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'Sangue Oculto' Primeiro Episódio - Divulgação SIC

‘Sangue Oculto’. Algum dia a ficção nacional vai evoluir?

'Sangue Oculto', telenovela que prometia ser a maior produção do ano e celebrar a história de ficção nacional na SIC, estreou e não convenceu os espectadores

Sangue Oculto estreou e ficou muito aquém de qualquer expectativa. Com um guião repleto de erros e uma narrativa sem qualquer sentido, fica difícil continuar a defender a ficção nacional quando todos os produtos conseguem ser piores que o anterior.

Ainda com Lua de Mel na grelha, quando já havia sido anunciado o seu final, temos agora cinco produtos de ficção no horário nobre do canal, três nacionais (Lua de Mel e Por Ti) e duas produções brasileiras (Um Lugar ao Sol e Pantanal) e ainda o diário de mais uma temporada de Quem Quer Namorar com o Agricultor.

Talvez a apresentação feita às pressas (com uma estreia que parece ter sido antecipada e com a antecessora ainda no ar), ou o querer lançar uma ideia de “duas gémeas separadas à nascença” como ideia original, tenham feito com que os espectadores não se entusiasmassem e, contrário ao que costuma acontecer, o primeiro episódio de Sangue Oculto não tenha liderado em nenhum momento.

Terá alguma coisa corrido bem neste primeiro episódio?

A resposta é não! Apesar do elenco consistente, com a aposta em Sara Matos, Sofia Alves e Luana Piovani nos papéis centrais da trama, fica difícil salvar um guião desleixado e incoerente, acompanhado de uma realização que parece querer estupidificar o telespectador.

A primeira cena de Sangue Oculto é apenas inexplicável. Depois de um genérico com Sara Matos feliz a correr no meio do campo ao som de GNR, caímos de paraquedas num prédio em obras em que um médico está sentado a ajudar uma parturiente, depois de a drogar para ela não perceber que ia ficar sem a criança. Como foi ali parar? Demasiada preguiça desde logo para criar uma explicação, começamos logo a partir do insólito.

E o pior é que no meio dessa cena ainda somos obrigados a acreditar que no dia de estreia da SIC as pessoas paravam de trabalhar para beber minis e brindar ao ver a Alberta Marques Fernandes a abrir a emissão, numa tentativa absurda de colocar a marca dos 30 anos do canal na telenovela.

Melhora quando uma mulher loura, de saltos altos e óculos de sol, percorre o edifício, que calculamos ser o futuro hospital ainda em obras, e retira uma das crianças, achando que seria a única. Quando se apercebem que são gémeas (porque o trabalho de parto não termina!), acabam por dizer à paciente que uma das gémeas morreu. Assim temos a divisão à nascença, que não foi feita de modo original mas sim em modo sonho psicadélico.

Sofia Alves (na juventude Laura Dutra) é Teresa, a mãe boazinha, e Luana Piovani é Vanda, a mãe raptora e cruel. Sem ter como educar a filha, Teresa decide emigrar, até porque pretende fugir do seu amor Olavo (António Pedro Cerdeira), que lhe tinha prometido um feliz vida a dois, e que, claro, acabou casado com Vanda.

Dois minutos depois do parto, e com um efeito de drogas que passa no tempo de terem de cumprir a cena, Teresa foge do edifício e vai para o aeroporto. Com a filha por registar, é no embarque que decide que o nome vai ser Carolina e ficamos assim a saber que viajar em 1992 era um processo muito menos burocrático.

Os pais ficam muito felizes mas só a voltam a ver passado 30 anos, porque toda a gente sabe o difícil que é fazer um voo Londres – Lisboa. Mas ficamos descansados porque Teresa começa a lavar casas de banho, mas acaba a servir canecas de cerveja e pelo meio tem uma filha formada em enfermagem que ainda tem tempo para ter outra filha, que tem já dez anos quando chegamos a 2022. Não queiram dizer que a emigração não compensa!

Quem acha também que os voos são caros é a própria SP que mais uma vez não deixou o elenco de três atrizes sair de Portugal para gravar meia dúzia de cenas e tivemos assim de levar com um parque algures na área metropolitana de Lisboa a fingir ser uma espécie de Hyde Park. Local este onde as crianças não podem falar em português à frente das pessoas, porque é falta de educação e onde as pessoas não tiram a farda, porque em Londres trabalha-se muito. Seguimos a aprender.

Menção especial à inserção no diálogo de um agradecimento aos profissionais de saúde, numa tentativa de querer lembrar a pandemia? Não sabemos o motivo do agradecimento, agradecemos apenas.

Também não aprendemos qual foi o significado de Carolina ir à praia da Costa da Caparica mal chega. Uma praia que ela nunca tinha visto mas onde tinha um desejo secreto de andar de mala nas dunas e jogar vólei, desporto que ela devia praticar imenso em Londres e do qual já devia ter imensas saudades.

A esta altura já percebemos que a Sara Matos rica é a médica e a pobre é a enfermeira, também um pouco insultuoso para a classe profissional.

Quando já tudo ia mal, chega a previsível cena do acidente que para além de ser um atentado ao bom gosto e profissionalismo, acrescenta zero à narrativa, existindo várias maneiras de colocar o Olavo no caminho da Teresa. Mas seguimos.

Depois de um autocarro arrastar um carro capotado na sua frente até decidir que tinha chegado o momento de parar, todos os ocupantes partilham a mesma ferida na testa que, apesar de ter resultado em pouco sangue e em que todos conseguissem andar a pé, acaba por despertar o lado heróico da enfermeira Carolina, que salva todos numa cena realizada de forma preguiçosa e que dá vontade imediata de desligar a televisão. Como tudo até aqui.

‘Sangue Oculto’ Primeiro Episódio – Divulgação SIC

Agora a mãe heroína Teresa já tinha decido ir salvar os ocupantes do carro que, apesar de estar desfeito, nem deixou os ocupantes com necessidade de passar a roupa a ferro, saindo pelo próprio pé e tendo já colocado Olavo e Teresa de novo em contacto.

Isto também deixa outra pergunta para o avanço da narrativa, com todos os encontros a acontecer no primeiro episódio, esta telenovela vai viver de quê? Esperemos que não seja de mais um núcleo cómico a trabalhar no bar da praia porque o registo Morangos com Açúcar não é para telenovela de horário nobre.

Para terminar, e porque já nem precisamos de mais exemplos de como esta é uma fraquíssima produção, temos ainda a cena de Tiago (João Catarré) a praticar parkour numa fila de trânsito para conseguir alcançar o acidente. Nem o disfarce das cenas em que é um duplo e em que é o ator são minimamente conseguidas.

‘Sangue Oculto’ Primeiro Episódio – Divulgação SIC

Um ponto positivo poderia ser o gancho final, com o encontro das duas gémeas já no primeiro episódio mas para isso precisávamos de ter uma cena menos caótica e talvez ter sabido mais da personagem Benedita. É esperar que a única coisa que difere as duas irmãs não seja o corte de cabelo e o namorado.

Sabemos que produzir ficção em Portugal não é fácil, uma vez que as novelas continuam a ter mais de 200 episódios para não se transformarem em produtos demasiado caros, mas fica difícil acreditar que numa equipa de dezenas de pessoas ninguém seja capaz de avisar destes erros de guião que descredibilizam o produto final, que não pode assim continuar a ser vendido como inovador e imperdível.

De recordar que sendo esta uma telenovela que pretende também comemorar os 30 anos da SIC, na sua cronologia de ficção existem produtos de qualidade como Laços de Sangue, Dancin’ Days, Mar Salgado e até a recente primeira temporada de Amor Amor. Não será impossível voltar a melhorar.

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