Baseado na história de Maria Estefânia Anachoreta, a mulher que percorreu quase 20 mil quilómetros pelo mato e floresta de Angola para entregar mensagens de mães e mulheres dos jovens combatentes, O Som Que Desce na Terra chega esta quinta-feira, 11 de novembro, às salas de cinema de todo o país.
Sérgio Graciano, o realizador, entregou a Gabriela Barros o papel de Maria da Luz, uma portuguesa de que todos já devíamos ter ouvido falar. Gabriela Barros domina o filme sem qualquer esforço. A entrega da atriz a uma personagem tão densa, e baseada numa história real, é admirável, sobretudo se pensarmos que Gabriela Barros percorreu importantes papéis na comédia nos últimos tempos, como o de protagonista na novela-sátira Pôr do Sol, e nos palcos, no musical Chicago. A entrega à personagem é feita até fisicamente, com gestos que nos transmitem todas as emoções que precisamos, sejam elas a angústia, o medo, a alegria – existente em momentos muito específicos e fugazes – ou o desconforto.

Próximos estão sempre Madalena (Margarida Marinho) e Diego (José Raposo), os pais da protagonista, que acabam por ser o seu grande apoio. Apesar de rejeitarem a ideia inicialmente, pelos perigos que poderia correr em África e também pelas represálias da PIDE, acabam por ser os alicerces e a força que a jovem precisa para esta jornada.
Maria da Luz é uma personagem que não se resigna, não aceita que o seu destino seja esperar e rezar. A trabalhar na Rádio Nacional, mostra ser uma mulher à frente do seu tempo desde o início, corajosa e protetora dos dois filhos, um deles adotivo.

Terminado o filme, fica a ideia de que precisávamos de saber mais. A primeira parte, em que Maria da Luz está dedicada na sua missão de ir para Angola, é demasiado longa comparada com os eventos que se sucedem em África, que acabam por ser um pouco apressados. Principalmente o final, que acontece com três cenas marcantes que parecem precipitar-se para não excedermos um qualquer tempo limite de filme.
Apesar de menos bem conseguido em termos de distribuição da narrativa, esse facto não é suficiente para tornar menos bela toda a história, captada em planos de realização quase perfeitos e com uma fotografia primorosa de Miguel Manso.
A escrita, um trabalho conjunto das argumentistas Filipa Poppe e Joana Andrade, é também ela bastante primorosa e, ao contrário do que acontece com os eventos principais do filme, nunca se precipita e nunca diz mais nem menos do que é necessário dizer, sendo um dos pontos altos do filme.
A emoção está presente do início ao fim e, com ela, está também a ação. Não se contentando em ser uma história dramática, este é também um filme com energia, que se move em cenas com mais ação, e despertam o espectador em vários momentos. A angústia dos jovens que militaram numa guerra que “não era deles” está também muito bem retratada e reflete um grande trabalho de pesquisa e de compreensão do que era viver naquele tempo, com a mensagem constante de que “Angola era, à altura, um ambiente hostil para qualquer um, principalmente para uma mulher”.
Não são passadas lições de moral e não há uma competição de desgraças, o drama pertence a todos, pais, filhos, mães, esposas. Todos pedem o mesmo: o fim da guerra e um regresso a casa – que, infelizmente, não aconteceu para todos. As crianças são aqui, também, o espelho do que acontecia com os filhos dos jovens soldados, e do esforço que toda a família fazia para manter uma rotina e uma parecença de normalidade nos dias, por mais impossível que fosse, em certas alturas.
O Som Que Desce na Terra é assim o casamento perfeito entre os cenários, a fotografia, o argumento e as personagens, que nos transporta para um tempo que não podemos esquecer, e do qual estamos longe de esgotar todos os pontos-de-vista necessários para entendermos melhor o nosso passado ainda bastante recente.