Depois da presença no Fórum do Berlinale e de ter sido distinguido como Melhor Longa-Metragem Portuguesa na última edição do IndieLisboa, o filme No Táxi do Jack, passou esta quarta-feira (24) pelas salas de cinema do Porto, no âmbito do festival Porto/Post/Doc, que decorre até 30 de novembro. A trama parte da experiência de emigração de Joaquim Veríssimo Calçada.
Susana Nobre teve contacto com as histórias de muitos desempregados entre 2007 e 2011, enquanto profissional de reconhecimento e validação no programa de Novas Oportunidades. Este contacto deu origem a projetos como Vida Activa (2013), presente no DocLisboa, e Provas, Exorcismos (2016), que esteve a concurso em Cannes. A experiência da realizadora tem percorrido assim palcos importantes do cinema internacional e distingue-se agora com uma obra bem pensada e bem articulada, entre a realidade e a ficção, que transformou Joaquim Veríssimo numa forte personagem, o Jack.
Jack é a personificação de uma geração de portugueses que emigrou para os Estados Unidos da América nas décadas de 60 e 70. A determinada altura da narrativa, faz uma interpretação certeira sobre essa mesma geração: “em Portugal, naquela época, um homem ia para a cova com os sapatos com que casou”. A insistência e dedicação para aprender inglês, a aceitação do trabalho durante muitas horas e muitos dias seguidos para vingar num país estranho, a assimilação, sempre distante, das pessoas que conduzia e para quem trabalhava, são o espelho de tantos outros trabalhadores portugueses em terras norte-americanas.
As palavras que saem da boca da personagem, que parece por sua vez sair de um dos famosos concursos americanos de semelhanças com Elvis Presley, são sempre certeiras e percorrem todos os parâmetros e sectores da vida de cada um. Para além disso, são também um espelho crítico da sociedade, a nossa e a dos principais países que à data nos acolhiam, ou nos quais fazíamos de tudo para ser enquadrados.
A presença de Jack é fortíssima e muito bem conseguida. Não há nada que diga que não faça sentido e a maneira como o filme é desenvolvido faz com que haja algo de muito angustiante durante toda a ação, a juntar à calma que vemos em todas as filmagens.
A extrema educação em qualquer interação com outras pessoas, principalmente quando procura os famosos carimbos para o centro de emprego, o carinho para com o amigo e o diálogo que tem com a mulher, fazem desta personagem alguém de quem é absolutamente impossível não se gostar. Além disto, desmistifica brilhantemente a grandeza e ilusão de que Nova Iorque é uma cidade especial, principalmente quando faz a comparação entre esta e Vila Franca de Xira. Não há cidades maiores que outras e não há pessoas mais importantes que outras, é esta outra das lições especiais que Jack tem para nos ensinar.
“A América é a esquina de todos os povos do Planeta. Havia colegas meus que não entravam em certos bairros, mas eu, desde que me pagassem, conduzia toda a gente”, diz também algures a meio da longa-metragem. É o trabalho que move a vida destas pessoas, que não têm medo dele e querem com ele amealhar dinheiro suficiente para voltar para a terra que verdadeiramente amam e na qual querem terminar a vida.
Jack só quer aprender, trabalhar e ser fiel aos seus, a quem pode ter falhado muitas vezes pelas horas seguidas que passava a conduzir o táxi e a limusina. A relação com um trabalho que agora termina e que foi durante muito tempo o seu motor de existência estão magnificamente conseguidas.
Outro ponto muito bem conseguido é a mistura da ficção e da realidade e a recriação das memórias. Sem certeza de que será esse o objetivo principal do filme, a verdade é que nos faz pensar a forma como realmente vivemos a nossa vida e o que podemos querer dela. É sobre a vontade de ter mais e ser melhor, sem prejudicar ninguém e sem sair daquele que é o nosso espaço. Não há pressas, apesar de representar um fim de ciclo – a chegada à idade da reforma – e fica quase a sensação de que somos engolidos pela simplicidade do dia a dia e do quotidiano.
No Táxi do Jack foi transmitido no pequeno auditório do Rivoli, esta quarta-feira (24). O trabalho faz parte da competição nacional – Cinema Falado – da oitava edição do Porto/Post/Doc, que vai anunciar este sábado (27) os vencedores.