Este sábado, dia 5 de novembro, assinala-se o Dia Mundial do Cinema. A Sétima Arte leva-nos a conhecer histórias inacreditáveis e a viajar até mundos inesquecíveis, mas tudo começa a partir da visão dos grandes ilusionistas que fazem a magia do Cinema ir da página do argumento até ao ecrã.
Os redatores do Espalha-Factos escolheram alguns dos seus realizadores favoritos e duas das melhores obras de cada um que qualquer cinéfilo não pode dispensar. Entre drama, comédia, surrealismo e história revisionista, todas as escolhas partem de grandes nomes na indústria, que deixaram uma marca permanente e carreiras recheadas de clássicos.
Ouve o podcast especial do Dia Mundial do Cinema:
David Fincher
The Social Network (2010)
Quando se fala dos grandes realizadores dos nossos tempos, o nome de David Fincher é um dado adquirido. Fincher é responsável por vários filmes de culto, entre os quais Seven e Fight Club. Ainda assim, um dos seus melhores filmes é aquele que, na teoria, seria o mais aborrecido.
The Social Network conta a história da criação do Facebook. Começa nos primórdios da rede, quando Mark Zuckerberg, interpretado de forma brilhante por Jesse Eisenberg, cria o Facemash no seu dormitório da universidade. A partir daí, somos levados numa viagem pelos altos e baixos do Facebook, entre mudanças de nome, investidores e traições. O filme vive de sequências rápidas e de um argumento de mestre (escrito por Aaron Sorkin). É o tipo de biopic que nos coloca na mente das personagens, e em grande parte do tempo não gostamos muito do que estamos a descobrir. Ainda assim, é impossível desviar o olhar deste desenrolar de acontecimentos, que culmina com a inevitável explosão do fenómeno que foi o Facebook.
É neste género de obras que conseguimos perceber o quão brilhante Fincher é enquanto realizador. Este filme conta apenas com a sua história, atuações incríveis e uma grande edição para o tornar num filme essencial deste realizador, e um dos melhores deste século.
Zodiac (2007)
Zodiac é um filme que muitas das vezes é deixado de lado quando se fala de David Fincher, normalmente para dar lugar a gigantes como Gone Girl, Fight Club ou até Mank. Ainda assim, este filme é um essencial do realizador, já que junta num filme tudo o que torna Fincher num dos grandes da sua área.
Zodiac segue a investigação policial e jornalística de um assassino em série que esteve ativo no final dos anos 60. Seguimos esta investigação através de Paul Avery (Robert Downey Jr.) e Robert Graysmith (Jake Gyllenhaal), um jornalista e um cartunista que se tornam obcecados com o caso, bem como Dave Toschi e Bill Armstrong, dois polícias que são destacados para o resolver. Eventualmente, as suas vidas começam a girar em torno da investigação, o que lhes traz problemas a nível profissional e pessoal.
Apesar de não ter um ritmo tão rápido, assenta numa história real, repleta de tensão, e em atuações brilhantes dos seus atores. A história de Zodiac é conhecida de forma quase universal, por este ser um dos assassinos em série mais famosos, mas mesmo assim Fincher prende-nos ao ecrã. A reviravolta final, ainda que expectável para quem conhece bem o caso, deixa o espectador com um sentido de vazio, como só um filme incrível pode deixar no seu final. Zodiac representa a obra de Fincher, com uma história real contada através de personagens construídos com um talento que só um grande realizador possuí.

David Lynch
Mulholland Drive (2001)
Um dos grandes realizadores para quem gosta de ver filmes que tanto assombram como confundem, David Lynch é um mestre no que toca à narrativa emblemática. Apesar de toda a sua filmografia ser uma longa lista de recomendações, Mulholland Drive destaca-se como um dos projetos mais aclamados do cineasta, e por boa razão.
A narrativa revolve-se à volta da misteriosa Rita (Laura Harring), uma mulher que perdeu a memória após um acidente de carro, e da amizade que cria com Betty Elms (Naomi Watts), uma atriz em progresso recém-chegada a Los Angeles. Para os que já viram, sabe-se que palavras são incapazes de fazer justiça à beleza inerente nesta longa-metragem, que sucede em deslumbrar o espectador sequência após sequência, constantemente a dar peças de um puzzle que nunca será completado. Pelo menos, não com a ajuda do próprio Lynch, que justamente recebeu o Prémio de Melhor Diretor no Festival de Cannes pelo seu trabalho no filme.
Desde a sua produção, conjurada por uma montagem arrebatante, até às performances de Harring e Watts, o filme encapsula a experiência de um sonho que se deteriora a um pesadelo do qual não há fuga. É longe de ser um filme de conforto, mas há algo dentro desta história sobre sonhos destroçados e a magia traiçoeira de Hollywood que faz com que, passados todos estes anos, ainda intriga e fascina espectadores, que revêem e descobrem o filme com a mesma paixão que Lynch investiu na sua criação.
The Elephant Man (1980)
A segunda escolha das obras de Lynch calha ser a sua segunda longa-metragem, The Elephant Man, baseado na história verídica de Joseph Merrick, famoso pelas suas desfigurações físicas. O trabalho do cineasta sempre explorou o lado mais melancólico e repulsivo da Humanidade, não havendo falta desses temas neste projeto, mas este filme é um que aponta o holofote para a bondade e gentileza da qual todos nós somos capazes de ter.
Liderado por John Hurt, que nos apresenta com uma interpretação arrebatadora da personagem titular, e Anthony Hopkins, que representa o cirurgião Frederick Treves que cuidou de Merrick quando mais ninguém o fez, The Elephant Man opera com uma estética semelhante às dos Monstros Clássicos da Universal Studios, apesar de ter sido produzido nos anos 80, porém o aspeto mais assustador do filme é a repulsão injusta da sociedade para com Merrick.
A câmara de Lynch, ampliada pela cinematografia a preto e branco, orquestra um filme que, mais uma vez, ostenta um nível de produção impecável; a qualidade da maquilhagem usada em Hurt para recriar as desfigurações faciais foi tal que os Óscares viram-se obrigados a criar a categoria de Melhor Caracterização. Pode ser considerado demasiado simplista para alguns, mas creio que é nessa universalidade que Lynch expõe um trabalho cinematográfico que imortaliza a beleza da Humanidade de um modo assombroso.

Charlie Kaufman
Synecdoche, New York (2008)
Com uma filmografia ainda curta, contando apenas com três grande obras no papel de realizador, é precisamente pela sua estreia que começamos a falar de Charlie Kaufman. Synecdoche, New York é um épico surrealista que nos faz mergulhar no sofrimento que a passagem do tempo nos causa. Um hino existencialista trazido pela mente complexa de Kaufman, onde a simplicidade não parece ser bem-vinda.
Acompanhamos o encenador Caden Cotard, interpretado imaculadamente por Philip Seymour Hoffman – que tanta falta nos faz -, à medida que este se afunda no seu atribulado psicológico, enquanto tenta executar a sua peça mais ambiciosa. Neste processo, os traumas, inseguranças e constantes ansiedades vêm ao de cima, colmatando numa viagem melancólica que atormenta todos aqueles que já se tenham ponderado o que virá a seguir de tudo isto.
Kaufman apresenta-nos uma trama maximalista, regendo-se aos detalhes para nos apresentar os significados e obrigando-nos a estar atentos para que consigamos retirar o máximo proveito das temáticas aqui incutidas. Synecdoche, New York é um filme pesado, honesto e depressivo, mas que de certa forma nos faz sentir seguros, por nos indicar que não somos os únicos a passar por esta tarefa pesada de existir. Cuidado com a palavra seguro, pois ver este filme é doloroso – e não é pouco.
Anomalisa (2015)
Se Synecdoche, New York nos faz sentir seguros por nos fazer sofrer ao sabermos que não somos os únicos a sofrer de existencialismo, Anomalisa faz-nos entrar num existencialismo profundo por nos fazer sentir sozinhos. A juntar forças na cadeira de realizador com Duke Johnson, Anomalisa é o segundo filme de Kaufman e a sua estreia em animação stop-motion.
Com um conceito que só podia ser concebido com a magia da animação, Anomalisa é uma película genial e que esperamos que não sejam muitos pelo mundo fora a identificarem-se tanto com ela como por estes lados. Conhecemos então Michael Stone enquanto vamos assistindo à sua vivência triste e mundana. Depressa começamos a partilhar a visão enfadonha que este tece pelo mundo que o rodeia e entramos numa espiral infernal à falta de interesse e dificuldade de conexão social e/ou amorosa que este possui. Nada é novo e o único assédio é o aborrecimento. Com muita matéria que deve ser interpretada ao critério de cada um, Anomalisa entranha-se venenosamente nas nossas emoções e faz com que seja custoso olharmos para dentro depois de o assistirmos. Nada neste (e no nosso) mundo é isento de anomalias, perfeito é um mero conceito irreal que consiste na supressão dos defeitos e por isso mesmo, até quem parece contrariar esta norma, acabará por eventualmente ser anómalo como tudo o resto. Se pelo meio aqui andarmos e tudo nos desinteressar, resta-nos esperar pela nossa anomalia, mesmo que nos contente por pouco, aproveitemos enquanto durar.
No final do dia, uns ouvem o Girls Just Want To Have Fun da Cyndi Lauper, outros talvez se identifiquem mais com a Maybe I’m the Only One For Me de Purple Mountains – aconselhável para quem se identifique com Anomalisa -, mas todos temos de enfrentar que acompanhados ou não, nada é tão intrínseco quanto a solidão.

Greta Gerwig
Lady Bird (2017)
A única mulher desta lista tem um repertório significativamente mais pequeno que os seus pares, mas nem por isso menos impressionante. Greta Gerwig lançou-se a solo na realização em 2017, com Lady Bird, e conquistou logo três nomeações aos Óscares.
O feito não surpreende quem já viu o filme, que acompanha Christine “Lady Bird” McPherson (Saoirse Ronan) no último ano do secundário, num colégio católico. Isso contrasta com a sua vida familiar modesta, do “lado errado da linha do comboio”, como afirma a própria.
O resultado é um dos melhores coming of age que Hollywood produziu nos últimos tempos: aos 17 anos, ver Lady Bird a tentar emancipar-se das suas raízes e a sair da sua bolha claustrofóbica é como um olhar no espelho. Isto só é acentuado pela câmara de Gerwig, que se mantém sempre próxima da personagem principal, criando um ambiente intimista.
Ainda assim, o melhor do filme é mesmo o guião, um equilíbrio perfeito entre comédia, drama, romance, crises existenciais que consegue ressoar com todas as gerações. No final, o maior destaque tem de ir para os diálogos marcantes – principalmente entre Christine e a mãe (Laurie Metcalf) que trazem cadência ao filme, sem cair em exageros melodramáticos.
Little Women (2019)
O segundo título no portefólio de Gerwig é Little Women, adaptação do livro escrito em 1868, por Louisa May Alcott. Gerwig reúne um elenco de estrelas em que inclui, uma vez mais, o duo Saoirse Ronan/Timothée Chalamet (os dois já tinham contracenado em Lady Bird) para contar a história das quatro irmãs March: Jo (Ronan), Meg (Emma Watson), Beth (Eliza Scanlen) e Amy (Florence Pugh). O drama de época podia ser um desafio, por dois motivos: em primeiro lugar, por ser uma história já conhecida e por esta ser a sexta adaptação da história ao grande ecrã – parece restar pouco de novo para dizer. Em segundo lugar, porque dramas de época correm sempre o risco de não se conseguirem deslocar do período histórico para a atualidade e ficarem presos no tempo.
Mas Gerwig desprende-se do tempo, misturando as duas linhas temporais: das irmãs enquanto crianças e das irmãs enquanto adultas. Assim, Little Women deixa de ser um coming of age linear (como as adaptações anteriores), que acompanha dez anos seguidos nas vidas das March, para saltar entre passado e futuro. O fio condutor já não é o tempo, mas as próprias personagens, o que as torna muito mais reais (e muito mais complexas). Sem negar liberdade às interpretações do seu elenco, Gerwig continua a ser a mestre por detrás das atuações das suas estrelas.
Esteticamente, em Little Women, importa ainda destacar a forma como Gerwig brinca com a cor de uma forma leve, mas sempre perceptível, como na dualidade quente/frio dos filtros de cada linha temporal ou na atribuição de códigos de cores a cada personagem.

Quentin Tarantino
Inglorious Basterds (2009)
Se há elemento que Quentin Tarantino adora em si mesmo, é a escrita. Inúmeras entrevistas mostram o realizador norte-americano a falar da importância do seu trabalho no guião e do conhecimento extenso que tem do que está dentro das páginas e até do que fica por dizer. Não é estranho, por isso, assinalarmos aquele que é, provavelmente, o filme mais bem escrito de Tarantino.
Inglorious Basterds é o recapitular de uma missão completamente ficcional no muito real conflito da Segunda Guerra Mundial. Em plena França sob domínio nazi, Tarantino orquestra um malabarismo fenomenal entre a simbologia e propaganda do Cinema, os choques culturais e linguísticos e as muitas e sangrentas mortes que marcaram a guerra. Há várias linhas de diálogo icónicas, duas cenas que serão para sempre estudadas em aulas sobre como criar suspense com apenas uma conversa (des)agradável entre duas personagens e um final alucinado que só Tarantino tem coragem e maluquice para criar.
Brad Pitt, Diane Kruger, e Mélanie Laurent brilham cada um numa mistura de drama e comédia, mas há um ator em particular que é o núcleo de toda a energia caótica, imprevisível e sublime de Inglorious Basterds: Trata-se claro de Christoph Waltz no papel do antagonista principal. Talvez a melhor e mais exigente personagem que Tarantino criou, naquele que acaba por ser o seu filme com o melhor e mais exigente texto.
Django: Unchained (2012)
Alguns leitores podiam estar à espera que se falasse em Pulp Fiction, a obra que para sempre será a mais associada e famosa de Tarantino. Mas o realizador fez mais oito filmes, até hoje, e melhorou e acrescentou novas características àquelas que fizeram desse trabalho uma obra marcante dos anos 90.
Falamos por isso do filme que é o expoente completo de todas as facetas de Tarantino enquanto realizador. Django: Unchained é o artista norte-americano na sua realização violenta, cómica e recheada de homenagens e referências, com uma escrita poética que pretende ser uma ode anti racismo, com personagens carismáticas que só sabem dizer frases que ficam no ouvido e uma banda sonora explosiva que coloca hip hop moderno num mundo com mais de um século de distância.
Christoph Waltz está de volta, Jamie Foxx e Kerry Washington fazem as suas únicas, mas marcantes aparições na filmografia de Tarantino, Leonardo DiCaprio interpreta um racista desprezível e Samuel L. Jackson surge no papel mais improvável da carreira. É um dos melhores westerns de sempre e talvez o épico mais ambicioso na carreira de Tarantino
