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Crítica. ‘Alba’ é um murro no estômago necessário

Alba estreou na televisão espanhola no ano passado, mas só viu a luz do dia no resto do mundo na sexta-feira (15), ao abrigo da Netflix. Neste momento, a série encontra-se no segundo lugar do top10 das tendências de séries da plataforma de streaming. Será que faz jus à posição que ocupa? O Espalha-Factos já viu os 13 episódios e partilha os motivos pelos quais não vais (ou vais) querer perder esta série. Deixamos um aviso prévio: é preciso muito estofo.

“Alba acorda na praia com sinais de violação e sem memória da noite anterior. Mais tarde, descobre que os violadores são amigos do seu namorado”. É esta a sinopse avançada pela Netflix, que nos levou a ver esta série, porque, sejamos sinceros, é impossível ficar indiferente a esta premissa.

É ao som das ondas do mar que somos transportados para uma praia, onde encontramos uma rapariga estendida na areia, com hematomas a sobressair por todo o corpo. Um inquietante opening shot que não deixa margem para dúvidas sobre o que está em curso. Os minutos posteriores, que nos fazem recuar 24 horas no tempo, revelam-se extremamente importantes para compreendermos todo o sucedido e tirarmos as nossas próprias conclusões.

Em plenas férias de verão, Alba Llorens (Elena Rivera) vê a sua vida dar uma reviravolta, após ser vítima de violação. É obrigada a contar múltiplas vezes a experiência a agentes da autoridade, mas, incapaz de se lembrar do que aconteceu, pouca atenção é dada à história. A narrativa facilmente traz à memória a minissérie Inacreditável (2019).

Gradualmente, a protagonista acaba por ir resgatando fragmentos da noite anterior, imprescindíveis para chegar aos verdadeiros culpados. São eles Jacobo (Álvaro Rico) e Ruben (Pol Hermoso) EntrerríosHugo Roig (Jason Fernández), nada mais, nada menos, que os amigos do seu namorado, Bruno Costa (Eric Masip). Para além disso, são também membros de famílias com muito poder e influência. Já todos podemos adivinhar o que esperar daqui, certo? Uma luta incansável em busca de justiça.

Alba Netflix
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Esta série é sobre Alba Llorens e mais ninguém – o título faz jus ao enredo. É sobre a sua história. É sobre a sua jornada. É sobre o seu futuro. Aliás, não faria sentido ser de outra forma e, só por isso, Alba já ganha uns pontos extra. Quando dizemos que é preciso ter muito estofo para ver esta série, não estamos a exagerar, porque é realmente um conteúdo pesado e, por vezes, desconfortável. Em contrapartida, é também um conteúdo realista e necessário.

Para ajudar na fórmula, temos uma performance super orgânica, comovente e genuína, desempenhada por Elena Rivera, que rouba toda e qualquer cena em que surge. A atriz dá vida a uma personagem forte, que luta para defender aquilo em que acredita e dá voz a muitas vítimas de violação, de forma absolutamente esplêndida. É isto que queremos (e precisamos) de ver mais no ecrã e afins, porque Alba é um autêntico espelho da realidade.

Também o elenco mais jovem masculino se destaca. Eric Masip capta perfeitamente o constante desespero sentido por Bruno, ao ponto de transmitir uma certa claustrofobia. Álvaro Rico, que tão bem conhecemos de Elite, e Pol Hermoso captam impecavelmente a arrogância e o cinismo que tanto caracterizam as personagens que representam. Por fim, mas não menos importante, Jason Fernández, uma das maiores surpresas da série, capta sublimemente o sofrimento de um rapaz em busca de redenção.

A trama conta ainda com a presença regular de Caterina Mengs (Bego), Jorge Silvestre (Tirso), Franky Martín (Toño), Bea Segura (Clara), Miquel Fernández (César), Ana Wegener (Marta), Antonio Gil (Eloy), Adriana Ozores (Mercedes) e Candela Cruz (Miriam). Para além disso, Alba apresenta um argumento incrivelmente bem conseguido, recheado de plot twists.

Em contrapartida, estamos perante uma temática sensível e, consequentemente, difícil de assimilar. Por isso, considera-se que os episódios não deviam ser tão longos, pois pode tornar-se desgastante, em alguns casos. É claramente visível a extrema preocupação em contextualizar tudo ao pormenor, mas existem cenas e até mesmo personagens que se revelam supérfluas, cortando o ritmo de alguns episódios. Para além disso, a produção também não se destaca redondamente a nível da qualidade de edição e cinematografia.

Alba Netflix
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Criada por Carlos Martín e Ignasi Rubio, Alba nasce em formato adaptação da série turca Fatmagül’ün Suçu Ne?. Não é uma série perfeita, mas a premissa, incrivelmente bem construída, é tão ousada, urgente e indispensável, que Alba torna-se um must-watch. Explora drasticamente as marcas eternas resultantes de uma experiência traumática como esta e retrata a cultura de culpabilização da vítima, criando uma espécie de crítica à relação entre a sociedade e as vítimas de violação, explorando preconceitos e conotações estereotipadas. Sobretudo, prova que o dinheiro não consegue comprar tudo, particularmente a humanidade.

Podemos afirmar que não há qualquer dose de adoçante, nesta que é uma história que deixa qualquer um à beira de um precipício. Digamos que não é fácil encontrar uma série com este nível de intensidade.

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