Amanhã de Manhã, o primeiro de sete episódios da série Doce, estreou este sábado (2) e já são percetíveis as principais diferenças desta versão alargada do filme. Depois de ti, OK KO, É Demais, Bem Bom, Quente Quente Quente e Rainy Day são não só nomes de músicas e álbuns da primeira girlsband portuguesa, como também o título dos restantes episódios da trama que vai fazer parte das noites de sábado da RTP1 até 13 de novembro.
Com a estreia adiada diversas vezes devido à pandemia, o biopic musical realizado por Patrícia Sequeira estreou a 8 de julho de 2021 e teve a melhor estreia nacional do ano, para além de se destacar também como a longa-metragem nacional mais vista este ano, com mais de 82 mil espectadores por todo o país. A produção é agora uma das grandes apostas da RTP para a nova grelha.
Nada se altera na produção de Doce em relação ao filme, que ficou a cargo da Santa Rita Filmes, empresa da qual Patrícia Sequeira é diretora criativa. O argumento continua a ser da autoria de Filipa Martins e Cucha Carvalheiro, com consultoria histórica de Helena Matos. Também o elenco volta a ser composto por Bárbara Branco (Fátima Padinha), Lia Carvalho (Teresa Miguel), Ana Marta Ferreira (Laura Diogo), Carolina Carvalho (Lena Coelho), Nuno Nolasco (José Carlos) e Eduardo Breda (Tozé Brito).
O primeiro episódio da trama narra o momento da ideia e da posterior criação da banda que, composta apenas por mulheres, surgiu na cabeça de três homens: Tozé Brito, António Pinho e Pedro Brito. Através da editora Polygram, de grande sucesso em Portugal, estes foram também os responsáveis pela composição do primeiro grande êxito, que dá nome ao episódio.
Tal como na longa-metragem, Amanhã de Manhã faz referência à banda Gemini, voltando a começar exatamente na festa de despedida da banda, que havia terminado em 1979 e da qual já Fátima Padinha, Teresa Miguel e Lena Coelho faziam parte. É aqui que surge o primeiro conflito entre as jovens, já habituadas ao mundo da música, e a construir uma carreira sólida na área, que não concordam de imediato com a entrada de Laura Diogo, modelo e Miss Fotogenia do concurso Miss Portugal de 1979, que os homens da Polygram consideravam essencial para o equilíbrio da banda, pelo menos em termos estéticos.

A principal alteração entre Doce e Bem Bom é, acima de tudo, a duração, que passa de 111 para 315 minutos – em sete episódios de 45 minutos. Este fator permite aprofundar ainda mais a criação, sucesso e término da banda, bem como, sobretudo, da condição feminina em Portugal no início da década de 80. Do primeiro episódio, poucas são as cenas usadas na longa-metragem, algo que prova que o trabalho de aprofundamento foi bem conseguido e que deixa o espectador a pensar o que de facto terá nascido primeiro, se o filme, se a série.
No documentário Bem Bom – Realidade e Ficção, disponível na RTP Play, a realizadora sublinhou o enorme desafio que foi fazer esta biografia ficcionada “em cima de pessoas reais e que estão vivas”. Patrícia Sequeira revela-se acima de tudo surpreendida porque não se ter ouvido as Doce na rádio ou na televisão. “Quando fiz a pesquisa sobre o tema, num dos livros que é só dedicado aos anos 80 em Portugal, no capítulo da música não há sequer uma referência às Doce e, na conversa que eu tive com a Fá, ela disse-me com alguma amargura que é como se tivessem apagado as Doce do panorama musical português”, menciona.
E de repente 2021 é de novo o ano das Doce, algo que vem mostrar que nunca é tarde para recordarmos grandes artistas e para pensarmos em como evoluiu a sociedade. Numa altura em que telenovelas se dividem em temporadas, fará talvez sentido que filmes passem também a ter versões alargadas em formato de série, para que o material audiovisual produzido seja usado numa distribuição mais alargada e rentável para as produtoras e equipas técnicas.
Doce junta-se ao vasto leque versões alargadas de filmes nacionais
Não é a primeira vez que a estação pública de televisão divide longas-metragens em diferentes episódios, a ocupar mais que um dia de transmissão. Foi assim com A Herdade, de Tiago Guedes, Mosquito de João Nuno Pinto, e ainda Alguém como Eu e Pátio das Cantigas, de Leonel Vieira.
No entanto, por vezes, as produções vão mais longe e criam duas versões do mesmo produto: uma para as salas de cinema e outra para ser exibida em formato de minissérie, com filmagens inéditas. Poderíamos pensar que esta seria uma tendência da pandemia, com o acesso às salas de cinema mais condicionado, mas já em 2015 a RTP apostava em versões alargadas de filmes nacionais, com Os Maias, da autoria de João Botelho, baseado no mais famoso romance de Eça de Queiroz, que contou com quatro episódios com imagens inéditas na RTP1.

Mas o caso de maior sucesso foi mesmo Terra Nova, que acabou por ser editada e distribuída primeiro como série, tendo inclusive conquistado o Prémio Sophia de Melhor Série. Com os atrasos constantes provocados pela pandemia, a estreia nas salas de cinema está agendada para outubro.
Terra Nova foi já transmitida pela RTP em junho de 2020. Foram contadas, em 13 episódios, as histórias do dia-a-dia das famílias das comunidades piscatórias da costa portuguesa nos anos 30. A trama, com autoria de Artur Ribeiro e Nuno Duarte e realização de Joaquim Leitão, contou com um elenco de luxo, com nomes como Virgílio Castelo, Sandra Faleiro, Beatriz Barosa, João Jesus, João Reis, Pedro Lacerda, Maria João Falcão e Catarina Rebelo.
Este é um exemplo em que foi feito o caminho contrário do que foi feito por Bem Bom e Doce. Resta esperar para ver que impacto no número de espectadores nas salas de cinema a inversão poderá ter.