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Battle Royale vs The Hunger Games

A saga The Hunger Games tem vindo a ganhar popularidade notória nomeadamente graças aos filmes protagonizados por Jenniffer Lawrence. Contudo, antes da saga de Suzanne Collins existiu um romance muito similar que causou controvérsia no Japão em 1999. Battle Royale de Koushun Takami abordou uma temática similar, passada num futuro alternativo, tendo gerado polémica pela sua história recheada de violência física e psicológica.

Quando The Hunger Games saiu em filme muitos internautas apontaram as semelhanças deveras suspeitas, assim como as suas diferenças, que a história detinha com Battle Royale. Suzanne Collins afirmou nunca ter ouvido falar da obra de Takami até ter submetido a sua obra para publicação. Apesar disso, várias críticas na Internet acusaram-na de plagiar a trama da obra de 1999.

Este texto terá como objetivo colocar em comparação alguns elementos de ambas as obras. Certo é que ambas têm semelhanças, bem como diferenças, contudo o objetivo será explorar um pouco os pontos fortes e fracos de ambas as narrativas. Nota: este texto será debruçado sobre as obras literárias e não sobre as adaptações cinematográficas de 2000, 2012 e 2013. Relativamente a elementos da saga The Hunger Games, esta análise debruçar-se-á sobre os seus dois primeiros livros, visto serem estes dois os que detêm mais elementos de história similares a Battle Royale. Este texto poderá ter spoilers relativamente a ambos os enredos.

Protagonista: Shuya Nanahara vs Katniss Everdeen

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Shuya Nanahara,de 15 anos, é extrovertido e adora música rock. É um sonhador que tenta sempre ver o bem em todas as pessoas e tem ideias às quais se prende com unhas e dentes. Isso por vezes torna-o ingénuo e suscetível de confiar nas pessoas erradas. Katniss Everdeen, de 16 anos, cresceu num meio que a habituou a um ambiente de pobreza e fome; É fria, cínica, emotiva e dificilmente faz amigos, contudo, a sua dedicação para com a sua família e o seu instinto de sobrevivência são, muitas vezes, os fios condutores das suas ações.

Katniss acaba por ganhar o ponto neste tópico devido aos riscos por que passa, bem como a sua maior maturidade em relação a Shuya. Em situações de perigo Shuya nem sempre toma a iniciativa, sendo o seu parceiro Shogo Kawada aquele que o livra a si e a Noriko de muitos problemas. A habilidade de Katniss com o arco e flecha colocam-na com uma vantagem considerável tendo em conta o tipo de competição em que está metida. Creio que o que torna Katniss uma melhor personagem é o seu instinto de sobrevivência. Ela não confia facilmente nas pessoas e se se sentir ameaçada ela tende a agir primeiro do que a pensar. Como Shuya, ela faz por proteger aqueles que ama; contudo ela não é totalmente leal a ninguém, o que a torna mais autónoma e (muito) menos ingénua.

Vencedor: Katniss

Interesse Amoroso: Noriko Nakagawa vs Peeta Mellark

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Tanto Noriko como Peeta para mim foram os “interesses amorosos/pesos mortos” dos protagonistas. Estes dois têm em comum o facto de se meterem em problemas para ser outra pessoa (normalmente o/a protagonista) a salvá-los. Em questão de personalidade, ambos são quase o mesmo: meigos, tímidos (mas com amigos) e com um “fraquinho” de longa data pelos protagonistas.

Mais uma vez o pronto vai para The Hunger Games, embora neste caso seja por muito pouco. Peeta é mais colaborativo e menos protegido em relação a Noriko, apesar de ambos terem adoecido devido a um ferimento em plena competição. Durante o climax  de Battle Royale perto do fim da competição é Noriko quem dá o tiro final no antagonista Kiriyama, contudo logo a seguir Shogo dá-lhe um outro tiro por forma a ilibá-la de qualquer sentimento de culpa. Peeta está mais suscetível a que lhe aconteçam desgraças: por exemplo, em The Hunger Games ele acaba por perder uma perna ficando com uma prótese;  em Catching Fire  quase morre eletrocutado, quase que é mordido no peito por um macaco e no final é capturado e sujeito a torturas e lavagem cerebral. É certo que Noriko ficou com marcas psicológicas da competição, contudo acho que Peeta acabou mais marcado e mais mudado com a experiência do que ela.

Vencedor: Peeta

Concorrentes: Estudantes vs Tributos

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A premissa de ambos é sem dúvida o que levou a uma série de comparações na Internet: é a história onde jovens, mais especificamente adolescentes, são selecionados num processo de lotaria para entrar numa competição mortal onde no final terá que haver apenas um vencedor. Em Battle Royale é selecionada uma turma de 42 alunos japoneses do pré-secundário (similar ao 9º ano em Portugal); em The Hunger Games são selecionados dois jovens (rapaz e rapariga) pertencentes a 12 Distritos distintos o que junta no total 24 competidores.

Aqui deverei dizer, desde já, que preferi o take que Battle Royale fez neste elemento da história em relação a The Hunger Games, por uma simples razão: em Battle Royale estas personagens são muito mais exploradas a nível pessoal. O leitor chega a ter um ponto de vista (na 3ª pessoa e, nalguns casos, na 1ª) de vários dos concorrentes, chegando a ter noção de várias coisas que lhes vão na cabeça ao longo da competição, percebendo as emoções de muitos deles e chegando a ter pena das suas mortes (algumas das quais são verdadeiramente horripilantes). Em The Hunger Games devo dizer que mal me lembro de quem participou na(s) competição(ões) além de Peeta e Katniss.

Além disso, estas personagens são muito mais frágeis em Battle Royale pelo facto de serem atiradas inesperadamente para uma situação com a qual não estavam prontas para lidar e que os obriga a adaptarem-se à regra do “matar ou ser morto” de um dia para o outro. Alguns nem chegam sequer a participar na competição, quer por terem sido mortos pelas autoridades que os colocaram na arena, quer por opção de suicídio. Isto torna estas personagens mais frágeis e faz com que o leitor sinta mais pelas suas vidas. Em The Hunger Games, muitos dos tributos já vinham treinados e preparados psicologicamente para os horrores que iriam enfrentar. A competição tinha ainda uma grande divulgação mediática nesse universo, o que já os tornava cientes do que poderiam enfrentar caso tivessem o azar de ser selecionados. Além de pouca ou nenhuma exploração dessas personagens, aparte de Katniss e Peeta, isto fez com que eu não me lembre dos outros concorrentes, visto que a maioria, para mim, não passou de “carne para canhão” nesta narrativa.

Vencedor: Estudantes

Sociedade: Republic of Greater East Asia vs Panem

Panem

Ambas as histórias passam-se em futuros alternativos. Em Battle Royale o Japão vive sob uma ditadura pesada que tenta controlar a população através do medo. O método imposto para induzir esse medo é precisamente a competição na qual de ano a ano escolhem uma turma de jovens à sorte, obrigando-os a matarem-se uns aos outros até que apenas um sobreviva. Através desta atrocidade, o governo espera aterrorizar a população de modo a prevenir uma rebelião. Em The Hunger Games a tentativa de rebelião já aconteceu e resultou na (aparente) dizimação do Distrito 13. De modo a castigar os outros distritos, o governo de Panem instaurou um programa similar no qual pegam anualmente num rapaz e rapariga de cada distrito e também os mandam para uma arena mortal. Além de castigo, o programa serve para o propósito doentio de entreter a população mais rica residente no centro utópico conhecido como o Capitólio. Em ambos os casos o programa existe principalmente para induzir medo, algo que permite maior controlo sob uma população dividida e aterrorizada.

Esse tipo de sociedade é explorada e melhor explicada através dos olhos de Katniss: em Panem há 12 Distritos que são escravizados, providenciado cada um recursos naturais para o Capitólio. Alguns distritos vivem melhores que outros; no caso de Katniss vemos o estilo de vida que leva um dos Distritos mais pobres (o 12), no qual a fome e a vida dura nas minas de carvão fazem parte do dia-a-dia deste povo. Quando Katniss se sacrifica pela sua irmã, é introduzida a um mundo à parte daquele a que está habituada: ela é tratada como uma celebridade, adorada e aclamada, pelo facto de ir para uma arena da qual poderá não ter hipóteses de sair com vida.

A sociedade do Capitólio também nos é apresentada como fútil, vaidosa e extremamente consumista. Uma das coisas que mais me chocou foi quando em Catching Fire, durante uma festa, é revelada a existência de uma bebida que dá vómitos às pessoas de modo a quando se sentirem cheias de mais para comer possam voltar a empanturrar-se novamente. Há, evidentemente, um grande egoísmo para com as necessidades das populações que habitam os outros distritos; a população do Capitólio vê o massacre de crianças como uma forma de entretenimento, achando-se assim superiores aos distritos que vivem sob o punho de ferro desta sociedade narcisista.

Em Battle Royale há referências a pequenas histórias que nos dão uma pequena ideia do tipo de Governo e sociedade que o Japão tem nesta história: os pais de Shuya Nanahara morreram num acidente de carro quando ele era pequeno e nenhum dos seus parentes quis ficar com ele pelo rumor de que os seus pais estariam envolvidos em atividades rebeldes; o tio de uma das personagens mais exploradas na obra, Shinji Mimura, que estava ativamente envolvido em atividades rebeldes, desapareceu misteriosamente; o pai de uma das alunas, Sakura Ogawa, foi abatido na sua própria casa à frente da sua mulher e filha, também por suspeita de envolvimento em rebeldia.

Apesar destas pequenas referências, o fator “sociedade” acaba por ser melhor explorado em The Hunger Games, sendo este ponto positivo para a saga. O medo social existe em Battle Royale, mas no caso de Panem estamos perante uma sociedade completamente sádica que não só vive beneficiada pela escravatura, como ainda descarta vidas humanas somente pelo propósito de entretenimento.

Vencedor: Panem

As arenas

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As arenas em ambas as histórias não pretendem facilitar a vida aos competidores. Ambas estão a ser controladas de modo a criarem perigos inesperados que poderão ferir ou até mesmo matar alguém que esteja na competição.

Em Battle Royale há zonas que, ao longo do jogo, serão marcadas como sendo “zonas de perigo” por forma a controlar  aos poucos as direções dos competidores. As coleiras que os estudantes têm em volta dos pescoços serão um fator-chave para garantir que eles levam a competição a sério: se um deles for apanhado numa zona de perigo ou tentar remover a coleira, esta explodirá causando morte imediata. Cada aluno antes de entrar um a um na arena recebe um saco com provisões, mapa e uma arma aleatória: uns recebem armas de fogo, outros recebem armas manuais, outros recebem acessórios úteis, e outros recebem coisas inúteis, como por exemplo, um bumerangue. Há ainda um outro constrangimento: caso tenham passado vinte e quatro horas e ninguém tiver morrido, todas as coleiras se auto-detonarão, terminando a competição sem vencedores.

Em The Hunger Games ao invés de uma coleira é injectado nos competidores um chip que denunciará a sua localização aos organizadores. Todos os anos a arena tem algo de diferente, como se pode ver pelos livros: no primeiro a arena é uma zona mais florestal; no segundo o design é mais original tendo zonas marcadas na forma de um relógio; de hora a hora várias armadilhas mortais acontecem nessas zonas tais como nevoeiro ácido, chuva de sangue, macacos carnívoros entre outras. Os mantimentos e as armas estão espalhados aleatoriamente pela zona central conhecida como Cornucopia; assim que a competição começa é uma corrida para ver quem consegue apanhar uma arma primeiro e quem acaba morto, ou não, no processo.

Ambas as arenas apresentam-se como sendo espaços de grande pressão. As arenas de The Hunger Games têm designs e armadilhas mais diversas, contudo em Battle Royale o facto de existir a possibilidade de a competição poder acabar sem vencedores também acaba por ser um pensamento aterrorizante. Dei algumas voltas nesta questão e acabei por decidir que seria igualmente arriscado entrar em qualquer um destes “palcos da morte”.

Vencedor: Ambas

Violência

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Ambos os livros, tendo em conta o tema que abordam, têm a sua dose de violência, tanto física como psicológica. Contudo, essa violência é bastante mais explorada em Battle Royale, pelo mesmo fator que referi no tópico “Alunos vs Tributos”: a fragilidade das personagens. As cenas de violência são extremamente explícitas: há balas que entram em cabeças, esfaqueamentos em pescoços, explosões das coleiras eletrónicas que causam decapitações, barrigas abertas, crânios abertos, entre muitas outras cenas explícitas.

As hostilidades psicológicas também são muito intensas. Uma das minhas cenas favoritas no livro foi quando Shuya, após ter escapado do antagonista com ferimentos no corpo vai parar ao cuidado de um grupo de raparigas que se abrigou num farol. Uma das raparigas desconfia de Shuya, tentando envenena-lo à hora de almoço. Contudo o seu plano dá para o torto quando uma das suas amigas come a comida envenenada, morrendo numa questão de segundos. As restantes acusam-se umas às outras, acabando por se massacrarem, escapando somente a responsável pelo envenenamento. Outra cena que para mim foi das mais tristes foi quando Hiroki Sugimura (outra personagem relevante), que procurou ao longo da competição toda pela rapariga que amava (Kayoko Kotohiki) acaba por a encontrar, apenas para ser baleado pela própria num ato de medo impulsivo, acabando a morrer a confessar os seus sentimentos.

Em The Hunger Games a violência também existe, contudo, não lhe senti uma ênfase tão grande como em Battle Royale. Há ferimentos sofridos, contudo Katniss no final está totalmente regenerada. No primeiro livro, por exemplo, ela perdeu a audição num dos ouvidos, mas no fim esse problema já foi resolvido. Ainda assim não posso deixar de dar crédito a um dos momentos mais violentos que li: a cena em que a rapariga do Distrito 2 é morta com uma pedra na cabeça pelo rapaz do Distrito 11 bem me deu uma imagem mental. Ainda assim, este ponto vai para Battle Royale.

Vencedor: Battle Royale

Caso me perguntem qual o melhor livro, neste caso a minha resposta será alusiva ao facto de ter gostado mais de umas coisas numa história e de outras noutra, conforme esta análise pretende mostrar. Battle Royale ainda não existe disponível traduzido para português de Portugal, ainda assim é uma leitura que definitivamente aconselho àqueles que tiverem a oportunidade de obter a obra. Também gostei da saga The Hunger Games, apesar de não ser das minhas favoritas. Quer Suzanne Collins tenha antecipadamente ouvido falar de Battle Royale ou não, certo é que a autora conseguiu dar um take original a uma ideia que já foi usada mais do que uma vez em histórias tais como: Lord of the Flies, The Long Walk, The Lottery, entre outras.