O ano de 2021 está a terminar. Para a música portuguesa, foi um ano recheado de belos lançamentos e, no À Escuta, a rubrica semanal do Espalha-Factos sobre música portuguesa, sentimos a necessidade de apresentar uma lista com os nossos favoritos. Começamos hoje com a apresentação da lista de melhores discos nacionais – uma coleção de 30 discos que, de alguma forma ou outra, marcaram o nosso ano.
Admitimos: o maior desafio foi reduzir a lista final para 30. Ainda antes de 2021 terminar, o À Escuta irá, à semelhança do ano passado, apresentar a lista dos 20 artistas que surgiram durante este ano que consideramos que vão impactar o mundo da música portuguesa no futuro.
A lake by the mõõn – Life in Warp
Todos os sons que se ouvem em Life in Warp, o mais recente trabalho do produtor Duarte Eduardo sob o nome de A lake by the mõõn, são de espécies que estão ou estiveram em risco de extinção. Há razão para isso: o objetivo de Life in Warp passa por ser um manifesto para que olhemos à nossa volta, para o impacto das alterações climáticas, e que incitamos mudança para neutralizar o seu impacto.
Relembrando um pouco Plastic Aniversary dos Matmos, mas apresentando-se mais tribal, alerto e ambiental para com o seu habitat, Life in Warp revela-se não só como um projeto cujo conceito e ambições político-sociais são urgentes, mas também como uma das audições mais cativantes e peculiares de 2021 na música portuguesa. – José Duarte
Animalesco, o Método – Animalesco, o Método
Já existem há uma década, mas foi em 2021 que os Animalesco, o Método entregaram a sua estreia homónima. Apresentando uma fusão entre crust e powerviolence com algumas pitadas de death e thrash metal que invocam uns Venom, entre outros epítetos que podemos colocar se analisarmos mais à lupa este trabalho, Animalesco, o Método é um trabalho que espanta pela sua simplicidade eficaz.
A banda coloca-se perante o Método, fazendo-o de forma auto consciente, e entrega um disco cujas composições se revelam extremamente eficazes, recheadas de performances astutas – em particular, dos vocalistas Moska e Pedra – e brutos. De bruto, de facto, tem muito este método animalesco do grupo, que se revela sem qualquer remorso de nos atingir com a sua agressividade ao longo dos cuts mas pujantes cerca de 30 minutos deste trabalho. – José Duarte
Bruno Pernadas – Private Reasons
Bruno Pernadas deliciou-nos este ano com o lançamento do seu álbum mais recente. Private Reasons é o fecho da trilogia de discos iniciada com How Can We Be Joyful in a World Full of Knowledge? e é um exercício fantástico musical que aglomera várias influências, géneros e sonoridades de uma forma bastante densa e colorida. É um trabalho gigante, megalómano, que conta com 74 minutos da música mais ambiciosa que Bruno Pernadas lançou até ao momento.
Nesta viagem que é Private Reasons, Bruno Pernadas revela toda as suas inspirações, indo beber desde de um jazz fusion japonês até ritmos africanos – sem se apropriar destes – incutindo-os numa espécie de art pop progressiva e psicadélica que, apesar de arrojadíssimo e denso, revela-se acolhedor – muito em parte pela sua produção calorosa. É difícil ficarmos fartos do universo de Bruno Pernadas e Private Reasons é o culminar da carreira artística do artista até ao momento. – José Duarte
Cálculo – Royale
É com Royale que Cálculo, alias do rapper barcelense Hugo Martins, se apresenta com sucessor de Tourquesa de 2018. Digo que este é o meu disco favorito de Cálculo até ao momento, e acaba também por ser o meu disco favorito de hip hop português do ano. Há muito encanto e charme em Royale que, na realidade, é um disco narrado em formato de uma rádio digna da realeza dos sons e convidados de Cálculo.
Os beats que podemos ouvir em Royale são imensamente suaves, influenciados por géneros como o funk ou o boom bap, criando um habitat perfeito para o surgimento dos hooks, punchlines e barras do artista e seus amigos. E quando isso acontece, este trabalho torna-se num manto perfeito de momentos de pura criatividade orelhuda, povoados de detalhes que fecham em chave de ouro a chamada “trilogia dos azuis” do artista. – Miguel Rocha
Chinaskee – Bochechas
Um disco que abre com a pujança punk libertadora de ‘Popular’ tem tudo para se tornar um clássico. E arriscamos dizer que Bochechas, o mais recente trabalho de Chinaskee, o alter-ego musical de Miguel Gomes, é exatamente isso: um cult classic in the making. Bochechas é um trabalho profundamente eficaz naquilo que se candidata a ser desde o início até ao fim: punk rock bem orelhudo e ruidoso, onde se nota a influência de artistas como Vaiapraia ,Pega Monstro ou My Bloody Valentine.
Mesmo nos seus momentos mais espaçosos e emocionais, onde a sonoridade do disco é empurrada até aos territórios de shoegaze, não deixamos de ser arrebatados por uma sensação de libertação que se perpetua por todo o trabalho. Com a ajuda de Filipe Sambado na produção, da sua banda e de vários outros convidados, Chinaskee criou uma obra crua e vulnerável, sempre pronta a nos fazer vibrar em cada um dos seus momentos. – Miguel Rocha
Conferência Inferno – Ata Saturna
Das mais profundas catacumbas anárquicas da noite da Cidade Invicta, ergueu-se o longa-duração de estreia dos Conferência Inferno, trio constituído por Francisco Lima, Raúl Mendiratta e José Miguel Silva. Há muito boas razões para que Ata Saturna tenha sido um dos discos que mais ouvi ao longo de 2021, mas tudo pode ser sumarizado por uma palavra: é viciante. E é viciante porque o disco é construído para ser todo ele memorável.
Quando o terminamos, rapidamente queremos entrar outra vez neste carrossel de sintetizadores escuros, grooves intermitentes prontas para nos colocar a dançar e a entrega extremamente carismática de Francisco Lima, que faz lembrar um Rui Reininho ou um Bernard Sumner. Juntando influências do synthpop e da darkwave com post-punk, Ata Saturna é música em estado constante de ansiedade, recheada de hooks para ouvir uma e outra vez sem nos cansarmos. E sentimos que isto é apenas um vislumbre do potencial enorme que a banda ainda tem para alcançar, estando à vista de todos desde do EP Bazar Esotérico de 2019. – Miguel Rocha
Conjunto Corona – G de Gandim
O regresso do tão mítico Conjunto Corona surgiu este ano através de G de Gandim. O sétimo álbum deste coletivo é dedicado a dissecar toda a temática da noite do Porto ao estilo do grupo, baseando-se sonoramente na cultura do reggaeton e dancehall. E se a mudança drástica na sonoridade do grupo, esta não deve ser razão – nem sequer deve ser ponderado – para afastar os fãs devotos de dB, Logos e Homem do Robe.
Contando com mais uma exímia produção de dB, G de Gandim vai além do suporte do sampling que caracterizou os antigos trabalhos do grupo, focando-se nos ritmos e hooks que premeiam todo este trabalho. Sem perder nenhum do seu sentido de humor, o Conjunto Corona faz o seu risco tomado valer a pena, demonstrando a sua capacidade de satisfazer velhos fãs enquanto dão um passo gigante de inovação para a sua discografia. – José Duarte
Criatura – Bem Bonda
O segundo disco de Criatura – o sucessor de Aurora de 2016 – é um monumento. Não escolho a palavra de forma leve e, mesmo assim, se calhar não atinge a dimensão suficiente para descrever a qualidade de Bem Bonda. Com algumas mudanças nos elementos que constituem a banda entre Aurora e este trabalho lançado em fevereiro deste ano, a Criatura foi à procura de atualizar a herança folclórica do cancioneiro das Beiras para os dias de hoje.
A banda foi à raiz do que torna esta herança tão única e própria e, através de alguns dos mais belos arranjos e poesia da música portuguesa, constroem todo um universo que, além de equilibrado, revela-se todo-o-poderoso na sua totalidade. – Miguel Rocha
David & Miguel – Palavras Cruzadas
Palavras Cruzadas é o álbum de estreia da dupla que junta os responsáveis pelo hit ‘Interveniente Acidental’ – David Bruno e Mike El Nite, que se apresentam como a dupla David & Miguel cujo nome – tanto do álbum como da banda – serve de homenagem à dupla de sertanejo Lucas & Matheus e que “está para a música como o queijo e a marmelada estão para a culinária: uma delícia pouco ortodoxa”.
Neste trabalho, David Bruno volta a usar o synthwave e synthpop à anos 80, fundindo o seu próprio kitsch já reconhecido com o kitsch e personalidade de Mike El Nite, numa espécie de Metamoru romântico que faria Goku corar de vergonha. São oito 8 faixas românticas categoricamente apaixonadas, onde a química entre os dois artistas surge acompanhada das guitarras mui-românticas de Marco Duarte. Muito provavelmente, são estas Palavras Cruzadas o projeto mais sensual e gentil de 2021 no mundo da música portuguesa. – José Duarte
Dianna Excel – XL
A estreia de Dianna Excel com XL é um dos momentos mais fascinantes do ano na música portuguesa. Sonicamente, o disco foge muito para o campo do deconstructed club e hyperpop, bebendo de artistas como Odete, Dorian Electra ou SOPHIE, mas sendo construído (ou melhor, desconstruído) a partir da experiência da artista enquanto mulher trans.
As faixas de XL são explosivas, carregadas de emoção, apresentando uma introspeção através de batidas desconstruídas e da manipulação dos vocais da artista, usados como uma textura adicional para as faixas. Tudo isto feito em formato da invocação de uma libertação em forma de pop arrojado e vertiginoso. Merece toda a nossa atenção. – Miguel Rocha
Dino d’Santiago – BADIU
Em BADIU, encontramos um Dino d’Santiago sem medo de se mostrar vulnerável, trazendo consigo a missão de sublinhar a palavra união e nos entregar instrumentais quentes com as suas origens e influências tatuadas nas paredes sonoras da sua música. Ao longo dos últimos anos, Dino tem sido um dos maiores – se não o maior – porta-voz para a diversificação e globalização da lusofonia, quebrando várias barreiras, sejam estas sonoras, culturais ou sociais.
Neste seu mais recente projeto, Dino traz virtudes dos últimos dois álbuns, sejam a introspeção, dedicação e paixão de Mundo Nôbu, seja a alucinante e absolutamente contagiante sonoridade de Kriola. A produção é, sem surpresa, abismalmente bem conseguida, super arrojada, altamente versátil e dinâmica, recheada de uma mistura e crossovers entre géneros e artistas, e também entre o futuro e o passado de Dino e da sua cultura – tudo sem nos deixar um momento para respirar nestes 31 minutos de música. Sem surpresa, Dino d’Santiago mostra mais uma vez o porquê de ser uma das melhores pessoas a fazer música em Portugal. – José Duarte
Dispirited Spirits – Fragments of a Dying Star
O som estelar dos Dispirited Spirits, projeto do músico farense Rodrigo Dias, combinado com a escrita inteligente, culta e emocional, fazem de Fragments of a Dying Star uma viagem onírica (ou demasiado realista) fascinante. Aqui, somos depressivamente confrontados com a nossa insignificância, ao mesmo tempo que nos emocionamos através das guitarras delicadas, sintetizadores atemporais e refrões super cativantes com performances sentidas e contagiantes.
O álbum de estreia de Dispirited Spirits afirma-se como sendo o futuro do indie rock nacional, e honestamente, o melhor porta-voz para o space rock português. As suas influências de Car Seat Headrest, Radiohead e The Flaming Lips são bastante explícitas, mas não pensem que este álbum é derivativo ou pouco original, porque a junção de influências e gêneros é eximiamente bem conseguida, passando por neopsicadélico, indietronica e muitos momentos que parecem ter sido estritamente retirados de uma banda sonora de um sci-fi, num autêntico clímax visual. Uma viagem intrínseca, profunda, onde se torna normal e consistente o surgimento de questões existenciais neste autêntico vazio de procura pessoal. – José Duarte
Dream People – Almost Young
O segundo trabalho de estúdio dos Dream People, quinteto lisboeta constituído por Francisco Taveira, Bernardo Sampaio, Nuno Ribeiro, João Garcia e Diogo Teixeira de Abreu, apresenta-se como um disco mais maduro e corajoso que o seu predecessor, Soft Violence. Se neste se notava uma banda ainda a começar a traçar o seu caminho, em Almost Young, observamos um grupo capaz de caminhar por locais que já requerem um maior jogo de cintura em termos de composição e arranjos.
O seu dream pop expande-se, tanto em termos de influências – há aqui muitos toques do new wave de uns The Psychadelic Furs – como em termos de produção. Os dotes mais arrojados de Almost Young eleva as suas cinco canções a um sentimento de comunhão transcendental para uma juventude perdida e sonhadora, sem nunca se perder qualquer sensibilidade pelo caminho. E, sim, o clímax da faixa título continua a ser um dos mais belos momentos do ano para a música portuguesa, não se duvide disso. – Miguel Rocha
Gisela João – AuRora
Não há melhor voz no fado em Portugal do que Gisela João de momento. A sua voz é capaz de encantar milhões, soando como se carregasse a dor de milhares de vozes espalhadas um pouco por todo o mundo. O terceiro longa-duração da artista natural de Barcelos, AuRora, é o expoente máximo da artista até ao momento, tanto em termos de sentimento, como de arranjos e composição.
Este facto torna-se deveras impressionante quando nos lembramos que este é o primeiro disco de Gisela João que é composto por canções originais. Talvez, seja por isso que soe ao disco mais intimista e poderoso da artista, onde se sente a ambição de ir além do que a artista apresentou até ao momento. O objetivo é cumprido e é cumprido sem a artista abdicar da identidade artística que associamos ao nome incontornável de Gisela João. – Miguel Rocha
Guire – Entressonho
O curta-duração de estreia de Guire é um dos mais belos trabalhos de produção do ano. O que Guilherme Figueiredo cumpriu em Entressonho vai muito além do que confirmar o artista como um dos mais promissores produtores portugueses da atualidade. É uma exploração de sons e texturas que não ouvimos em mais nenhum lado, cruzando uma espécie de eletrónica territorial com os desfados de uma nova pop a emergir.
Belíssimo e aventuroso, Entressonho usufrui ao máximo de todas as suas features, e aí, releva também todo o cuidado que Guire tem enquanto criador. É música para nos deixar totalmente submergidos, transcendente para nos fazer acreditar em algo melhor. – Miguel Rocha
João Couto – Boa Sorte
Em Boa Sorte, João Couto traz-nos o conjunto de temas mais orelhudos que a pop portuguesa poderia pedir. As faixas são catitas, sempre cativantes, desde os instrumentais joviais e ternurentos às performances bondosas e delicadas de Couto. Se isso já não fosse o suficiente para nos agarrar, as letras escritas pelo cantautor português neste seu segundo disco são relacionáveis e humanas, ao ponto de que as queremos abraçar de forma constante.
Indo do irrequieto ao arrebitado, do minimalista ao sereno, Boa Sorte é de facto uma experiência que não tem nada de unidimensional ou de enfadonha. Há sempre algo a agarrar-nos e a lançar-nos o convite de regressar para comer esta ‘Massa do Meio-Dia‘, de voltar-nos a ver ‘Os Meus Amigos’ e ficarmos a conversar até às ‘4 da Manhã‘. 12 canções muito bem conseguidas nesta pop de culto convidativa e amigável. – José Duarte
Julinho KSD – Sabi na Sabura
Definir o disco de estreia de Julinho KSD como um álbum parece-me um pouco um desserviço para aquilo que realmente é. A definição “coleção de bangers” parece-me mais apropriada. Sabi na Sabura tem na sua tracklist todos os singles que colocaram Julinho KSD no mapa, mas também uma coleção de deep cuts que mostram que Julinho é muito mais que um artista de êxitos.
É um artista que coloca o seu cunho pessoal na sua música, e que aceita a responsabilidade em todo o seu esplendor de, a par de artistas como Dino d’Santiago ou Tristany, quebrar as barreiras que existem dentro da lusofonia. Se o objetivo de Julinho passa por ser ele mesmo e criar a sua música para fazer os outros felizes, a vibe de Sabi na Sabura é exatamente essa. E, no final, ficamos com o sabor na língua de que esta coleção de 20 faixas orelhudas é um disco urgente para o mundo da música portuguesa. – Miguel Rocha
Luca Argel – Samba de Guerrilha
Não sei se haverá um disco tão importante lançado em 2021 (no contexto da música portuguesa) quanto Samba de Guerrilha, o mais recente trabalho do cantautor carioca Luca Argel. Já há muitos anos radicado em Portugal, Luca apresentou um disco que é muito mais do que apenas um trabalho musical – é um manifesto histórico e político da história de resiliência associada ao samba.
O quarto trabalho de Luca Argel resvala não só nas conturbações do Brasil passado (e, por consequência, da atual), como na própria história colonialista e racista de Portugal. E fá-lo através de uma narrativa apresentada através de canções brilhantemente construídas, canções essas que são adaptações de sambas dadas a conhecer “de uma outra forma, com outros instrumentos, com outro tipo de arranjos”. Deslizando entre a MPB, a pop e a eletrónica, Samba de Guerrilha é uma narrativa poderosa (ajudada a ser criada por vários convidados), mas tão necessária para relembrar que só aprendendo a história real, se aprende realmente as ilações necessárias para o futuro. – Miguel Rocha
Madmess – Rebirth
Arrojado, eletrizante, psicadélico e potente, são adjetivos que podemos atribuir a Rebirth, novo álbum dos Madmess, trio portuense radicado em Londres e constituído por Ricardo Sampaio, Luís Moura e Vasco Vasconcelos. Este trabalho acerta-nos sem qualquer tipo de remorso, impossibilitando-nos de respirar durante os seus 44 minutos de duração., onde se cavalgam influências que vão desde do rock e metal progressivo até ao stoner rock de uns Kyuss.
Interpolando aquela energia de rock clássico que nos faz viajar ao que se fazia há umas décadas a esta parte, a música de Rebirth é brutal, pujante em produção, onde se sente a textura e detalhe dos seus riffs rebeldes, linhas de baixo sujas e muito carisma e personalidade que acabam por fazer deste trabalho um dos melhores álbuns do ano a nível nacional. – José Duarte
Maze & AZAR AZAR – Sub-Urbe Vol.1
A simbiose do produtor e multi-instrumentalista AZAR AZAR e do incontornável rapper Maze (Dealema) pode foi dada a conhecer em Sub-Urbe Vol. 1. Este trabalho traz-nos um jazz rap bastante requintado e cimentado numa temática citadina, enquanto viaja pelo habitual boom bap que serve de cama para os incidentes versos que demonstram mais uma vez, sem surpresa, o porquê do MC natural do Porto ser uma das vozes mais indispensáveis e importantes do hip-hop português.
A experiência deste primeiro volume – assumimos nós – de Sub-Urbe é bastante agradável, seja pela energia tranquila e serena, seja pelos refrões orelhudos e pela consistência do trabalho. Além disso, ainda conseguimos sentir a química notável entre os dois artistas em cada esquina neste projeto, mais um fator que contribuir para que o culminar deste trabalho seja um melhores álbuns de hip-hop a nível nacional. – José Duarte
Miguel Torga – Matutino
Miguel Torga, um dos vários heterónimos de Hugo Vinagre, demorou sete anos para trazer o sucessor do excelente Hexágono Amoroso ao mundo. Em outubro passado, Matutino foi libertado para o nosso deleite que rapidamente justificou tal demorado tempo de espera para um novo trabalho. Em Matutino, Miguel Torga deixou para trás a arte do sampling e dedicou-se 100% à arte da produção original.
O resultado é um disco que soa orgânico e que apresenta uma atmosfera muito própria. Soa a saída à noite, com as suas batidas incessáveis e dançáveis, mas também soa a final de noite, embalando-nos nas suas texturas cuidadosamente criadas. Como o próprio artista descreve, é uma “epopeia hedonista, que começa em casa, vai a clubes, visita amigos, jardins, e regressa novamente a casa.” Não se pode (nem se deve) pedir outro tipo de música para dançar. – Miguel Rocha
OCENPSIEA – Oceano-Mar
Ao terceiro disco, os OCENPSIEA – acrónimo para Oh Chefe Eu Não Pedi Sumol Isto É Água (e não, não estamos a gozar) – revelaram-se. O quarteto de Braga constituído por João Nuno Teixeira Vilaça, Gonçalo Cravinho Lopes, Francisco Carneiro e Tomás Alvarenga faz parte de um grupo de artistas que fazem parte de um universo nu-jazz português. Oceano-Mar é um disco que os coloca lado dos YAKUZA ou Mazarin como um dos principais nomes desse movimento.
A música dos OCENPSIEA invoca a sonoridade de uns BADBADNOTGOOD, com os toques ecléticos de géneros como post-punk, hip-hop ou eletrónica a imiscuir-se no jazz altamente groovy e psicadélico do grupo. A secção rítmica do grupo é fundamental para o sucesso de Oceano-Mar, que aproveita o seu leque de convidados para rechear o disco de humor e de outros pequenos elementos que tornam esta viagem num mar de ritmos numa espécie de uma carta de amor aos artistas e locais que inspiram o grupo. E é uma viagem que vale muito a pena embarcar. – Miguel Rocha
Odete – The Consequences of a Blood Language
Como é que podemos definir exatamente a música de Odete? Talvez, numa pergunta mais pertinente, como é que podemos definir todo o mundo artístico de Odete? É complicado e fascinante e talvez só a artista multifacetada nos possa esclarecer devidamente a esta pergunta. No seu mais recente lançamento para o mundo da música, The Consequences of a Blood Language, Odete traz-nos a sua afirmação musical mais arrojada até ao momento.
Este lançamento é uma espécie de experiência paleontológica pela história de questões do corpo e identidade de género, surgindo através de uma crítica apresentada ao silêncio historicamente dado à experiência queer. Esta é apresentada através uma eletrónica gótica-medieval, criada através de algumas das melhores manipulações texturais que podemos ouvir, influenciadas pelo hyperpop e field recordings. Emotivo, pesado, autobiográfico, carregado de uma emoção libertadora, The Consequences of a Blood Language é uma viagem refletiva, altamente sensorial extremamente necessária para os dias de hoje. – Miguel Rocha
Pedro de Tróia – Tinha de Ser Assim
Se Depois Logo Se Vê foi uma espécie de prefácio da carreira a solo de Pedro de Tróia, Tinha de Ser Assim é o primeiro capítulo deste livro. Este é um disco em que o artista expande a sonoridade do seu predecessor, caminhando mais próximo do dream pop inicial de uns Cocteau Twins, mas sem nunca esquecer o mundo do synthpop e new wave que sempre influenciou a direção da sua nave.
À semelhança de Depois Logo Se Vê, Tinha de Ser Assim mantém um tom confessional, mas se o primeiro disco como capitão da sua nave solitária era um disco muito sobre ele mesmo, Tinha de Ser Assim aponta mais para a visão do artista de quem lhe é próximo e quem admira. É pop orelhuda e brilhantemente executada, nostálgica e sonhadora, que atinge o pico em ‘Carrossel’, com participação de Rui Reininho – a minha cantiga portuguesa favorita do ano. – Miguel Rocha
Pedro Mafama – Por Este Rio Abaixo
Pedro Mafama é, claramente, um adepto de tragédias. E nós somos adeptos da tragédia épica e apocalíptica que o artista português apresentou no seu disco de estreia Por Este Rio Abaixo. Munido de auto-tune, Mafama criou um disco único no ecossistema da música portuguesa. Bebendo do trap e das experimentações sónicas de Conan Osiris, o artista navega ritmos latinos e arábicos nesta obra, incutindo-os em alguma da mais bela produção do ano.
Com a ajuda de artistas como Branko, Profjam, Tristany ou Ana Moura, Pedro Mafama apresenta uma coleção de faixas arrebatadoras e emocionais. Os beats são pujantes, recheados de texturas que alimentam a história contada em Por Este Rio Abaixo, e há hooks para dar e vender nesta obra. Cante-se a obra de Pedro Mafama a altos pulmões, pois uma tragédia deste género merece ser assim cantada. Quem já viu Mafama ao vivo, sabe exatamente ao que me refiro. Repita-se: arrebatador. – Miguel Rocha
Rui Neves e Filipe Simões – Simillar
É em Simillar onde o free jazz dá a mão à ambiência do dark ambient ao longo de uns impressionantemente imersivos 22 minutos, entregues por Rui Neves em parceria com o percussionista Filipe Simões. Aqui, somos deliciados por percussões detalhadas e delicadas, que se irrequietam ao longo de uma ambiência inóspita onde aqui e ali pianos surgem para nos guiar no meio da escuridão deste trabalho.
Esses pianos não são os únicos elementos que brilham no meio da escuridão imensa de Simillar. Sons ligeiramente menos obscuros – talvez fruto de field recordings – vão surgindo, às veze s acompanhados de guitarras suavemente cintilantes que brilham como estrelas acima de um vasto oceano. Simillar é um projeto com muita atenção às suas texturas, com uma energia bastante cinemática e até mesmo terapêutica, neste que é um dos trabalhos mais impressionantes ao nível de jazz e ambiente deste ano em Portugal. – José Duarte
Salvador Sobral – bpm
2021 foi ano de Salvador Sobral regressar aos trabalhos de longa-duração com bpm, sucessor de Paris, Lisboa de 2019. Não se apresentando tão introspetivo como o seu predecessor, bpm procura ser mais tocante e belo, assentando acima de tudo em pianos que nos guiam sobre este campo esbelto de jazz, em instrumentais que desabrocham em autênticas catarses de variadas emoções e performances vocais exemplares – uma marca do artista.
Ao longo dos 47 minutos de música que povoam bpm, Sobral eleva-se além de ser apenas um intérprete, apresentando essencialmente composições originais, em parceria com Leo Aldrey, que aproximam o seu jazz de uma pop intimista que talvez nunca tenha estado assim tão distante. Um trabalho que dignifica e comprova o porquê do artista ser uma das vozes mais importantes do jazz nacional contemporâneo. – José Duarte
Sensible Soccers – Manoel
Ao quarto disco de originais, os Sensible Soccers efetuaram uma espécie de resumo de carreira. Não porque precisassem de o fazer já, mas porque acaba por ser o percurso natural para a banda depois da direção levada a cabo no seu disco anterior, Aurora. Em Manoel, trabalho que resulta do trabalho de criação de duas novas bandas sonoras para dois filmes de Manoel de Oliveira, a banda junta o mundo de post-rock eletrónico de 8 e Villa Soledade com as texturas orgânicas do seu predecessor.
É um disco que soa nostálgico e distante, mas ao mesmo tempo, especialmente caloroso, dotado de uma construção e produção em que se nota o cuidado para criar a ambiência outonal do trabalho. Com algum tempo para refletir sobre este meu companheiro de viagens matinais rumo ao trabalho, posso dizer que este é o trabalho mais completo que os Sensible Soccers tiveram para oferecer até ao momento. – Miguel Rocha
Stray – Rafeiro
Rafeiro marca o regresso de Stray, alter-ego de Pedro Tavares, um dos pioneiros do rap alternativo em Portugal e membro-fundador da Monster Jinx, aos trabalhos depois de um intervalo de oito anos. Rafeiro corresponde, essencialmente, a um conjunto de contos que retrata a vida de um rafeiro maltrapilho, homem-cão, que se vê sofrendo com um processo de humanização.
Encarnando uma espécie de Tom Waits das Beiras, Stray cria um universo com uma energia mórbida sempre presente, não particularmente sóbria, sem medo e remorso de retratar de uma forma visceral a realidade deste pobre canídeo. Os instrumentais, todos eles sombrios e tenebrosos, dotados de uma imersão constante, ficaram a cabo de Raez, servem de base à temática do disco, pronta a ser dissecada e embelezada pela escrita de Stray, que se revela capaz de criar refrões absolutamente cativantes, que servem de convite para voltarmos a ‘Pagar em Ouro’ quando terminamos a ‘Aguardente’ na companhia deste Rafeiro. – José Duarte
The Rite of Trio – Free Development of Delirium
Experimental e eclético, o novo álbum de The Rite of Trio, trio (como o nome indica) constituído por André B. Silva, Filipe Louro e por Pedro Melo Alves, concentra uma panóplia de sons, géneros e influências que trazem muitos adjetivos e caracterizações, mas desinteressante, certamente não é nenhuma delas. De Matana Roberts a Black Country, New Road, são vários as sonoridades que nos lembra Free Development of Delirium, mas sem nunca soar algo derivativo ou menos original.
Soando como uma experiência totalmente visceral e avant-garde, nunca apressado, as faixas de Free Development of Delirium levam o seu tempo a desabrochar e a progredir, numa espécie de jazz-punk que não tem qualquer remorso por ser criativo e desbocado. O resultado? Um disco que, tal como o nome indica, é um estado constante de delírio. – José Duarte
Artigo escrito por José Duarte e Miguel Rocha