Curtas Jornadas Noite Adentro, de Thiago B. Mendonça, retrata o dia a dia de seis sambistas paulistanos que sonham ser descobertos na noite. Famille FC, do português André Valentim Almeida, acompanha o dia a dia de clubes de futebol de origem portuguesa nos escalões amadores em França. Os dois trabalhos integraram diferentes secções da programação do 19.º Doclisboa.
“Enquanto houver samba a alegria continua”
Parte da competição internacional do Doclisboa, Curtas Jornadas Noite Adentro traz do Brasil o sonho do samba. Os seis sambistas alternam entre dias em serviços precários e madrugadas à procura de um caminho e futuro no mundo da música.

De forma lenta, o filme acompanha o quotidiano e fala sobre a vida de todos eles. As horas de sono são poucas, saem de um dia de trabalho para seguir uma noite à procura do sonho que, pelo menos nos 100 minutos de longa-metragem, estão muito longe de alcançar.
Curtas Jornadas Noite Adentro é sobre a pobreza, a precariedade e como a música alimenta uma espécie de sonho numa vida melhor e que não faz deles “vagabundos”, tal como pensam a família e os amigos, mas sim pessoas alegres, espontâneas e com força de vontade para chegar ao dia em que vão poder fazer aquilo que mais gostam.
Ao longo da trama são sinalizados também alguns momentos de preconceito evidente. A cantora do grupo, a única pertencente a uma classe mais alta, encontra-se sempre aparte do grupo, que lida várias vezes com concertos encurtados em melhores salas do que os botecos que frequentam e onde sempre acabam por se refugiar e só aí serem felizes.
“O futebol ajudou os migrantes a adaptarem-se a um ambiente urbano e à sociedade moderna francesa”
André Valentim Almeida inspirou-se no artigo de investigação Os futebolistas invisíveis: os portugueses em França e o futebol, de Victor Pereira, para concretização deste projeto. Segundo o artigo, “em 2009 existiam pelo menos 205 clubes de futebol portugueses em França”, o que levou o realizador e José Vieira a partir numa viagem para descobrir como “o futebol ajudou os migrantes a adaptarem-se a um ambiente urbano e à sociedade moderna francesa”.
Transparece em Famille FC a importância do desporto associativo para os emigrantes portugueses, sendo também muito importante na “ligação entre pais e filhos”. É o ele que os consegue ligar a Portugal, país no qual já não nasceram e onde vão poucas vezes, transformando essa paixão numa “transmissão de uma identidade”.
Nada é fácil para estes portugueses à procura de uma segunda oportunidade. Estamos novamente perante uma fuga depois de um dia de trabalho, sendo muitas vezes o que lhes permite ter força para continuar e ter um objetivo para cumprir.
O filme acompanha também a seleção nacional ao longo da trajetória no Campeonato Europeu de Futebol em que se sagrou campeã frente à França. A importância da vitória para aquelas pessoas transpõe-se para lá do ecrã. Essa vitória é capturada num momento muito particular do trabalho, com a utilização um plano estático de alguns segundos da primeira capa de um jornal francês, hoje emoldurada nas paredes de uma das associações, com o título “não era o nosso dia”.

Famille FC, que não foi o primeiro filme de André Valentim Almeida no Doclisboa, enquadra quase sempre em planos estáticos a vida de todos aqueles que persistem na importância dos clubes associativos para a união e força da comunidade de emigrantes, bem como no medo que têm de não terem ninguém que lhes siga o caminho. Em 2009 o realizador estreou no festival o filme From New York with Love e apresentou Dia 32 no IndieLisboa em 2017.
Nenhum dos dois projetos figura nos vencedores da 19ª edição do Doclisboa. No entanto, não deixam de ser importantes referências na programação deste ano.