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Girl Picture
Fotografia: Filmin/Divulgação

Crítica. ‘Girl Picture’ é um retrato autêntico do que é amadurecer

Girl Picture, de título original Tytöt Tytöt Tytöt, é um filme coming of age da realizadora finlandesa Alli Haapasalo que chega no dia 30 de setembro à plataforma Filmin. Esta longa-metragem sobre amadurecer é uma ode ao passado, às falhas e ao crescer, é uma ode aos amores e desamores, mas essencialmente uma ode à vida e à única coisa que levamos dela, que são as nossas memórias.

A comédia finlandesa sente-se como um espaço seguro, na qual cada um se pode descobrir, viver e errar sem a sombra do julgamento a pairar por cima. É um filme que abraça as falhas e não crucifica as personagens, deixando-as crescer com os seus erros.

Girl Picture acompanha a jornada de Mimmi (Aamu Milonoff), Rönkkö (Eleonoora Kauhanen) e Emma (Linnea Leino). Em uma hora e 40 minutos, acompanhamos as vivências destas três jovens, as suas motivações e o que as prende, ao longo de três semanas, mostrando o quanto pode acontecer e mudar, em tão pouco tempo.

Mimmi é uma jovem com problemas de raiva e de compromisso, muito provavelmente herdados da fraca relação que tem com a mãe, que a deixou após arranjar um segundo marido e ter um segundo filho. Ou, como Mimmi se refere, “uma segunda oportunidade de acertar“.

Rönkkö é a melhor amiga de Mimmi e, embora sejam como unha e carne, Mimmi não parece conseguir compreender o problema da amiga, que está numa procura pelo prazer. Esta missão levou a uma passagem por vários quartos e, embora tudo consensual, Rönkkö não é capaz de apreciar a experiência. Por falta de representação, não lhe passa pela cabeça que possa ser algo normal não ter interesse em relações íntimas, seja essa vontade pouca ou até inexistente.

Girl Picture
Fotografia: Filmin/Divulgação

Emma é o prodígio da patinagem artística no gelo, que apenas vive para treinar. Com ela, sentimos a patinagem como uma metáfora ao crescimento, já que a rapariga defende que, no desporto, precisamos de ser fortes, mas sensíveis. Precisamos de esconder como nos sentimos, de modo a não falhar, porque estão todos a ver, criando um paralelismo entre essa atividade e a fase em que as personagens se encontram.

A essência da adolescência: desde mommy issues ao orgasmo feminino

Girl Picture é um filme autêntico sobre a adolescência, que consegue discutir diversos temas inerentes à mesma sem, em nenhum momento, se sentir forçado. Ao longo da narrativa, somos confrontados com uma panóplia de temáticas. Temos uma personagem com problemas familiares, resultantes em traumas, que a seguem durante a relação amorosa, e uma outra que sente que está “estragada” por não se sentir muito atraída à ideia de envolvimento sexual. Normalizam-se momentos constrangedores durante relações sexuais e ainda se promove a importância do consentimento e do prazer feminino, com direito a comunicação e vocalização de interesses.

O argumento, escrito por Ilona Ahti e Daniela Hakulinen, capta a essência do que é ser jovem. Pinta essas idades de um modo realista, meticulosamente criando um equilíbrio entre o caos, o amor e a autodescoberta.

A representação LGBTQIA+ que pessoas queer merecem

Em 2022, a representação queer já não é novidade. Seja ela bem intencionada, ou uma estratégia de marketing por multinacionais no mês de junho, a representação queer está cada vez mais presente, mas ainda é raro vê-la na forma como se pronunciou em Girl Picture.

Girl Picture
Fotografia: Filmin/Divulgação

A sexualidade não é um fator decisivo da narrativa, não é um filme sobre homofobia, aceitação ou descoberta da sexualidade. Na longa-metragem, acompanhamos a relação entre Mimmi e Emma, que é tratada de um modo simples e puro. A relação de ambas simplesmente existe e ver esse tipo de representatividade que se sente de um modo tão natural, íntimo e pessoal, é uma lufada de ar fresco.

Temos ainda a personagem de Kauhanen, que traz representação ace ao grande ecrã. Ilustra-se, ainda que de um modo breve, a assexualidade e como a falta de informação sobre a temática impacta pessoas que se encontram neste espectro.

Um ponto de vista intimista

Gravado com aspect ratio de 1.33:1 por Jarmo Kiuru, o filme ganha uma conotação muito íntima. A sensação é acentuada pela operação da câmara ser feita à mão, com planos fluídos, sentindo-se quase como se a câmara tivesse vontade própria, navegando pelo espaço. Unindo a fluidez do movimento aos planos próximos e prolongados, é impossível negar a aproximação e intimidade que o espectador sente para com as personagens.

Girl Picture
Fotografia: Filmin/Divulgação

A correção de cor inspirada no analógico e a leve utilização de grão remetem para o sentimento de nostalgia, algo que faz o projeto sentir-se como uma compilação de memórias que, independentemente do que aconteceu, se revivem com carinho, pelos bons momentos que proporcionaram. Ainda na categoria visual, a direção de arte teve um grande papel em tornar toda a experiência de ver o filme algo imensamente mais intimista, por conseguir tornar todos os espaços tão reais e familiares. Finalmente, uma menção honrosa para a edição, com algumas transições arriscadas, mas que resultaram na perfeição com o género do trabalho.

O que a fotografia alcança é (um pouco) comprometido pelo ritmo

Independentemente de todos os pontos positivos, nem tudo é um mar de rosas. O trabalho de fotografia e direção de arte belos, realistas e tocam deixam também espaço para alguns pontos que deixam a desejar.

Embora a narrativa interessante e a dinâmica de intercalar as vivências de três pessoas distintas seja apelativo, o ritmo do filme desilude. Ora ficamos completamente hipnotizados e sincronizados com a trama, como damos por nós sem nos conseguirmos conectar. Tal deve-se também à narrativa, já que, embora a câmara facilite a ligação com as personagens, a falta de informação sobre as mesmas força-nos a justificar as suas ações com meras especulações, o que causa um distanciamento – algo que poderia ter sido resolvido com mais tempo com as personagens, ou com um ritmo mais coeso.

Uma coisa é certa: depois de Girl Picture, o trabalho de Alli Haapasalo é para ser mantido debaixo de olho e, para já, este projeto não tem passado despercebido. O trabalho já conta com o Prémio do Público no Festival Sundance e com prémios de atuação para Milonoff no Outfest e FilmOut. Passou também já por vários festivais, como o Festival de Berlim, ClevelandMotovun e ainda, a nível nacional, o Queer Lisboa. Também já foi destacado para representar a Finlândia nos Óscares, na categoria de Melhor Filme Internacional.

Girl Picture
7.5

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