Rebelde é a mais recente investida da Netflix nas séries adolescentes e arrancou a fazer sensação no top da plataforma. Na era das spin-offs, reboots e remakes, a produção consegue a dupla façanha de ser um reboot de um remake.
A história, produzida no México, emula para a segunda década do século XXI o universo de um dos maiores sucessos da ficção juvenil latinoamericana dos últimos anos, a telenovela Rebelde. A produção mexicana, por sua vez, já era também um remake da argentina Rebelde Way, que foi adaptada em Portugal e cuja cena inicial foi também inspiração para o início de uma outra novela muito conhecida: Morangos com Açúcar.
Contextos históricos à parte, convém já clarificar: transformada em série de oito episódios, esta Rebelde não consegue abandonar a lógica maniqueísta da telenovela mexicana clássica. Parece que estamos a jogar a um bingo dos clichés.
Vamos por pontos. A protagonista rica e famosa tem amor à primeira vista pelo protagonista pobre, e consequentemente terão de enfrentar a oposição de um menino rico e mimado. Há também espaço para um semivilão que, no fundo, age com maldade apenas porque é traumatizado. E, claro, o menino pobre tem um segredo que o faz querer ajustar contas com o passado. Acrescento ainda A Loja, sociedade secreta formada por alunos ricos para conseguir expulsar os alunos bolseiros da escola. E, para já, deixo-vos só estas, porque não quero spoilar muito. Mas vão surgir mais plot twists dignos de novela.
Agora imaginem ter de cumprir toda esta checklist de lugares comuns, com personagens bidimensionais, mas em vez de estarem distribuídos por 200 episódios, se concentrarem em oito. Parece que os argumentistas estavam a fazer um jogo para encaixar os factos na narrativa, ainda que sem plausibilidade ou originalidade nenhumas.
Rebelde com tempero de diversidade
Todos os traços da narrativa original, lançada em 2004, estão lá. Por isso temos as diferenças sociais entre os alunos, as conspirações e tramóias para evitar a alteração do status quo, ou as interpretações musicais em playbacks mais ou menos bem feitos. A grande diferença acaba por ser o facto de a produção se ter tornado mais contemporânea, com um discurso mais progressista sobre sexualidade, de onde se destacam três personagens LGBTQ+, embora pouco aprofundados.
A Elite Way School, onde se formaram os famosos internacionalmente RBD, é agora conhecida por EWS.
A entrarem este ano estão Jana Cohen-Gandia (Azul Guaita Bracamontes), influencer e neta dos fundadores da escola que quer ser levada a sério pelo seu talento; Estebán Torres (Sergio Mayor Mori), bolseiro a tentar encaixar-se no meio dos miúdos ricos; Luka Colucci (Franco Masini), sobrinho de Mia Colucci, e filho mimado e rebelde de um homem de negócios que tenta comprá-lo com presentes (tão original, não é?); Dixon (Jerónimo Cantillo), um rapper da Colômbia que quer fazer jus à sua imagem de durão; MJ (Andrea Chaparro), aluna vinda da Califórnia com uma educação muito religiosa, e Andi (Lizeth Selene), miúda reguila que aparenta estar em conflito com o namorado da mãe.
Ao mesmo tempo que vamos avançando na narrativa e que procuramos conhecer melhor as motivações de cada uma das personagens, vai crescendo a noção de que estamos a ver a série só pelos números musicais, porque todas as histórias são superficiais ou abordadas de forma descuidada.
É exatamente na música que a série consegue um diferencial face a outras séries do género, como Elite, que surgirá sempre no plano das comparações, ou até da também mexicana Control Z. Na banda sonora, interpretada pelos atores, consegue recriar e tornar contemporâneos os sucessos dos RBD, que venderam milhões de discos na América Latina, e também alcança o fito de, com alguns temas novos, guiar-nos ao universo criativo de cada uma das personagens e aspirantes a artistas, que ganham aqui um novo brilho.
É percetível, ao longo dos oito episódios, uma sensação de estarmos a ver uma telenovela condensada e com maior orçamento por capítulo. No alívio cómico, dado por Lourdes (Karla Gascón), a contínua e guardiã da escola, isso é também notório, com a sua personagem, apesar de muito bem interpretada, a não ter qualquer papel na história além desse mesmo, como acontece com os núcleos cómicos das telenovelas.
Os fãs das várias versões desta história, em particular da mexicana e da brasileira, que foram grandes sucessos, vão certamente gostar do apelo nostálgico de voltar a onde já foram felizes, mas com o streaming a ter uma oferta tão diversa e interessante de séries adolescentes, de onde nos últimos anos pontificaram sucessos globais como 13 Reasons Why, Euphoria, Elite, Young Royals, Outer Banks, The Politician e Stranger Things, Rebelde não se apresenta como mais que um filler para passar o tempo entre outras séries que nos entusiasmem realmente.