Marisa Coulter, que procura proteger a filha depois de lhe ser revelado que ela é profetizada como a nova “Eva”. Com medo da escolha incutida em Lyra que poderá condenar a humanidade, o Magistério procura-a afincadamente para assassiná-la. Enquanto aprisionada, a jovem profetizada é contactada por Roger, o querido amigo que foi inesperadamente sacrificado na conclusão da primeira temporada. A última temporada do épico fantástico traz de volta James McAvoy (Lorde Asriel), Dafne Keen (Lyra da Língua Mágica), Amir Wilson (Will Parry), Ruth Wilson (Marisa Coulter) e Simone Kirby (Mary Malone).
São grandes as expectativas para o desfecho da saga multidimensional, e se os primeiros dois episódios, que estrearam esta terça-feira (6), são indicação de algo é que estamos em mãos seguras e confiantes. A grandiosidade é uma das características que melhor definem a coprodução entre a BBC e a HBO, com as primeiras duas horas deste novo capítulo estarem repletas de localizações deslumbrantes, dos melhores efeitos especiais que a série ofereceu até agora e de um argumento enternecedor para com algumas das suas personagens mais intricadas.
Os louvores também se estendem para o elenco que, pela terceira vez consecutiva, entregam performances que ampliam e guiam-nos através de um mundo que desafia e provoca o espectador a capa oportunidade que tem. A personagem de Will é uma que nunca teve muito tempo para se desenvolver ou agir por ação própria, sendo um pouco arrastado pela maré do enredo, mas aqui ele torna-se num líder soberano, demonstrando a evolução desde a sua introdução na primeira temporada, que viaja pelo mundo com a Faca Subtil em busca de Lyra. Contudo, ele não é bem capaz de fazer frente a Ruth Wilson, não só pela natureza mesquinha de Marisa mas pela atuação formidável da atriz. Deveras complexa, Wilson tem a oportunidade de explorar um lado mais emocional e genuíno da personagem enquanto ela cuida da filha, mas nunca abdica da dualidade ética que a carateriza. O desenvolvimento dos episódios ofereceu-nos uma amostra do caráter que as personagens irão assumir nos seis episódios vindouros, e tudo promete ser uma viagem alucinante.
Importante não esquecer Lorde Asriel, encarnado pelo carismático James McAvoy. Um ator com poucas participações apesar de ser uma das personagens mais importantes, McAvoy finalmente assume o comando e torna-se claro o porquê de ter sido escolhido para interpretar este papel. Dominante, implacável mas sempre galante, Asriel mostra todos os seus tons de cinza abertamente, disposto a sacrificar tudo e todos, até a própria filha, na Grande Guerra contra a Autoridade. Todo o elenco de Mundos Paralelos encontra-se repleto de personagens atribuladas e, apesar de não chegar ao nível de outros épicos como House of the Dragon, chegam para ser um estudo interessante sobre o que carateriza o ser humano, apesar de a série nem sempre ter tempo para explorar esses elementos.
Tempo é uma questão que sempre angustiou Mundos Paralelos, mais concretamente no modo como lida com o desenrolar da história. Com apenas oito episódios, pode ser uma missão impossível de cumprir, mas por vezes a série preferenciou adaptar os grandes eventos dos livros invés de devidamente examinar as emoções dos seus protagonistas. Dada a oportunidade de momentos mais calmos, como foi o caso de Marisa a cuidar de Lyra isolada de tudo e todos, é possível fazer um bom trabalho de empatizar até os indivíduos mais endiabrados, mas se a dimensão da narrativa prometer aumentar, dificilmente haverá espaço para fazer justiça a todos os elementos destes mundos fantásticos.
O tema do destino contra o livre-arbítrio é um que tem sido aplicado sorrateiramente na série até agora, mas agora predomina a grande missão do Magistério e, consequentemente, a dos nossos heróis e anti-heróis. Apesar de não terem sido muito aprofundados, há demasiados indícios sobre a importância de seguir o destino para que Jack Thorne não execute estes temas com sucesso. Pouco provável que seja um final tão polémico quanto a conclusão da Guerra dos Tronos, mas Mundos Paralelos avança em cima de uma corda bamba, uma repleta de promessa e potencial dado o material que nos ofereceu até agora, mas tudo indica que, mesmo que seja algo mais gratificante se mais tempo tivesse sido oferecido, vai ser uma conclusão emocional e empoderadora.
Com mais três semanas até à sua resolução a 27 de dezembro, Mundos Paralelos segue firme para uma batalha de grandes proporções. Desde os efeitos especiais ao conflito interno dos protagonistas, a adaptação a cabo de Jack Thorne dá passos largos cheios de confiança depois de dois episódios que ofereceram um pouco de tudo o que a série tem de melhor para oferecer. É apenas uma questão de tempo até vermos se foram bem aplicados ou se deveriam ter focado mais em avançar as peças para o grande confronto que aí vem.