Flee, em português A Fuga, é um documentário do dinamarquês Jonas Rasmussen que viu a estreia em Portugal na edição deste ano do Festival MONSTRA. Através da mistura imagens de arquivo com cinema de animação conta, de forma emocionante, a história de sobrevivência de um refugiado afegão.
Para além de estar nomeado para os Óscares deste ano em três categorias – Melhor Filme de Animação, Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Documentário de Longa-Metragem – Flee já venceu vários prémios. Destaca-se, entre estes, o de Melhor Filme de Animação Independente nos Annie Awards 2022.
O documentário conta uma história verídica e baseia-se numa conversa entre o realizador e o amigo de longa data Amin Nawabi, pseudónimo para proteger a verdadeira identidade do protagonista, que lhe conta um segredo que esconde há mais de 20 anos. De forma muito angustiante, Amin vai contando a história de como saiu de Cabul, que estava a ser devastada pela guerra civil nos anos 80 até ao momento presente, em que tem 36 anos, vive na Dinamarca com o noivo e é um académico de sucesso, uma vida que nunca pensou que seria possível.
Flee começa com a pergunta “O que é para ti casa?”, que deveria ser o local onde te sentes seguro e onde podes ser tu mesmo e não o sítio de onde tens de fugir apressadamente. No entanto, a infância de Amin e de tantas outras crianças foi interrompida pela chegada da guerra, situação que estamos a viver agora bem de perto na Europa. Ele e a família têm de fugir para Moscovo e, nos anos seguintes, passam por diversas adversidades, desde ter de lidar com a polícia russa altamente corrupta e ter de passar um ano fechados num prédio de Moscovo às desesperantes tentativas de tentarem passar a fronteira para a Europa. Enquanto tudo isto se passa, o protagonista ainda tenta esconder a própria orientação sexual, com medo das consequências que isso lhe poderá trazer e do que a família possa pensar.
A história de vida de Amin por si só já deixava qualquer um preso ao ecrã, mas a forma escolhida por Rasmussen para contar a história de vida do amigo é altamente imersiva, o que nos aproxima ainda mais emocionalmente do protagonista e nos deixa artisticamente deslumbrados. A mistura entre animação e partes com imagem de arquivo, que nos enquadram historicamente no caos político que tanto o Afeganistão, como a Rússia estavam mergulhados, dá-nos a conhecer os horrores pelos quais ele passou, mas também as feridas que toda a situação deixou nele e como isso foi afetando a sua vida e as suas relações.
Amin vive num medo constante de ser retirado da Dinamarca e mandado de volta para uma vida de terror e incerteza, pelo que lhe é muito difícil confiar nas pessoas. Para além disso, vive também com um sentimento de dívida para com a família que o faz dedicar-se imenso à própria carreira, algo que gera alguns problemas na sua relação.
À medida que o protagonista conta a própria história, parece que também está a descobrir coisas sobre si próprio, como se aquelas conversas entre dois amigos fossem quase uma terapia. Há partes desta história capazes de gerar no público uma sensação de injustiça e revolta, mas também há partes de libertação que nos fazem respirar de alívio.
Flee é um retrato chocante sobre uma realidade que a sociedade como um todo tenta ignorar e, por isso mesmo, é uma história muito necessária nos dias de hoje. Apesar de o objetivo de Rasmussen talvez ter sido apenas o de prestar uma bonita homenagem ao amigo, um sobrevivente, esta é uma história capaz de tocar qualquer um.