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Daniel Craig no filme 'Sem Tempo Para Morrer'

Crítica. ‘007: Sem Tempo Para Morrer’ é a despedida quase perfeita de Daniel Craig

O novo filme de James Bond está finalmente aí, depois de muitos e sucessivos adiamentos. 007 – Sem Tempo Para Morrer, como lhe foi chamado, está disponível em várias salas de cinema de todo o país e marca o capítulo final de Daniel Craig no papel do famoso espião britânico. O Espalha-Factos viu o filme e conta-te tudo sobre ele.

Desde os primeiros teasers que 007 – Sem Tempo Para Morrer mostrava ter uma aura diferente daquela que é a normal em filmes de James Bond. Tudo neste filme, comparativamente com Skyfall ou Spectre, os antecessores, parecia diferente. Claro que todo este pensamento era psicológico, motivado pelo já conhecido desejo de Daniel Craig em finalizar a sua experiência com o agente secreto no 25.º filme da personagem.

Para apimentar um bocado as coisas, a MGM, produtora responsável por estes filmes desde o início, trouxe Cary Joji Fukunaga para a realização, substituindo Danny Boyle, que havia sido despedido do cargo. Apesar de ser relativamente desconhecido do público de massas, Fukunaga é um daqueles cineastas com talento para dar e vender e, acima de tudo, que tem doses de coragem nos seus trabalhos fora do normal. Basta ver o que fez na realização de episódios de True Detective ou Maniac, Jane Eyre e, especialmente, Beasts of No Nation. A promessa era que isto seria um James Bond diferente.

Essa mesma coragem é visível logo na abertura de Sem Tempo Para Morrer, ao ignorar as habituais sequências de ação vertiginosas a que a franquia já nos foi habituando, acabando por mostrar uma cena fria, lenta, sem qualquer tipo de Bond ou espionagem. Temos apenas Madeleine Swann, enquanto criança, naquela é que a origem da história da personagem de Léa Seydoux, uma Bond Girl que vimos pela primeira vez em Spectre.

Só depois desta sequência, brutal para um filme destes, é que Daniel Craig finalmente aparece. Charmoso e calmo como sempre, Bond vai vivendo uma lua de mel eterna com Swann, num mundo muito diferente daquele que vimos pela primeira vez há quase sete décadas, em Dr. No. Naquela altura, James Bond era a personificação daquela imagem cliché do que é ser um homem: beber, fumar, mulheres e viver sem medo.

Desde que Daniel Craig se juntou à franquia que esta ideia foi sendo um pouco mudada, até porque os tempos também o fizeram. Casino Royale, o primeiro filme do britânico no papel, foi já uma mudança no paradigma de uma personagem que já não está nos anos 50. Contudo, essas mudanças só se viram na totalidade em Sem Tempo Para Morrer, uma longa-metragem que, apesar de manter a natureza da personagem, diz que ela é capaz de viver adaptada aos novos tempos. No entanto, quem não consegue viver nesses tais novos tempos é o próprio Bond.

007 - Sem Tempo Para Morrer

Se há coisa que o novo projeto da franquia faz bem é dizer que isto é um filme de renovação. Bond está velho, tal como Daniel Craig, e já não há espaço para eles nestes projetos. Esta ideia de passagem de testemunho está presente em todo o trabalho, quer seja nas mais variadas falas ditas pelo ator, que bem podem ser consideradas quase uma quebra da quarta parede, ou pelo simples facto de Bond já nem ser o verdadeiro 007 dentro do MI6, a agência para o qual trabalhava.

A ideia de que Bond está ultrapassado é explorada de várias maneiras ao longo da longa-metragem. A trama vai mostrando sucintamente que já não há espaço para uma personagem que seduz apenas para mostrar o quão bonito é (como acontece na hilariante cena com Ana de Armas), ou simplesmente que há espaço para homens terem sentimentos e que todos os traumas eventualmente vão chegar a um ponto sem retorno.

São estas diferenças que tornam Sem Tempo Para Morrer um filme diferente dos outros quatro que Daniel Craig protagonizou. Cary Joji Fukugana percebeu que a fórmula no qual esses trabalhos se apoiaram estava mais que gasta e realizou um filme à volta da personagem e não à volta da ação. O projeto mostra que, às vezes, é preciso saber respirar e deixar as personagens serem desenvolvidas à vontade, em vez de usar James Bond quase como objeto, sem direito a sentir ou a viver, com todas as suas emoções atiradas para baixo do tapete.

007 Sem Tempo para Morrer Daniel Craig

 

Com este travão, o público pode ver que tudo aquilo que foi ignorado nos outros projetos está aqui bem enraizado, tanto que, para se ter noção, um dos primeiros momentos da trama consiste na tentativa de desapegamento daquilo que aconteceu em Casino Royale, há 15 anos. Sem Tempo Para Morrer mostra que é bom refletir de vez em quando, sem nunca abrir mão da ação demolidora já característica, mas que nunca foi tão bem filmada quanto este.

O facto de o guião se apoiar muito mais nas personagens que importam do que na ação em si faz com que muitas, para além de Bond, acabem por ser beneficiadas. M, Q e, acima de tudo, a nova 007, a grande Lashana Lynch, acabam por ter mais desenvolvimento em cinco minutos deste filme do que nos outros todos combinados. Todos eles brilham com os diálogos que vão dizendo, mostrando uma grande influência de Phoebe Waller-Bridge, escritora de Fleabag, no que a humor diz respeito. A presença dela é visível em pequenas interações e piadas que vão sendo ditas, algo que não está presente em mais nenhum Bond de Daniel Craig.

007 Sem Tempo para Morrer Rami Malek

Como nem tudo podia ser perfeito, o filme acaba por falhar na escrita dos vilões. Interpretado por Rami Malek, Lyutsifer Safin é o grande patife deste projeto, no entanto, é desinspirado e desinteressante por várias razões – quer seja por ser mal escrito, apressado ou porque simplesmente, no ponto em que ele realmente aparece em cena, toda a gente está mais focada na jornada psicológica de James Bond do que num criminoso que promete lançar uma arma química no mundo. “Está sempre a acontecer” é algo entoado por Daniel Craig no meio disto tudo. Não ajuda que Rami Malek pareça mais engraçado do que ameaçador, algo que acontece na linha do que tem sido a carreira do ator desde Bohemian Rhapsody.

Há que dizer que Sem Tempo Para Morrer acabaria por não ser tão bom se não estivesse nas mãos de um realizador tão audaz como Cary Joji Fukunaga. Desde os primeiros minutos que o americano mostra que não está aqui para brincadeiras e que, apesar de todas as polémicas de que foi alvo aquando da gravação, levou isto muito a sério, querendo fazer algo diferente de todos os outros e conseguindo-o com sucesso. Desde o foco maior nas personagens, a cinematografia, os longos takes sem interrupções de ação, ou simplesmente a forma emocionalmente demolidora de como os créditos iniciais ao som de Billie Eilish estão feitos, tudo isto só podia vir de uma nova voz do cinema como Fukunaga. Agora é esperar para ver o que faz a seguir.

Daniel Craig e Ana de Armas em ‘Sem Tempo Para Morrer’

Apesar de ter um vilão esquecível e um ou outro ponto da história que não foi assim tão bom, este é o melhor filme de Bond desde Casino Royale, acabando por funcionar como uma renovação de tudo o que conhecíamos deste universo. Tirando Rami Malek, toda a gente está perfeita nos seus papéis. Ana de Armas está perfeita, Léa Seydoux mostrou mais uma vez o porquê de ser uma das melhores atrizes da sua geração e Lashana Lynch mostrou-se à altura, como já seria de esperar. Claro que a grande estrela é Daniel Craig, que nos dá uma das melhores performances da sua carreira, na despedida de um papel que o definirá para sempre e que marca uma geração.

007 – Sem Tempo Para Morrer significa mudança de tempos, que mostra que é possível fazer um Bond adaptado ao século XXI e que todos os outros deviam ficar no passado, onde pertencem. Este trabalho acaba por ser uma despedida emocional devastadora tanto para Craig, como para qualquer pessoa que veja o filme, ao mostrar uma enorme coragem que falta em tantos outros blockbusters. Que seja assim sempre, a partir de agora.

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