Vasco Alexandre é realizador e argumentista de cinema de 28 anos, que se destacou pela sua primeira curta-metragem, Yard Kings (2020).
Estudou primeiramente na Escola Profissional de Comunicação e Imagem de Lisboa, onde já teve oportunidade ter contacto com a realização de algumas curtas-metragens e onde começou a apaixonar-se pela indústria do cinema, não só através de disciplinas que teve, como realização e fotografia, mas também por trabalhos que realizou, como editar analogicamente. No entanto, vários professores aconselharam o jovem realizador a sair de Portugal e, como teve sempre curiosidade de ir ao estrangeiro e tinha noção de que poderia ter mais oportunidades, decidiu aventurar-se. Neste momento está há 7 anos no estrangeiro, mesmo que o seu plano inicial não fosse exatamente esse.
O jovem realizador acabou por ir para Londres em 2017 para estudar Cinema na Universidade de Middlesex. Durante esse período, acabou por ter a oportunidade de estudar Direito e Marketing aplicados à comunicação através de um intercâmbio. Vasco destacou a importância desta oportunidade, já que saber vender os seus filmes seria importante para o início da sua carreira, criando todo um conceito visual à volta do filme. O realizador confessou ainda que muitos se esquecem disso, mas é uma grande ajuda, principalmente para realizadores independentes.
No final da sua licenciatura, em 2020, o jovem realizador fez a curta Yard Kings, que foi nomeada e recebeu diversos prémios, como melhor filme e melhor som do Royal Television Society, no Reino Unido. Por Portugal, a curta também foi premiada, nomeadamente no Vila do Conde International Short Film Festival.
A curta retrata a vida num bairro pobre, onde uma menina de 9 anos, Ellie (Elle Atkinson), constrói um lar seguro com o seu amigo Pete (David Price) longe dos abusos a que assiste em casa. Yard Kings tem crescido, chegando a várias plataformas streaming no estrangeiro. Vasco tem tentado fazer a sua curta chegar a plataformas portuguesas e irá acontecer em janeiro do próximo ano na Filmin. O Espalha-Factos esteve à conversa com o realizador para saber mais sobre o processo da sua primeira curta-metragem.
Qual foi a sensação de poder realizar Yard Kings ainda como aluno de licenciatura?
No terceiro ano da licenciatura, passámos o ano todo a fazer a curta. Foi espetacular e foi a primeira vez que tive a oportunidade de fazer um filme de uma dimensão tão grande. Tivemos um orçamento humilde, mas considerável, que deu para fazer o que queríamos. Tivemos também uma equipa gigante para nós, com mais de 20 pessoas, localizações espetaculares e foi uma aventura, criámos uma família a fazer este filme. Esta experiência deu-me não só confiança para continuar a realizar, porque senti que gostava mesmo daquilo, mas também percebi que queria continuar a trabalhar no mundo do cinema pela experiência de estar entre amigos e fazer um filme. É mágico estar um ano todo a planear um filme, a criar uma história, a debater ideias, ser criativo e estar com aquelas pessoas o ano todo só a ter ideias e a contruir sets. Apaixonei-me por esse processo.
Entretanto, Yard Kings foi a festivais e ganhou vários prémios. Ganhou dois prémios atribuídos pelo Royal Television Society, que foi que foi bastante bom para nós. Até tínhamos uma piada no início do processo, era um sonho ganhá-lo, porque é o maior prémio que se pode ganhar como estudante no Reino Unido e nós tínhamos esse sonho. Ganhar esses prémios fez com que começássemos a ter críticas e pessoas a falar connosco, o filme a ser passado em imensos sítios e comecei a ganhar confiança nas minhas capacidades e habilidades como realizador, queria mesmo continuar a realizar e fiquei decidido que seria o meu caminho.
Ao realizar Yard Kings sentiste uma grande diferença em termos de recursos para Portugal?
A verdade é que é muito difícil fazer coisas acontecerem em Portugal, não só economicamente, porque obviamente não há dinheiro, mas também pela motivação das pessoas que estão a trabalhar no projeto. Parece que nada anda para a frente a nível de equipamento, nunca tive equipamento suficiente para fazer as coisas que queria na Escola Profissional de Comunicação e Imagem, o equipamento era do século passado, parece que não há dinheiro para investir em equipamento em instalações.
Quando mudei para o estrangeiro foi um grande choque, porque as coisas acontecem facilmente. Tu tens uma ideia, as pessoas ouvem e fazem acontecer, estão contigo, estão motivadas a trabalhar e e parece que tudo é possível. No Yard Kings, fazer aquela ideia em Portugal era difícil, ia demorar mais tempo e em Londres toda a gente dizia que era possível. Havia muito mais talento também a nível cinematográfico, há mais competição em Londres, há mais motivação para fazer as coisas boas e então senti-me bastante motivado nesse ambiente e nessa adrenalina. Em Portugal parece que estás a tentar levar o projeto para a frente sozinho e ninguém quer saber.
Obviamente também há uma diferença a nível de estrutura e organização, a universidade em que eu estava a estudar era muito bem estruturada. Em Portugal, não estou a comparar com a Escola Superior de Teatro e Cinema em Portugal, porque não sei como é que funciona, nunca lá estudei, estou a falar da minha experiência na Escola Profissional de Comunicação e Imagem, que não era estruturada de maneira nenhuma. No entanto, em Londres as coisas são muito bem estruturadas e era muito fácil avançar num projeto nesse sentido. Em suma, o que considero os pontos mais importantes é a economia, a estrutura e investimento para lançar projetos nesse sentido.
Como te sentiste com o sucesso da curta?
Tens sempre aquela ideia que vai resultar e tens esperança que ganhe alguma coisa, tens aquele sonho que que vai acontecer, mas claro que também pensas pelo lado negativo. Principalmente quando ganhámos os prémios do Royal Television Society, não estava à espera, porque havia bastante competição e eu não estava assim tão confiante no meu filme. Sentia que o meu filme tinha bastantes falhas, vi alguns dos outros e achava que não ia acontecer e quando ganhámos foi uma surpresa.
A nível do reconhecimento, acho que o filme tem argumentos, tem alma e tem uma mensagem que é relevante, principalmente sendo lançado na altura da pandemia, pois os casos de violência doméstica aumentaram e eu sabia que ia ter alguma relevância, mas nunca pensei que iria ter um reconhecimento que teve. Eu escrevi o guião antes da pandemia, não tinha ideia do que ia acontecer e não foi por causa disso que escrevi. Eu não sofri do mesmo que a personagem do filme, mas tenho uma ligação com esse tema e foi por isso que abordei esse tema e pela sua relevância. Obviamente que a pandemia nos ajudou a espalhar a mensagem do filme, porque as pessoas estavam mais atentas a esse tipo de mensagem.
A criança tem tendência a ver o melhor das situações. Onde se baseou a escolha da perspetiva da criança em Yard Kings?
Eu tenho 28 anos, vou agora fazer 29 no próximo mês, mas ainda me sinto uma criança, e tento sempre olhar para o mundo de forma inocente, mesmo quando as coisas correm muito mal e tento sempre ver de forma positiva e ser agradecido pelo que tenho. Acho que faz falta ter essa perspetiva da criança sobre a vida que às vezes muitas pessoas não têm e queria abordar o filme por essa perspetiva precisamente por esse motivo. Também porque não há muito conteúdo sobre violência doméstica pelos olhos da criança, então percebi que havia aí um uma falta de conteúdo e queríamos dar uma voz a essas crianças.
Quais foram os maiores desafios da curta?
Os maiores desafios foi definitivamente a localização, porque gravámos numa sucata e havia lixo por todo lado, havia vidros por todo lado, havia tudo o que se possa imaginar e tínhamos dois miúdos de 9 e 10 anos a atuar pela primeira vez na vida. A Elle pela primeira vez, o David já tinha feito publicidade, mas nunca tinha feito nada deste género, então nós estávamos bastante preocupados com a segurança deles e isso foi a maior preocupação das filmagens. Tivemos de limpar aquilo numa semana, tivemos de planear onde é que eles iam estar e perdemos bastante tempo aí, mas foi divertido.
A nível de pré-produção, o maior desafio acho que foi adaptar o guião à cultura inglesa, já que sou português, foi o meu maior desafio pessoal, porque o estilo da curta é um bocado realismo social, então queria ser o mais fiel possível à cultura inglesa e convidei os miúdos para escreverem o guião comigo, adaptarem à maneira deles falarem nos ensaios, tentei ao máximo possível perceber a vida deles. Estes miúdos eles vêm deste tipo de background, eles vêm de bairros pobres, eles brincam neste tipo de sítios, eles falam assim e eu tentei perceber o dia a dia deles, os hábitos que eles têm e a maneira como eles falam para conseguir adaptar o guião nesse sentido. Acho que isso foi o maior desafio e acho que foi o mais gratificante também, porque no final senti uma grande conexão com os miúdos, com a cultura inglesa e com o filme em si.
Sinto que o filme tem sido especial nesse sentido na minha vida, porque Londres foi uma cidade que me fez crescer bastante e que e é uma cidade muito complexa, que te faz sentir bastantes emoções, é uma cidade que anda a “1000 à hora” e ter uma oportunidade para parar no tempo e aproveitar os momentos, os detalhes da cultura inglesa e da cidade com esses miúdos que vivem lá e tentar entender a maneira como eles pensam e tentar criar essa história no mundo deles, acho que foi bastante especial por causa nesse sentido.
Sentes que cresceste com os atores?
Sim, é engraçado porque quando tu falas com miúdos tens de te pôr na pele deles e tu próprio acabas por ser um miúdo também e tentas ver o mundo da maneira como eles vêm. Quando estava a realizar e a dizer o que eles tinham que fazer na cena, principalmente com a Elle, porque era inexperiente, tinha que me pôr na pele de uma criança e ver o que ela estava a ver.
Imaginando que se é uma miúda de 9 anos e é a primeira ver que se faz um filme, está no meio de uma sucata, tem uma câmara gigante que parece saída de um filme de ficção científica à frente, tem 25 pessoas à sua volta, uma maquilhadora, o técnico do som de um lado e um rapaz que diz o que tem de fazer, é bastante intimidante e obviamente depois a atuação não é natural. Foi interessante, porque tive de parar e pensar que ela é uma miúda e pensar como podia falar com ela de maneira que esquecesse tudo e entrasse em personagem.
Acho que foi um exercício que me fez crescer bastante como realizador, porque pôr-me no papel das crianças, ver a pessoa que eles estão e a perspetiva deles sobre a situação em que estão, as filmagens, fez-me ter muito mais sensibilidade na minha comunicação com atores que hoje posso usar também com adultos e acho que isso foi das coisas que me fez crescer mais neste filme.
Como te sentes com o teu trabalho estar a vir para o teu país natal?
Sinto-me bem. Yard Kings não foi muito reconhecido em Portugal, obviamente, porque é uma curta britânica. Fomos a Vila do Conde, ao Short Cuts Ovar, passou na RTP2, o que foi bom, porque tive a oportunidade de ir ao Porto à RTP e apresentar um filme a uma audiência maior. No entanto, nunca tivemos muito reconhecimento como tivemos no estrangeiro e isso faz-me ficar um pouco triste, porque faz falta ter palavras portuguesas no nosso trabalho e saber que há realizadores portugueses no estrangeiro a trabalhar e a ser reconhecidos. Porém, foi bom ter conseguido ir à RTP2, porque pude contactar com a minha cultura e ver como pensa, tendo em conta que no fundo fui influenciado pela cultura cinematográfica portuguesa e queria saber o pensamento do meu país quanto ao meu trabalho.
O que te reserva o futuro, achas que irás passar por Portugal?
Sim, eu quero bastante fazer um filme em Portugal um dia, esse é um dos meus grandes objetivos, mas acho que agora vou aproveitar a onda, vou continuar num projeto na Dinamarca por um tempo e tentar fazer coisas e talvez um dia quando tiver mais capacidade volto a Portugal e faço um filme, é um dos meus objetivos.
O que dirias a pessoas que estão a estudar cinema e gostaria de fazer carreira neste meio?
Continuem a fazer filmes mesmo que não tenham recursos, agarrem numa DSLR, façam qualquer coisa e tentem distribuir o máximo possível. Não façam filmes sem pensar em todo o processo de fazer um filme, distribuição, marketing, sales, tudo isso, olhem para um filme como se fosse um produto, não gosto muito de dizer isto, mas ver o filme como um produto que tem de ser vendido, porque não vão querer fazer filmes que ninguém vai ver, então tentem planear o processo de distribuição antes de fazer o filme. Saibam ainda para onde estão a fazer o filme e sigam esses passos.
É muito importante como realizadores independentes, neste momento em que estão a começar, ter uma margem, ter uma assinatura e ter o máximo de audiência possível seja qual for o filme. É importante colocá-lo em várias plataformas e não deixar o filme na gaveta, porque isso só vai cortar a motivação e não nos leva a lado nenhum. O que nos dá motivação é ver o filme a ser reconhecido, pessoas a verem o filme, a mudar a vida de outras pessoas, por isso acho que temos de os distribuir. E é isso, mudar a vida das pessoas que nos faz fazer o filme, então porque nos esquecemos dessa parte? Porque é que fazemos um filme, está feito, fica na prateleira?
Após a sua licenciatura, Vasco Alexandre ingressou no mestrado de Realização de Cinema na Screen Academy Scotland, uma colaboração entre a Universidade de Edinburgh Napier e a Edinburgh College of Art na Escócia. Fez mais três curtas-metragens, entre elas Ten With a Flag (2022), que foi baseada num livro dos quais foi possível ter os direitos para adaptar a história ao grande ecrã em formato de curta-metragem. Ten With a Flag ainda não estrou, irá acontecer já no ano de 2023, em circuitos de festivais, mas Vasco Alexandre já recebeu uma proposta de uma produtora dinamarquesa para adaptar a curta a uma série de televisão, sendo esse o motivo que o levou à Dinamarca atualmente.
Yard Kings está já disponível plataformas internacionais como Flixwest, Indieflix, Filmzie, UKWMedia e UrbnTV, e estará em breve disponível em Portugal.