Esta quarta-feira (7), em mais um dia da 16ª edição do MOTELX, a Sala Manoel de Oliveira do Cinema São Jorge voltou mais uma vez a praticamente encher, durante um final de tarde de semana. O motivo é simples, para além de Os Demónios do Meu Avô ser a primeira longa-metragem de animação stop-motion portuguesa, esta era também a sua estreia nacional depois do sucesso em festivais internacionais.
Esta animação prova que de facto esta edição do MOTELX procura provar que o cinema português está vivo e que cobre todas as áreas, por muito que ainda esteja por vezes preso a alguns estereótipos de género e tenha alguma dificuldade a se difundir no mercado, algo que felizmente parece estar a mudar.
Que o diga todas as pessoas que encheram a sala para receber e ovacionar não só Nuno Beato como toda a sua equipa, que durante cinco anos preparam este filme, dividido em cerca de um ano de filmagens, dois de construção e o resto de pós-produção, segundo o realizador.

Rosa (voz Vitória Guerra) é uma profissional de topo, a viver em Lisboa, que dedica todas as partes do seu dia ao trabalho. Com esta opção de existência acaba por se afastar (apesar de nunca esquecer) do seu avô, a morar numa aldeia transmontana onde Rosa também crescera. Com a morte do avô, Rosa dá um novo rumo à sua vida e retorna à aldeia onde vai descobrir tudo que ainda assombra o seu passado e precisa resolver.
Longe de ser uma animação de terror, Os Demónios do Meu Avô é um retrato de tantas histórias parecidas que acontecem no nosso país e está cheio de personagens que conseguimos muito facilmente identificar como nossas. Não só nas falas como nos atos, o que foi gerando uma constante empatia com o público a assistir ao filme.
O único contacto que Rosa tem ainda em Lisboa com a sua aldeia do interior de Portugal é o que muitos de nós mantém com o interior, as notícias dos incêndios no telejornal e a noção de que a desertificação e o envelhecimento da população é uma realidade. Mas tudo isso é mero “ruído de fundo” enquanto vivemos a nossa vida de trabalho e focada no sucesso profissional.
A comunicação com Rosa e o avô era feita essencialmente por carta, muitas cartas retornadas e muitas sem resposta. Quando se apercebe de que já não vai poder resgatar o tempo com o avô e que apesar de ter sido educada apenas por ele acabou muitas vezes por não lhe dar a devida atenção e reconhecimento, há um silêncio angustiante na sala que nos faz pensar quantas pessoas não estariam ali a identificar-se com essa mesma história. É aí que decide voltar à aldeia e perceber o que deixou para trás.
Começa a parte sombria do filme, muito associada a um folclore imaginário das aldeias transmontanas, como se os demónios fossem uma espécie de representação das personagens Caretus. Após regressar à aldeia, Rosa percebe toda a animosidade que o seu avô vivia na aldeia e isso vai fazer com que esteja assombrada pelas más decisões de Marcelino (voz de António Durães) até converter todas elas.
Como qualquer bom filme de animação, o caminho da personagem é totalmente direcionado para a resolução de um problema, para o qual vai ter ajuda do amigo, o pequeno, e muito querido e engraçado Chico (voz de Martim Carvalho Balsa) e da sua mãe, a calma e ponderada Laura (voz de Ana Sofia Martins).
O argumento de Possidónio Cachapa e Cristina Pinheiro, conduz-nos pela mudança da personagem. Desde uma pessoa cinzenta, cansada e dependente do trabalho, passando por uma pessoa nervosa, irritada e a pensar não ter capacidade para se adaptar, até uma amiga dos vizinhos, solucionadora de conflitos e problemas e totalmente enquadrada no estilo tranquilo, leve e florido da vida no campo. Todo esse caminho é de facto muito acompanhado por Chico e Laura.
Talvez o maior erro do guião seja o exagero por vezes sem tanta identificação do real dos termos em inglês usados pelo seu amigo João (voz de Nuno Lopes), um autêntico citadino, apaixonado por Rosa mas sem nunca conseguir entender esta sua escolha e abandono de todo o futuro profissional e vida tecnológica, apesar de ainda tentar e que parece ter sido feito para não gostarmos dele, mas com toas as trapalhadas, com as quais mais uma vez nos identificamos, acaba por ser só mais uma personagem cómica e real.

Não só na personagem Rosa se vêm as diferenças entre a vida tecnológica e a vida na aldeia, também a animação passa de 2D para stop-motion, o que também dá mais realismo à parte mística e sombria dos demónios que ganham vida durante a noite na casa onde Marcelino vivia isolado.
A reação do público foi animadora e prova que começamos a estar prontos para receber novo cinema português e que nos identificamos com estas histórias tão nacionais e tão verdadeiras.
Apesar do mood mais saudosista do que de terror, Os Demônios do Meu Avô encontra-se em competição para Melhor Longa Europeia, ao lado de mais dois filmes portugueses, Criança Lobo de Frederico Serra e da produção galaico-portuguesa, O Corpo Aberto, de Ángeles Huerta. O vencedor é conhecido na sessão de encerramento desta edição do MOTELX, no próximo domingo (11).