Mariana Froes dá-se a conhecer, no mundo artístico, como Mimi Froes, alcunha que já traz desde ‘Petiza’, altura em que não queria “temer o amanhã”. Autora de dois EP’s, Vamos Conversar (2020), que contou com a produção de Luísa Sobral em duas canções, e A Cantar (2021), produzido pela mesma em conjunto com Rodrigo Correia, Guilherme Melo e Manuel Oliveira. Depois de subir ao palco do Teatro Tivoli, em Lisboa, Mimi Froes correu vários palcos no Norte do País e prepara-se agora para pisar o palco do EDP Cool Jazz já no dia 10 de julho, abrindo o palco em Cascais para Paul Anka.
Com um começo na vida artística no programa televisivo Factor X em 2014, quando tinha apenas 16 anos, Mimi Froes é hoje licenciada em Jazz e Música Moderna pela Universidade Lusíada, depois de ter frequentado dois anos da licenciatura em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
O Espalha-Factos esteve à conversa com Mimi Froes, para conhecer melhor o seu percurso no mundo da música e para saber o que podemos esperar da voz de ‘Não Faz Mal Não Estar Bem’ no futuro.
Sei que estudaste Direito antes de apostares na tua formação em jazz. Qual foi a razão desta mudança?
Eu acho que é difícil para uma pessoa que não ouve música em casa, que não tenha nenhum familiar músico, ou que não conhece nenhum músico, conseguir imaginar uma vida na música. Só vim a verificar a existência da possibilidade de vir a estudar música, e do tanto que isso me poderia dar, muito mais tarde. Os meus pais até me meteram em aulas de voz, mas era aquilo que eles sabiam que se calhar me ia dar jeito, não faziam ideia que eu ia precisar de ler à primeira vista, de treinar solfejo, de aprender outras componentes como a improvisação ou a capacidade auditiva. São coisas que só quem está no meio é que consegue perceber o essencial que isso é.
Acho que, no fundo, cresceu uma certeza de, apesar de na área da advocacia se receber, teoricamente (e acho que também na prática), muito bem, saber que aqui tenho vários sítios [para] onde posso ir. As pessoas questionam-me várias vezes: “então, e se a Mimi Froes – cantora -não resultar?” E eu agora posso dizer, depois de três anos de formação, que se a Mimi Froes não resultar eu vou ter à minha disposição a possibilidade de fazer arranjos (escrever arranjos de cordas, por exemplo) – não que já o faça, mas já tenho alguma capacidade que posso treinar -, posso enveredar por ser sideman de outra pessoa… Quando entramos no mundo da música, apercebemo-nos das suas várias componentes, e ganhamos uma noção de que [o mundo da música] é muito maior do que achávamos e que se pode, de facto, fazer muita coisa. Só dentro dos tipos de música (não géneros), posso vir a fazer músicas para cinema, música para videojogos, há tanta coisa…
De facto, as pessoas associam muito o ramo da música a cantores, guitarristas ou bateristas, mas não há uma associação ao que acontece no background.
Exato. As pessoas esquecem-se, por exemplo, que um disco do António Zambujo tem imensas particularidades melódicas, rítmicas e harmónicas. Quem trata dessas particularidades é um produtor, essa profissão existe. Um guitarrista, um músico, um cantor, qualquer coisa, pode estar e ser para além do seu próprio instrumento, pode ser criador da música de outros milhares de autores.
Sei também que fizeste um workshop de escrita de música com a Luísa Sobral. Achas que isso te ajudou no teu processo de mudança de direito para a música?
Sem dúvida! A Luísa [Sobral] é, até hoje, uma mentora, uma pessoa a quem eu ligo quando estou em pânico. Ela é das pessoas mais incríveis que nós temos no mundo da música, pela pessoa que é musicalmente e pelo quão tranquila ela é enquanto pessoa e colega, e isso também é um ponto fundamental.
Claro que este workshop ajudou, a verdade é que foi a primeira vez que alguém olhou para mim e disse que acreditava no meu trabalho. Bem, não foi a primeira vez, porque já tinha acontecido com o João Só, na altura em que eu saí do Fator X, e ele pegou em mim e disse “olha, eu acredito em ti, ‘bora fazer qualquer coisa”. Isto foi ótimo, [o João Só] foi a primeira pessoa a acreditar em mim.
Mas a Luísa ajudou numa componente mais específica, porque ela viu as minhas primeiras criações e disse “eu acredito na tua música, e vou levar-te onde quiseres, vamos gravar”, e ofereceu-me a produção do meu primeiro disco. Quer dizer, só de duas canções, porque senti que ela ofereceu demais e eu só usei a sua produção para duas.
Nesse sentido, acho que a Luísa foi um exemplo. Primeiro, ela foi produtora, ofereceu-me a produção. Apesar de eu não lhe ter pago, porque ela ofereceu, fê-lo com amor, carinho e entrega, e ela pode receber por [este trabalho]. Ou seja, de repente estou perante uma pessoa que é mulher, cantora, toca bem guitarra, escreve temas maravilhosos, e ainda é produtora. Isto são tudo cinco valências que um músico pode assegurar em três anos de licenciatura (precisa de mais, é preciso estudar em casa). Podemos ter estas cinco (e muitas mais) e a Luísa, nesse sentido, não só é uma inspiração como, na altura, me inspirou muito por acreditar tanto em mim.
Num mundo paralelo em que Mimi Froes estaria hoje licenciada em Direito, achas que terias lançado os teus dois EP’s, Vamos Conversar e A Cantar? Achas que conseguirias manter este foco?
Eu não tenho a certeza, por um motivo. Quando saí de Direito tive um ano de pausa, e nesse ano de pausa conheci a Luísa, e foi ela quem me fez perceber que eu podia fazer acontecer, e eu não sabia que podia fazer acontecer. Nós achamos que está tudo fora do nosso alcance, que temos de ir bater à porta de uma grande editora, de uma grande agência, e foi aí que eu percebi que isso não era verdade, porque o meu trabalho já estava gravado e eu tinha forma de fazer acontecer.
Na altura, fui pesquisar como se metia música no Spotify e, de facto, descobri como é que isto funcionava, e a partir daí percebi que não é assim tão difícil ter acesso a pôr música cá fora. E acho que foi graças à Luísa que eu consegui perceber isso.
Digo que sim, que lançaria música. Talvez só no Youtube, e nem gravava profissionalmente, porque não teria contatos de estúdios… Eu não conhecia estúdios em Lisboa. Hoje, o que sei, não se compara ao que eu sabia na altura. Num mundo paralelo, em que eu tivesse acabado Direito, eu nunca iria exercer Direito, porque sempre fui virada, no máximo, para a pedagogia. Quer dizer, nunca posso dizer nunca…
Nunca se sabe o dia de amanhã…
Sim, sei lá, amanhã tenho um problema relacionado com direitos de autor e preciso de me licenciar para me defender… Mas, voltando à questão, sim, talvez os meus temas estivessem cá fora. Se calhar – aliás, de certeza -, não da mesma forma, porque seria mais difícil chegar à Luísa enquanto produtora sem ter tido este golpe de sorte.
Falando nos teus dois EP’s, nota-se que tem ali uma evolução, apesar de terem um ano de diferença. Sentes o mesmo?
Sim.
O que é que achas que mudou da produção de um EP para o outro?
Muita coisa mudou. É importante lembrar que os temas em si foram compostos e gravados até 2019, e lançados em 2020. Desde aí, eu gravei o A Cantar com temas que fiz em 2020 para lançar em 2021, e alguns foram feitos em 2021, inclusive. Nesse sentido, acabou por ser um bocadinho mais óbvio um crescimento. A cada ano, crescemos a nível de capacidades.
Exato, e também tivemos a questão da pandemia.
Exatamente. Agora, a grande questão é que no segundo disco que eu gravei, eu já tinha um ano e meio de música e de vontade de aprender música. Ou seja, as minhas capacidades auditivas já estavam maiores, já estava a ser influenciada por aquilo que estava a fazer na faculdade, e tudo isto foram componentes que foram influenciando e mudando a minha forma de ver a música.
Nas primeiras produções estava claramente à procura. Gostei imenso do que fizeram a Luísa [Sobral] e o Manuel Oliveira, os dois produtores, mas o melhor do segundo disco foi pôr as mãos na massa. O disco foi produzido por toda a gente que estava envolvida: pelo meu baterista [Guilherme Melo], o meu pianista [Manuel Oliveira], o meu contrabaixista [Rodrigo Correia] e por mim.
Nota-se que há uma grande ligação entre vocês através das tuas partilhas nas redes sociais.
Sim, há, claro!
E também se notou muito a influência da tua formação em jazz no ‘E a Cantar’.
Nota-se, sim. Nota-se, porque eu gosto muito da música improvisada e não perdi gosto por ela. E eles [os músicos que me acompanham] são fantásticos. A coisa boa da música improvisada, de abrir espaços para solos, é poder dizer “Eu já disse tudo o que tinha a dizer, agora são vocês”.
Fazes muito improviso nos teus concertos, pegas em temas de outros autores, como por exemplo, a ‘Oeste’ de Valter Lobo e um tema da Lena d’Água. Vocês normalmente ensaiam esses temas antes dos concertos?
Normalmente, montamos o tema no soundcheck. E acho que isso é a beleza de trabalhar com músicos tão bons. Eu levo o tema, peço-lhes para ouvirem a versão original, e nós depois montamos a nossa versão no soundcheck.
Isto porque nós já estamos fartos de tocar o disco para as pessoas, porque sabemos que é sempre novidade para elas mas no soundcheck já toda a gente ouviu aquilo, já toda a gente sabe aquilo. Então o que é que vamos fazer no soundcheck? Vamos tocar o quê? Outra coisa qualquer, tipo Guns N’Roses? Começamos a tocar coisas super aleatórias e pensamos “’Bora fazer desta alguma coisa”. Ou seja, aproveitamos aquilo que fazemos no soundcheck, de estarmos a dizer coisas do género “toca aí na bateria”, “experimenta aí este groove” e, enquanto o baterista toca, vamos experimentando coisas novas.
Estamos já a montar uma ideia de ajuste de produção (nós produzimos as nossas próprias canções), a pensar em “como é que a Mimi Froes faria isto?” Mimi Froes não sou só eu, somos nós os quatro.
E esse improviso é algo que as pessoas podem esperar nos próximos concertos, como no do EDP Cool Jazz?
Devem esperar! É uma coisa que eu faço muita questão, deixar os músicos terem o seu momento.
Apesar das diferenças que existem entre os teus dois EP’s, há um ponto em comum entre todas as tuas canções. Todas são bastante intimistas e levam quem as ouve a sítios bons, memórias boas. Mas também más, como por exemplo com a ‘Não Faz Mal Não Estar Bem’, que nos leva a um momento de introspeção muito forte. Foi a tua intenção?
Eu não tenho nenhuma intenção certa quanto àquilo que quero que as pessoas sintam, mas [funciona] muito [como] o meu diário. Se calhar o meu diário gráfico, porque não é sempre sobre mim, tem muita coisa autobiográfica, mas por exemplo, a ‘Sonhar’ é sobre uma bailarina refugiada que não pode ser bailarina porque é refugiada e tem de apostar em qualquer coisa que seja economicamente mais rentável; no E a Cantar, a ‘Mão Agreste’ é sobre o caso do Rui Pedro, que foi raptado. Ou seja, as minhas canções são sobre tudo aquilo que eu apreendo. Depois chego a casa e culmina tudo numa só canção.
Faço-o através das letras e através da música, também. O meu objetivo é sempre tentar que as pessoas fiquem estimuladas pela harmonia, que não seja sempre repetitivo e tenha sempre novidade, de forma que as pessoas possam viajar e a letra viaje com a harmonia. Assim sendo, o que tento sempre fazer é que nasça tudo ao mesmo tempo. Já musiquei alguns temas, como da Sophia de Mello Breyner, o ‘Outono’ é um poema do Francisco Guimarães…
Também já aconteceu eu só ter uma harmonia e escrever por cima, até foi o Manuel que me enviou um trecho harmónico maravilhoso que culminou nas ‘Declarações de Meia Noite’. Já me aconteceu de tudo, mas o mais típico é eu estar à guitarra a escrever e, quando não me sai uma frase, escrevo outra completamente ao lado que não funciona – mas que sei que irei lá voltar para mudar – porque eu tenho de andar, tenho de seguir, tenho de ir construindo.
Depois há frases que vão nascer unas àquilo que estou a fazer, há frases que vão sair completamente ao lado – eu falo sobre ketchup quando estou a falar da amargura de viver, não faz sentido nenhum! Mas eu sei que tenho de despachar aquela frase para eu conseguir chegar onde quero, e depois volto atrás e vou reescrevendo. Eu nunca fecho os temas até entrar em estúdio, estou até à última a dizer “esta frase não funciona” e até já mudei, em concerto, frases gravadas.
Essa capacidade de olhares para o teu trabalho e perceber quando está bom também é muito importante num músico. Como é que te sentiste quando te disseram que queriam a ‘Não Faz Mal Não Estar Bem‘ fizesse parte de uma novela – neste caso, A Serra.
Vou ser mesmo sincera. A primeira coisa que me ocorreu foi “finalmente vou ganhar dinheiro com as minhas canções”. Temos de nos lembrar da fase em que estávamos na altura: não havia nenhum concerto por causa da pandemia, o meu disco estava cá fora e eu não tinha concertos.
A segunda reação foi, claro, perceber que a novela seria uma plataforma para mostrar a minha música a muita gente. Houve muita gente que me mandou mensagem a dizer que ouviu a minha música pela primeira vez na novela e que depois foi ouvir outra vez. Isto é uma prova de esforço, faz-me sentir um pouco mais gratificada. Foi o meu primeiro single e estava numa novela, claro que fiquei super feliz e a pensar que, a partir dali, só podia fazer coisas cada vez melhores que cheguem ao coração das pessoas.
E músicas novas? Há algum projeto que tenhas em mente?
Tenho bastantes coisas escritas e algumas por fechar. Tenho muitos projetos a acontecer [e] não só na Mimi Froes, porque se há coisa que valorizo na música é que não sou só eu. Por exemplo, há um projeto que estou a desenvolver com um pianista, há outro que quero desenvolver com a Carolina Milhanas e a Carolina Leite, há várias coisas em várias valências que vão acontecendo, mas já estou a apontar para o próximo projeto [da Mimi Froes]. Já tenho algumas canções que digo que estão de certeza dentro do próximo disco, sem saber sobre o que é que ele vai ser. Mas sei que cinco ou seis canções estarão lá dentro de certeza absoluta.
E, em princípio, será disco, não vai ser EP, o que é desafiante, porque é difícil manter o interesse das pessoas durante oito a doze canções – então doze deve ser inacreditável. Vai ser um desafio, mas estou cheia de vontade, quero fazer algumas parcerias que ainda não consegui fazer e até tenho algumas feitas, escrever com algumas pessoas. Depois vamos ver o que é que, de tudo, vou extrair para o novo disco. Eu quero chegar ao ponto em que digo “não, esta música eu tenho mesmo de ter no disco”, porque se eu chegar a esse ponto eu sei que escolhi as melhores músicas que podia ter feito nesta altura.
Se a Mimi Froes de hoje pudesse dizer alguma coisa à Mimi Froes de 2014 que subiu ao palco do Factor X Portugal para cantar uma versão bastante intimista da ‘Edge of Glory’ da Lady Gaga nas audições ao vivo – o que revela que, naquela altura, já tinhas o teu “estilo” -, o que seria?
Diria “não sofras tanto”, porque o Factor X teve coisas bastante duras e eu era muito miúda; “leva as coisas com calma” e “não vás para Direito”, porque sinto que se não tivesse entrado em Direito, isto era tudo mais fácil. Acho que era isto que eu diria.