Não Olhem para Cima é a soma de todas as nossas piores impressões sobre a política e a sociedade norte-americanas. E, depois do que temos visto nos últimos anos, o que mais nos confronta, ao mesmo tempo que nos rimos do que acontece no ecrã, é saber que todo aquele exagero ridículo podia mesmo ser a realidade.
O filme conta a história de Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence), uma estudante de doutoramento que tem a sorte, ou o azar, de descobrir um cometa. Ele tem seis a nove quilómetros de diâmetro e é o verdadeiro protagonista do enredo, porque se dirige para a Terra e ameaça extinguir toda a existência em seis meses.

A partir desse momento, assistimos a um relato surrealista do que seria a reação das autoridades norte-americanas, numa visita guiada aos organismos públicos e ao sistema político altamente corrupto, onde a bússola que guia as decisões é a das sondagens. Navegamos surfando de escândalo em escândalo, num palco onde quem mais deu dinheiro para apoiar a campanha tem sempre prioridade e pode ver a presidência a partir do Golden Circle. A hipérbole da falência do capitalismo tardio e em esteróides.
O elenco de Não Olhem para Cima, contado ao estilo a que Adam McKay nos habituou em Vice ou A Queda de Wall Street, tem tantos ou mais elementos astronómicos do que o próprio enredo. Jennifer Lawrence e Leonardo DiCaprio ocupam os principais papéis, mas o elenco tem ainda Meryl Streep, Jonah Hill ou Timothée Chalamet, e são as estrelas o principal atrativo para que o espectador vá ao cinema ou veja na Netflix. Em Portugal o filme estará em lançamento, nas salas, a partir de quinta-feira (8), e chega depois ao streaming a 24 de dezembro.

E as interpretações são, efetivamente, um ponto forte da história. Leonardo DiCaprio é mesmo convincente com o nervoso e tímido cientista Dr. Mindy, que surpreendentemente (ou não) se torna um galã famoso à escala planeatária, Meryl Streep encarna com perfeição o papel de uma presidente republicana mais preocupada em evangelizar papalvos e em salvar a própria pele, numa versão feminina e mais perigosa de Donald Trump, Jennifer Lawrence é a personagem cápsula do espírito do filme, com a idealista, às vezes sarcástica e a viver num ataque de nervos Kate Dibiasky.

Temos ainda Jonah Hill credível no papel do infantil e vazio Jason Orlean, o filho e chefe de gabinete desta Comandante Suprema que também adora o nepotismo. Nota muito relevante e sublinhada também para Cate Blanchett, que surge quase irreconhecível na plastificada pivô matinal Brie Evantee. Que podia muito bem ser a prima norte-americana da CEO da revista Blaze em Pôr do Sol.
É uma comédia de que nos rimos sem vergonha, mas que nos está constantemente a assombrar com a inquietação de sabermos que aquele falso gabinete a resolver um problema ficcional, podia ser um gabinete real a decidir a nossa vida. Até porque aquelas personagens são tão semelhantes a tantas outras que conhecemos, com destaque para o implacável Peter Irshwell, um cruzamento de Elon Musk com Steve Jobs e Mark Zuckerberg, e estão sempre a relembrar-nos que, no fim do dia, it’s money that makes the world go round.

A edição e o argumento são ágeis e afiados e servem bem personagens também elas excêntricas e vivazes. A banda sonora, por vezes protagonista da ação, é uma espécie de ilustração e guia para que entendamos melhor cada momento da narrativa, que vai buscar alguns dos engenhos já usados anteriormente na filmografia do realizador, que nos coloca a assistir a uma espécie de docureality. É de realidade que se trata, quando vemos uma sociedade enfeitiçada por fake news e teorias da conspiração de todo o tipo, capaz de aclamar os maiores charlatões desde que eles digam algo que parece soar bem.

Este cometa, que alguns persistem em negar mesmo quando ele já é visível no céu, é a metáfora perfeita para as alterações climáticas, que vários Estados insistem em negar, para benefício de alguns, mesmo quando já é evidente a existência de vítimas, muitas delas mortais, de uma crise climática existente.
Não Olhem para Cima não é uma narrativa sobre um desastre iminente. É uma narrativa sobre o apocalipse a que chegamos quando a verdade passa a ser subjetiva ou quando o sistema em que vivemos está alicerçado em cima de pressupostos tão duvidosos como uma meritocracia balofa ou a livre iniciativa para tirar a maior vantagem possível de explorar os outros.
P.S. O tema Just Look Up, interpretado por Ariana Grande e Kid Cudi, oferece-nos um dos momentos mais hilariantes e over the top do filme. E é música pop com méritos próprios, que tem, obrigatoriamente, de concorrer a Melhor Canção Original. Estão a ouvir, membros da Academia?