A SIC e a TVI estão a atravessar um período de intensa competição entre si, mas partilham um problema comum: o seu peso conjunto no consumo televisivo tem-se reduzido de forma significativa e os dois canais poderão estar prestes a atravessar um verão particularmente negativo.
Num período em que a oferta de conteúdos de entretenimento é cada vez mais diversificada e as plataformas de streaming constituem uma alternativa apetecível aos espectadores, Paço de Arcos e Queluz de Baixo enfrentam uma crise existencial e de identidade. Esta não é uma tendência única em Portugal. Nos Estados Unidos, os principais canais de sinal aberto – ABC, CBS ou NBC – sofrem quedas abruptas de audiência de ano para ano. A fragmentação do público é uma tendência inequívoca.
Em junho, as duas privadas atingiram mínimos de audiência: a TVI com o pior valor desde 2020 e a SIC com o valor mais baixo desde 2018. No seu conjunto, representaram não mais do que 31,2% do consumo televisivo total.
Mas vejamos a comparação com os quatro anos anteriores, que abarcam não só o recente período de liderança da SIC, mas também o anterior ciclo de liderança da TVI: 36,0% em 2018, 34,3% em 2019, 35,1% em 2020 e 37,7% em 2021. Estes valores alertam para um possível acelerar do ritmo de declínio de Paço de Arcos e de Queluz de Baixo, depois de um período de relativa estabilidade nos últimos anos. É um aviso que deve ser encarado com preocupação por parte das direções de programas dos dois canais.
Com a entrada de Daniel Oliveira na Direção de Programas da SIC, com a transferência de Cristina Ferreira para a SIC, com a entrada de Nuno Santos na TVI e com o regresso de Cristina à TVI, os dois canais viveram um período dinâmico de competição e diferenciação, que ajudou a preservar o espaço de ambos no bolo geral do consumo televisivo.
Contudo, este primeiro semestre de 2022 tem sido a demonstração contrária desse ímpeto. A SIC atravessa uma falta de novos formatos fortes de entretenimento, com o recurso aos já esgotados Casados à Primeira Vista, Ídolos, Hell’s Kitchen ou A Máscara. Por outro lado, a ficção portuguesa, que foi nos anos anteriores um elemento fundamental de diferenciação de Paço de Arcos, atravessa uma crise muito significativa: tanto Lua de Mel como Por Ti falharam em trazer algo de novo, num público que se vai saturando de novelas demasiado longas e demasiado esticadas.

Na TVI, depois de várias apostas falhadas para Cristina Ferreira, a diretora e apresentadora tomou as rédeas do Big Brother. Mas, se é verdade que teve muito sucesso no casting de famosos como Bruno de Carvalho, o canal mantém uma excessiva dependência deste formato, que ocupa muitos horários na grelha. Sem pensamento estratégico de uma grelha a 12 meses, a estação optou por compensar a sua ausência no verão com repetições de telenovelas. De resto, o regresso de Uma Canção Para Ti é igualmente sintomático de uma aversão ao risco.
Ao mesmo tempo que os dois canais arriscam pouco e inovam pouco, optam demasiadas vezes por se imitarem ou duplicarem a mesma oferta nos mesmos dias e horários. Para um Somos Portugal surgiu um Domingão, para um Júlia surgiu um Goucha, para um Alta Definição é apresentado um Conta-me.
Será que podemos dizer hoje que a SIC e a TVI têm uma identidade forte e única? Sabemos que Paço de Arcos tem uma marca de informação mais prestigiada, ou que tem uma parceria de décadas com a Globo. Sabemos que Queluz de Baixo tem uma grelha virtualmente 100% portuguesa, ou que tem uma grande dedicação ao formato do reality-show. Mas, no essencial da estrutura da grelha, do tipo de apostas, ou da forma de apresentação, os dois canais são demasiadas vezes parecidos – se não mesmo idênticos.
A SIC e a TVI vivem uma crise existencial e de identidade. Precisam de inovar e precisam de se diferenciar, sob pena de continuarem uma corrida para o chão, com um peso cada vez menor e a disputar uma fração do público cada vez mais reduzida.