A 94.ª edição dos Óscares ficou marcada por um dos momentos mais chocantes na sua história, quando Will Smith bofeteou Chris Rock em palco na sequência de uma piada. A agressão, que se tornou no assunto mais comentado da noite, a 28 de março, foi eleita pela equipa do Espalha-Factos como acontecimento internacional do ano no mundo da Cultura e do Entretenimento.
O episódio aconteceu quando o ator e humorista Chris Rock subiu ao palco do Dolby Theatre, em Hollywood, para apresentar o galardão de Melhor Documentário, e fez uma piada sobre Jada Pinkett-Smith, mulher de Will Smith. Rock, num ato de brincadeira, fez referência a Jada e ao facto de a atriz não ter cabelo por sofrer de alopecia, doença que causa a perda total ou parcial dos cabelos. O humorista afirmou que mal podia esperar por ver a atriz no G.I. Jane 2, numa referência ao que seria uma sequela do filme G.I. Jane, onde a personagem principal, interpretada por Demi Moore, é careca.
Quem não achou piada foi Will Smith, que se levantou da cadeira, dirigiu-se a Rock e esbofeteou o anfitrião do momento. De regresso ao lugar, ainda gritou: “Tira o nome da minha mulher do raio da tua boca”. As reações de espanto da plateia e do público em casa foram imediatas e não deixaram dúvidas de que tudo foi real e não uma encenação, como inicialmente faria crer. “Will Smith acabou de me bater na cara”, soltou o comediante, sem conseguir disfarçar o embaraço provocado pela situação.
Mais tarde, o ator sagrou-se o vencedor do Óscar de Melhor Ator, categoria para a qual estava nomeado pelo papel em King Richard, confirmando assim o seu favoritismo. No discurso de agradecimento, pediu desculpa à Academia e aos colegas nomeados, mas não se referiu a Chris Rock. O comunicado com o pedido de desculpa ao humorista veio um dia depois, partilhado nas redes sociais, onde o artista lamentava o seu comportamento “inaceitável e indesculpável”, além de condenar todos os atos de violência.
A agressão trouxe o cancelamento de Will Smith?
As repercussões que a agressão trouxe a Smith não são lineares, uma vez que há quem alegue que o ator apenas estava a defender a mulher, enquanto outros aludem a um caso de masculinidade tóxica e normalização de violência. O posicionamento por parte da Academia surgiu dias depois e, ainda não tenha sido retirado o Óscar ao ator, Smith ficou proibido de participar na cerimónia nos próximos dez anos, a partir de abril de 2022. A decisão foi tomada em reunião do Conselho de Direção da Academia de Hollywood, que também impediu Smith de participar em qualquer evento organizado pela mesma.
A indústria de Hollywood também reagiu e a resposta traduziu-se em vários projetos suspensos e outros adiados. A Netflix suspendeu o thriller Fast and Loose, no qual Will Smith era o protagonista, e a Sony colocou em pausa a ideia de um quarto filme de Bad Boys. A estes dois projetos juntam-se a perda de papéis para os quais estava a ser considerado.
O regresso ao ecrã aconteceu no início de dezembro, passados nove meses, com Emancipation, o novo filme de Antoine Fuqua, disponível na Apple TV+. O filme, gravado antes do incidente, era apontado como um forte candidato à edição dos Óscares de 2023. Contudo, tudo aponta para que fique fora da temporada de prémios, dadas as más críticas por parte dos media e dos críticos de cinema.
Quais as consequências para Chris Rock?
O comediante pronunciou-se pela primeira vez sobre o incidente durante um espetáculo em Boston, nos Estados Unidos, integrado na sua digressão Ego Death Tour, dois dias após o ocorrido. Na altura, Rock referiu ainda estar a “processar o que aconteceu”, pelo que o momento para falar sobre o assunto ainda não era o ideal. De imediato, as vendas de bilhetes para a digressão de espetáculos de stand-up do comediante dispararam, destacando-se ainda a subida dos preços, que passaram de 46 para 400 dólares.
Cinco meses depois, também durante um espetáculo de comédia, Chris Rock revelou que recusou uma proposta da Academia de Hollywood para apresentar a cerimónia de 2023. “Seria como voltar ao local do crime”, justificou. Na ocasião, mencionou ainda que foi convidado para a próxima edição do Super Bowl e que, à semelhança dos Óscares, rejeitou o apelo.
Ao contrário da decisão tomada com o filme de Smith, a Netflix anunciou em novembro a estreia de transmissões em direto com um espetáculo de Chris Rock. O comediante torna-se assim o primeiro artista a atuar no primeiro evento global com transmissão em direto pela plataforma de streaming. O evento, denominado Selective Outrage, tem data de estreia marcada para 4 de março de 2023.
O mundo da comédia, ainda que abatido com o episódio e com algumas reações contra Smith, não sofreu nenhuma represália pelo acontecimento. No cenário português, vários foram os humoristas que reagiram negativamente à agressão de Smith a Rock, entre eles Nuno Markl, Raminhos, Nilton e Fernando Alvim. Contrariamente, o ânimo do público para com Rock e o apoio de plataformas como a Netflix ao seu trabalho são a prova disso. Criou-se com este Acontecimento Internacional do Ano para o Espalha-Factos uma discussão entre as barreiras do humor e dos próprios humoristas e a ilegitimidade da violência, seja física ou emocional.
