De 24 a 27 de junho, Os Pato Bravo apresentam MO NU MENTOS. O grupo de teatro formado por Joana Cotrim e Pedro Sousa Loureiro leva esta nova criação até ao Espaço Companhia Olga Roriz. O objetivo deste grupo é representar em espaços não convencionais. Desta vez, levam até um jardim um Grande Inquisidor, ou melhor, dois …
Para lá dos estúdios da Companhia Olga Roriz, há um jardim, o Jardim Van Zeller. Nele estão a trabalhar há três meses Joana Cotrim e Pedro Sousa Loureiro em MO NU MENTOS. Esta é a segunda peça do grupo de teatro formado em abril de 2014 e que pretende dinamizar espaços não convencionais e convencionais de teatro, canto lírico e galerias. Entre o Clube Ferroviário, bailarinos e árvores, Joana e Pedro vão fazer teatro.
Pedro é quem arranca. Dirige-se à plateia, mas durante pouco tempo. Depois senta-se numa cadeira e comanda Joana que sai desorientada de um carro que já estava no jardim. É bem perceptível, Pedro controla Joana, por enquanto, é ele o Grande Inquisidor.
Joana Cotrim é quem nos explica que MO NU MENTOS surge pela vontade de trabalhar num capítulo específico de Os Irmãos Karamazov de Dostoiévski. “A ideia está relacionada com este Grande Inquisidor que fala com Cristo, que aparece pela segunda vez na terra e é outra vez condenado à morte. Este grande inquisidor na prisão faz um discurso inacreditável em que ele resumidamente diz que a humanidade é demasiado depravada, demasiado inconsequente e não pode viver segundo a liberdade que Cristo pregou. Portanto, nós, inquisição, o que fazemos é trocar essa liberdade por felicidade. Tudo isto é muito perverso”, explica Joana.
“Quem é feliz no amor é imbecil”– MO NU MENTOS
Depois os papéis invertem-se e Joana torna-se a Inquisidora de um Pedro que cai de uma catarata em forma de escadote, que enfrenta uma tempestade dentro de uma piscina de plástico ou se torna numa viúva.
“Quem és tu, Pedro?” – MO NU MENTOS
E há um público à volta dos dois. Nem Joana, nem Pedro se esquecem disso. Há olhares, abraços e algumas ofertas. E moralismos do inquisidor também? “A minha intenção não é querer fazer uma inquisição a quem está a ver, mas eu próprio na procura sinto que há essa necessidade. Estás a apregoar dúvidas para alguém que provavelmente até tem essas as dúvidas”, afirma Pedro. Por outro lado, Joana acha que o jogo inquisitorial é sobretudo entre os dois. “Eu às vezes ali sinto-me quase torturada”, brinca Joana. “Ás vezes é quase uma tortura deliberada, aí é que está o papel da autoridade”, acrescenta.
“Continuas com frio, Pedro?”– MO NU MENTOS
Durante a residência artística feita no espaço em que vão estrear a peça, foi mesmo onde tudo aconteceu. O texto chegou em bruto e de uma primeira improvisação surgiu a ideia de MO NU MENTOS. “Pedro, vamos fazer como se isto fosse cinema”, relembra Joana. E a partir daí surge uma nova peça. “O Pedro começou-me a dizer o texto todo, eu ia repetindo, ele ia-me dando as ações e as coisas começaram a acontecer. Nós começamos a brincar com as árvores. O que vocês viram é fruto da primeira noção do espaço”, conta Joana.
Durante a peça, há mesmo a imagem de um realizador que orienta o ator. Joana e Pedro confessam a opção de desmontar a cena para o público. “A nossa ideia é abrir-vos o jogo teatral. É anunciar-vos que isto é um jogo. E vale o jogo até ás últimas consequências. A nossa ideia é brincarmos de verdade sobre este jogo”, explica Joana.
“Amar a vida mais que o sentido da vida”- MO NU MENTOS
Ambos também referem a importância de um workshop que realizaram na Culturgest com Liesbeth Gritter (diretora de Kassys) no processo de criação. “Trabalhámos muito o objeto como prolongamento e como é que numa sequência de ações compões algo concreto, algo com o material que existe. Não fabular”, explica Pedro sobre as aprendizagens em Take My Breath Away.
Em influências também revela a sua ligação às artes plásticas. Pedro frequentou a licenciatura em Artes Plásticas e fez já alguns trabalhos na área. Em MO NU MENTOS trabalha a plasticidade do corpo: “esta ideia de esculpir o corpo em tempo real, sem que seja só um efeito. De repente, vai braço, outro braço, os dentes e os olhos. De repente já temos outra figura.”
Com o espetáculo prestes a estrear, Pedro só consegue pensar em MO NU MENTOS como um todo, que se construiu de sequências e improvisos. Já Joana encontra no contacto com o público a essência da peça. “Porque amanhã podíamos estar a fazer outro texto e estarmos noutro espaço e fazermos outro tipo de interpretação, mas se o conseguíssemos manter um contacto que vocês sentissem a nossa vibração e que nós sentíssemos a vossa, para mim era o suficiente. O que é para nós mais complicado é fazer este jogo à séria, brincar de verdade”, justifica a atriz.
Às 21h30, Joana e Pedro entram em cena num jardim. Para a próxima, Os Pato Bravo irão escolher outro local.
Fotografias de Bruno Mendes