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Demi Lovato
Fotografia: Demi Lovato/Instagram

30 anos de Demi Lovato. Um reavaliar da carreira da estrela pop

Custa acreditar que Demi Lovato cumpre, este sábado (20), 30 anos. Afinal, a cantora e atriz estadunidense encontra-se nas bocas da fama desde meados dos anos 2000, propulsionada pela passagem pela máquina da Disney, com a saga Camp Rock e a encarnação de Sonny (Sunny na dobragem portuguesa) Monroe, em Sunny Entre as Estrelas. Por estranho que pareça, já passaram praticamente 15 anos desde o dueto com Joe Jonas.

Demi Lovato é um ícone da geração que a viu crescer. Começou como estrela do universo juvenil e acabou por se tornar uma das mais reconhecidas vozes do universo da pop mais mainstream, com tudo de bom (a música e os discos) e de mau (os “bem” documentados problemas pessoais) que o estrelato tem para oferecer.

Contudo, apesar do estatuto, muitas vezes, quando falamos das grandes estrelas pop da década passada (ou atuais, dado que Demi continua a ter só 30 anos), o nome da artista passa muitas vezes pelos pingos de chuva. Como tal, para celebrar o 30.º aniversário da artista, o Espalha-Factos decidiu revisitar a sua obra musical e avaliar retrospetivamente os sete álbuns (oito a partir da noite desta sexta-feira) que a artista colocou cá fora ao longo da carreira.

A carreira além-música

Para entendermos os cantos e recantos da carreira musical de Demi Lovato, temos de explorar a ascensão enquanto estrela juvenil. Nascida a 20 de agosto de 1992, em Albuquerque, Novo México, desde cedo que a pequena Demi esteve exposta ao universo artístico e criativo. Afinal, a mãe foi uma cheerleader dos Dallas Cowboys e cantora country e o pai, com quem sempre manteve uma relação distante, após o divórcio dos pais, pouco depois dos dois anos, era um engenheiro com aptidão para a música.

Ainda durante a infância, a família de Demi Lovato mudou-se para Dallas, no Texas, onde a cantora começou a abraçar mais o seu lado artístico. Com dez anos, chegou a primeira incursão no mundo do pequeno ecrã, com a participação na série infantil Barney e os seus Amigos, entre 2002 e 2004. Ainda antes de ingressar na Disney, a jovem Demi apareceu num episódio de Prison Break, em 2006.

No ano seguinte, a carreira da artista enquanto estrela juvenil daria os primeiros passos a sério, tendo-se juntado ao universo do Disney Channel, casa na qual permaneceu nos anos seguintes. O início deu-se com Hora do Intervalo, um conjunto de pequenos sketches intercalados em intervalos entre episódios de séries. Em 2008, Demi virou a estrela do canal ao protagonizar, ao lado de Joe Jonas, o filme Camp Rock, que a certificou um ícone para uma geração. Protagonizou também a série Sunny Entre as Estrelas, entre 2009 e 2011, antes de colocar a carreira de atriz em pausa, devido a problemas pessoais. Pelo meio, protagonizou ainda o segundo filme da saga Camp RockCamp Rock 2: The Final Jam – e, ao lado de Selena Gomez, vestiu a pele da Princesa Rosalinda, na longa-metragem Programa de Proteção de Princesas.

O regresso de Demi Lovato ao pequeno ecrã aconteceria em 2012, mas não no formato de atriz. A artista fez parte do painel de júris da segunda e terceira temporadas da versão americana do X Factor, ao lado de Simon Cowell, Britney Spears e Kelly Rowland. Todavia, o regresso enquanto atriz estaria ao virar da esquina, com um papel recorrente na série Glee, durante praticamente uma mão-cheia de episódios da quinta temporada, em 2014. A partir de 2015, a atriz apareceu em dois episódios da segunda temporada de From Dusk till Dawn: The Series, na 11.ª temporada da sitcom Will & Grace e no filme Festival Eurovisão da Canção: A História dos Fire Saga, ambos em 2020.

Entre esses compromissos, Demi teve a oportunidade de emprestar a voz à personagem de Smurfina, na longa-metragem de animação Smurfs: A Aldeia Perdida, em 2017. No ano seguinte, colocou a voz à disposição de uma das personagens principais de Principe Bué Encantado.

Don’t Forget (2008)

No verão de 2008, a participação em Camp Rock e as relações criadas a partir do filme, principalmente com os Jonas Brothers, ditaram a ordem de trabalhos de Don’t Forget, disco de estreia da artista, lançado em setembro desse mesmo ano pela Hollywood Records. Os Jonas Brothers foram responsáveis pela coescrita e coprodução – ao lado do produtor John Fields – de várias faixas do álbum e, talvez por consequência, existe alguma semelhança entre a sonoridade do trio e o projeto de estreia de Demi Lovato. Contudo, as comparações entre ambos os artistas são ligeiramente desproporcionais.

Em 2008, os Jonas Brothers já eram artistas estabelecidos no universo pop, muito devido ao disco homónimo – o segundo -, lançado em 2007. A Little Bit Longer, álbum que lançaram em 2008, foi um passo gigante na maturação do seu som, colocando-os em vias comerciais além da pop adolescente. Don’t Forget apresenta-se como o contrário. É um disco feito por uma adolescente para adolescentes. Por isso, em 2022, funciona também como uma cápsula do tempo para recordar esses tempos.

Here We Go Again (2009)

Menos de um ano depois de Don’t Forget ter atingido o segundo lugar no topo de vendas da Billboard, Here We Go Again seria o primeiro lugar de Demi Lovato. O projeto foi o último disco da artista a ser editado antes de abandonar o Disney Channel e revela uma Demi mais matura e com vontade de explorar estilos além do “simples” pop rock do disco de estreia.

As canções viradas mais para o lado rockeiro de Demi Lovato neste disco aparecem em número reduzido comparativamente com Don’t Forget. Quando surgem, são eficientes naquilo que se propõem: soar a uma versão melhorada daquilo que apresentou no projeto anterior. O lado de cantautora surge em Here We Go Again, com a exploração de sonoridades que soam mais adultas, mas em que se nota é a primeira vez que Demi tenta, em disco, estudá-las.

A diversidade e abertura a explorar novos estilos é talvez seja a característica mais importante de Here We Go Again. Mantém-se como um dos discos mais ecléticos da discografia da artista e é também o primeiro marco do catálogo onde se inicia a transição da Demi, estrela pop adolescente, para uma estrela pop de pleno direito.

Unbroken (2011)

Unbroken, o terceiro disco de Demi Lovato, é a primeira incursão da artista propriamente feita como estrela pop adulta, depois de uma primeira passagem por um centro de tratamento, após abandonar uma digressão com os Jonas Brothers e da saída da Disney, temas explorados, de forma bastante vulnerável, ao longo do álbum.

Isto não é para dizer que Unbroken é alguma espécie de desastre – longe disso. É um disco de pop sólido, com várias canções extremamente eficientes naquilo que se propõem, mas que, ao ter mais de 50 minutos de duração, oferece bastante palha da qual não podemos escapar no meio.

Ao nível de sonoridade, podemos ver Unbroken como uma “reinvenção” de Demi Lovato, o momento exato onde deixa de ser uma estrela pop adolescente – mal há pop rock em Unbroken, mas há muito a influência do R&B da década de 2000 – para uma estrela pop com calibre para todas as idades. Contudo, se escutarmos as entrelinhas de Here We Go Again, a transição da artista desse disco para Unbroken faz todo o sentido e, nos melhores momentos, soa a um prosseguir das ideias apresentadas no segundo longa-duração.

Unbroken é um disco com duas facetas. Por um lado, temos o lado mais pop e divertido da coisa e, por outro, temos as baladas, mais emocionantes e cruas, capazes de demonstrar todo o poderio da voz de Demi. Isso contribui para que o álbum soe algo desconexo, especialmente quando comparado com os anteriores. Ao nível de produção, os próprios instrumentais perdem alguma vida quando comparados com os predecessores, sendo muitas vezes o poderio vocal da cantora a servir de bote salvas vidas para a faixa. São essas as principais razões para podermos olhar de forma menos positiva, no seu global, para Unbroken que, infelizmente, não aguentou tão bem os testes do tempo quanto os outros discos de Demi Lovato.

Demi (2013)

Mesmo que, ao escutarmos Unbroken em 2022, não o olhemos da forma mais positiva, em 2011, o disco cumpriu aquilo a que se propunha: tornar Demi Lovato numa estrela pop adulta. Até esse momento, foi o maior disco da artista. Demi apresenta-se como um álbum cuja função foi manter Demi nessa trajetória e, felizmente, envelheceu melhor quando comparado com o predecessor.

Demi é um disco que se aproveita das melhores componentes de Unbroken e, de facto, usa-as. É muito mais consistente em qualidade, comparado com o anterior e, especialmente, as produções soam muito mais afincadas e arrojadas. O vozeirão de Demi, mesmo que seja muitas vezes o foco das faixas, complementa de forma muito mais suave os instrumentais, ao invés de os carregar às costas até à terra prometida dos refrões orelhudos. Em Demi, há muitos refrões orelhudos, mas também uns quantos momentos onde a emoção é o prato servido cheio.

Claro está, nem tudo é perfeito em Demi – e há canções que não resistem ao impacto da evolução da pop. Todavia, mesmo com isso em conta, é um disco vastamente sólido e que, como a própria previu, a colocou definitivamente no universo da pop mais mainstream como alguém para levar a sério.

Confident (2015)

Em fevereiro de 2015, Demi Lovato publicava, no Twitter: “Nunca estive tão confiante na minha sonoridade como agora. Nunca estive com tantas certezas de quem sou enquanto artista. Nunca me senti tão sedenta e com tanta vontade”. A publicação servia igualmente como um tease para o próximo longa-duração e como uma afirmação artística (com muita confiança vincada) para aquilo que estava para vir: Confident.

Tal como o título prevê, este é um disco no qual Demi adota uma persona muito mais desafiante e confiante, sensual e emancipada, aparentemente sem medos de navegar o estrelato pop. Trata-se de um culminar do desenvolvimento da cantora enquanto estrela pop, tanto ao nível de sonoridade como ao nível de aparência. É o disco da artista que melhor representa muito do que é navegar o estrelato pop: um jogo constante, no limiar da tensão, entre o que é fantasia ou real, performance e autenticidade, escapismo e relacionável.

Com cerca de 39 minutos, o álbum é mais curto que os predecessores – e isso ajuda que haja menos tempo desperdiçado. É, na generalidade, um dos discos mais fortes da carreira de Demi Lovato, que lhe garantiu a primeira nomeação a um Grammy e mais um segundo lugar nos topos da Billboard.

Tell Me You Love Me (2017)

Tell Me You Love Me é o momento em que Demi transcende a ideia de estrela pop e se torna uma “Diva”. É, sem dúvida, o disco mais consistente da cantora, balançado perfeitamente entre hooks proporcionais às cantorias enormes ao longo do disco, embebecidos em instrumentais que, por quão pop bombástica às vezes possam ser, nunca deixam de ser suaves e íntimos, a fazer-se notar uma particular influência de R&B.

Esta não foi a primeira vez que Demi Lovato flirtou com o R&B – relembremos Unbroken -, mas é certamente o álbum onde melhor cumpre a abordagem ao estilo. A sua maturidade extra encontrada ao longo dos discos anteriores ganha novas asas e o disco mal tem um skip – é um excelente disco pop.

Dancing With The Devil… The Art of Starting Over (2021)

Dado o tema de Dancing With The Devil… The Art of Starting Over estar intimamente ligado à recuperação da artista da overdose quase mortal que sofreu em 2018, é impossível não falarmos disso quando abordamos o sétimo longa-duração de Demi Lovato, lançado em abril de 2021, depois de um ano em que lançou vários singles e colaborações a marcarem o regresso à música depois do tal hiato forçado.

Além da overdose que sofreu em 2018 e o período de recuperação que sucedeu, o intervalo de quatro anos após Tell Me You Love Me permitiu à artista trocar de gerente de carreira (que passou a ser gerida por Scooter Braun, responsável pela carreira de Ariana Grande ou Justin Bieber), conferindo-lhe uma liberdade maior perante as decisões do dia a dia. Para além disso, a artista assumiu-se como pansexual em março de 2021 (daí a dois meses, também revelaria ao público identificar-se como pessoa não-binária) e a sua identidade enquanto pessoa queer é algo espelhado e explorado ao longo de todo o trabalho.

Artisticamente, é bem possível que este seja o seu disco mais arrojado de Demi, pela forma como parece rejeitar muitas das trends da pop – pelo menos em grande parte do álbum – para criar o seu próprio universo. Contudo, não podemos olhar para o longa-duração como o seu “melhor”, quando estica a duração. Com quase uma hora, é o disco mais longo da artista e isso sente-se. No entanto, não deixa de ser um sucessor bem digno de Tell Me You Love Me, que acabou por funcionar como um fechar de capítulo para Demi Lovato.

Holy Fvck (2022)

Em janeiro deste ano, Demi Lovato publicou, no Instagram, uma fotografia ao lado de várias pessoas ligadas à sua editora e equipa de gestão, em que se lia: “Um funeral para a minha música pop”. A imagem acabou por servir de mote à “nova” era de Demi e, ao longo dos meses seguintes, a artista partilhou nas redes sociais vários pequenos trechos de novas canções a possuírem uma sonoridade mais rock.

Os dois primeiros avanços de Holy Fvck, lançado esta sexta-feira (19), confirmam que Demi Lovato está, de certa forma, a regressar às suas raízes. Não tanto ao pop rock de Don’t Forget ou Here We Go Again, mas sim às raízes enquanto fã de música mais “pesada”. ‘SKIN OF MY TEETH’ e ‘SUBSTANCE’ são duas canções que puxam Demi Lovato próxima do revivalismo de pop punk atual, com toques extra de influências como Dead Sara ou Royal & Serpent (a artista também assinalou os Turnstile como referência para este disco).

Tendo passado grande parte da vida nos holofotes da fama, o percurso que Demi Lovato acabou por cavar enquanto artista revela-se deveras interessante, especialmente no espectro da pop. Revelou-se sempre capaz de ser uma artista capaz de o navegar, enquanto as trends entravam e saíam de moda, conseguindo ficar sempre, de alguma forma ou outra, relevante nesse universo. Ainda assim, tal como outras “amigas” da Disney, como Miley Cyrus ou Selena Gomez, é muitas vezes ignorada na conversa sobre quem marcou a diferença na pop dos últimos tempos e, de certa forma, continua a marcar a diferença na pop dos dias de hoje.