Casa Gucci, a estrear esta quinta (25) nos cinemas portugueses, é um filme que nos relembra como nem tudo o que pomos no mundo vai seguir o curso exato e expectável que tínhamos planeado.
O esforço de Ridley Scott para erguer cinematograficamente o drama, por vezes tragicómico, do clã Gucci, é bem-sucedido, ainda que por vezes possamos sentir que estamos a ver uma história que se arranjou e envaideceu demais para aquilo que é. Um monumento que é imponente, mas vazio.
Lady Gaga, no papel de Patrizia Reggiani, é a dona de toda a ação e, de alguma forma, um espelho do próprio filme. Fútil, vã e com motivações superficiais, porém doentia e determinadamente eficaz. A interpretação é eficiente, mas roça a caricatura, com o sotaque italiano muito carregado a ofuscar muitos detalhes interessantes na construção do papel e na evolução da personagem, que se transforma ao longo de mais de 150 minutos de ação. A atriz ajusta-se e remodela-se, na caraterização, na postura e no diálogo, a cada nova fase da vida desta camaleoa perseverante que nos prende ao ecrã.

© 2021 Metro-Goldwyn-Mayer Pictures Inc. Todos os direitos reservados
A narrativa centra-se nesta mulher, filha de um camionista e gestor de um negócio de transportes, cuja vida muda radicalmente quando, em 1972, casa com Maurizio Gucci, o neto de Guccio Gucci, criador da conceituada marca italiana. Causa fundamental de um desentendimento entre Maurizio e o pai Rodolfo, que suspeitava que Patrizia só se tinha aproximado do filho por dinheiro, a esposa de Maurizio acaba por se tornar instigadora de outras tantas disputas familiares, tornando-se numa mulher determinada a conquistar, para si, por via do marido, o absoluto controlo da empresa. Sem olhar a limites para executar a visão que tem para a Gucci.
Ao fim de 15 anos, o casal e dupla de sucesso chega ao fim. Maurizio já não precisa da escada de Patrizia para continuar a subir. Revoltada por o marido ter continuado a sua conquista do mundo da moda sem ela, que entendia ter feito a parte difícil desse caminho, e por ter retomado a vida com outra mulher, Patrizia toma decisões drásticas. Que mudam o rumo da história para sempre.
Ao longo do enredo podemos assistir a uma maré crescente de frustração. Maurizio a sair dos trilhos desejados pelo pai Rodolfo, Paolo, o “idiota” que é o aparente único falhanço de Aldo, Maurizio a desencaixar dos planos de vida e ascensão de Patrizia. A Gucci a desmoronar como ideia e como negócio familiar. A criatura vai querer sempre deixar para trás o criador, principalmente se foi o criador quem lhe deu o poder. Afinal, como Paolo Gucci (Jared Leto) sublinha no filme, todos queremos a nossa liberdade, deixar de viver sob as amarras de qualquer superior.
Adam Driver, como Maurizio, encarna com magnetismo uma personagem complexa, que cresce em autoestima e em ímpeto destrutivo à medida que vai edificando, com Patrizia, todas as suas piores caraterísticas. É ladeado pela atuação segura de Al Pacino (Aldo Gucci), que empresta carisma, charme e textura a uma personagem que é também fundamental para entender este negócio familiar.

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‘Casa Gucci’ não sabe bem o que quer
Na realização, alguma inconsistência no tom, como no sotaque, que varia de personagem para personagem. Casa Gucci parece não entender muito bem qual é a sua voz. Desloca-se entre o drama que se leva muito a sério, em planos demorados e cinzentos, ou situações demonstradas de forma demasiado rápida e abrupta, até ao caricato e abertamente ridículo, personificado em Paolo Gucci, em que Jared Leto surge irreconhecível, mas também fora de tom, exagerado doentiamente ao nível de uma personagem de revista.

Os temas da banda sonora, que é um greatest hits dos anos 80 e início dos anos 90, mas também uma seleção dos temas de ópera e música clássica mais óbvios, são introduzidos em modo ‘mete cassetes’, a encher espaços entre cenas, tipo compilação de êxitos da telenovela.
O tempo que duram estas duas horas e meia será subjetivo para cada um dos espectadores. No meu caso, em particular, nunca senti vontade de olhar para o relógio, até porque o filme tem suficientes estímulos e novos acontecimentos a cada passo. Tantos, e às vezes tão desperdiçados, que ficamos a pensar se isto não teria resultado melhor numa série, explorando a fundo os detalhes desta história com personagens e enredo dignos de folhetim das nove da noite.