A Feira do Livro do Porto decorreu de 27 de agosto a 12 de setembro de 2021. Durante cerca de duas semanas, o Palácio de Cristal encheu-se de curiosos, no ano em que se comemoram os 150 anos da morte do grande autor portuense Júlio Dinis.
Organizada pela Câmara Municipal do Porto desde 2014, a Feira do Livro plantou-se novamente nos Jardins do Palácio de Cristal. A edição deste ano foi descrita, por alguns dos livreiros presentes, como o “primeiro grande evento cultural da cidade” após o (segundo) confinamento. Na feira concentraram-se os alfarrabistas, alguns já tendo perdido um espaço físico no Porto para outro tipo de serviços, e a falta das grandes editoras foi colmatada por novos autores, conhecidos através de editoras mais pequenas, que continuam a ter uma banca no evento.

Júlio Dinis, autor evocado
Nas palavras do Presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, celebra-se Júlio Dinis, “ele que é o mais esquecido dos escritores portugueses conhecidos”. Nuno Faria, coordenador programático desta edição e diretor artístico do Museu da Cidade, descreveu-o na perfeição: “Um homem marcado desde muito cedo pela doença, mas cujos livros foram sempre iluminados pelo otimismo e pela esperança”.
Apesar dos livros e da ficção, foi a botânica (uma terceira área de interesse do médico e escritor) que trouxe a conexão entre a Feira, o autor e o Palácio de Cristal. Herbário é a peça central em que esta Feira do Livro se focou. A palavra “herborizar”, entoada pela cidade nas últimas semanas, corresponde a “uma prática muito comum, não só entre botânicos mas também entre escritores, que (…) respondeu à necessidade de estudar, conhecer e classificar, para memória futura, as espécies do mundo vegetal, conduzindo, em consequência, ao autoconhecimento do herbolário”.

Joaquim Guilherme Gomes Coelho nasceu no Porto, em 1839, e na mesma cidade faleceu, 32 anos depois, vítima da tuberculose que o assombrou (e a vários portugueses até ao século XX) durante parte da sua vida. A sua primeira obra, Justiça de Sua Majestade, foi publicada em 1858, mas é pel’As Pupilas do Senhor Reitor, livro publicado em 1867, que conhecemos o médico de pseudónimo Júlio Dinis. 150 anos depois, recordamo-lo.
A (des)vantagem de uma Feira sem editoras grandes
Já se tornou hábito contar a história de como a APEL – Associação Portuguesa de Editores e Livreiros e a Câmara Municipal do Porto se desentenderam durante o executivo de Rui Rio, não tendo chegado, entretanto, a acordo mesmo com Rui Moreira. A distinção entre os dois autarcas notou-se pelo despacho do novo executivo que, em 2014, fez a Feira do Livro do Porto regressar, após um ano de interregno, em novos moldes, face à indiferença mostrada por Rio.
Com estes novos moldes não regressaram, no entanto, as grandes editoras, representadas habitualmente na Feira do Livro de Lisboa.
Dos 90 stands existentes na Feira do Livro, uma grande parte dos presentes anualmente são editoras independentes, como é o caso da Antígona ou da Orfeu Negro, que também em 2021 expuseram os seus trabalhos ao público portuense.

No final da tarde de sexta-feira (10), Mário Nelson, representante da distribuidora Dinalivro encontrava-se na zona exterior do seu stand, observador. No canto direito que colocava fim ao espaço da Dinalivro, encontravam-se vários livros infantis editados pela empresa, como é o caso de Histórias de Pontuar (Suzana Ramos/Marta Neto).
Para Mário Nelson, a Feira do Livro do Porto realizou-se “dentro das expectativas“, elevadas dado tratar-se do “primeiro evento cultural pós-pandemia”. A quantidade de pessoas que escolheu passar o final da tarde soalheiro a percorrer o trajeto de sentido único da Feira confirmou-o.
O seu livro favorito, ou que mais o marcou, disse-nos, é o clássico O Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos, e mostrou-se entediado com a “tendência de literatura dos últimos 10, 15 anos“. A sua recomendação literária seriam livros de técnica de xadrez, desporto sobre o qual aprendeu mais durante o confinamento.

Descemos o caminho de terra em direção a outras bancas por explorar. Depois da Relógio D’Água, talvez um dos maiores nomes presentes na Feira do Livro do Porto em 2021, cruzamo-nos com editoras como é o caso da Ponto de Fuga (da qual faz parte a Pim! Edições) e da Mosaico De Palavras.
Dentro do stand deste último, encontrava-se Evelina Fernandes, que prontamente se disponibilizou para nos ajudar e aconselhar naquilo que nos poderia interessar da Mosaico De Palavras. Considerando uma jovem de 21 anos, para a qual recomendou Josefo, de Madalena Caixeiro, ou uma criança de 7 anos, para a qual as escolhas foram ilimitadas.
São exemplos Não Tenho Pena (Beatriz Cruz Nunes/Carla Monteiro) ou De mãos dadas em Corrupio (Maria Lá-Salete Sá/Fernanda Cabral). Sobre o último, destacou as “27 histórias diferentes, todas elas em verso” e a personagem da bruxa Mimi, que as crianças mencionam. Evelina Fernandes leu-nos, então, uma das passagens do livro:
A leitura de um livro é uma coisa bem singela
É falar com um amigo, debruçado na janela
Ou até, quem sabe, sentada no banco de jardim
Mergulhada na leitura sem olhares para mimUm livro diz o que sabe, o que alguém escreveu
E deu felicidade ao menino que o leuToda a pessoa devia ler um livro uma vez na vida
Pois isso vai torná-la uma pessoa instruída
E por falar nos livros que lemos durante a vida, para Evelina Fernandes um dos essenciais foi Os Filhos da Droga, com o testemunho de Christiane F, que relembra ter sido um livro bastante marcante para a sua geração. “Tenho 55 anos… Na minha altura havia uma falta de informação acerca de drogas. Marcou-me muito”.

A Mosaico de Palavras, como várias das pequenas editoras presentes na Feira do Livro, é responsável por dar a conhecer novos e desconhecidos autores portugueses ao público. E esta é uma das vantagens das feiras.
A Feira do Livro do Porto como casa dos alfarrabistas
Uma outra vantagem das feiras, segundo Raul Pereira, é o conhecimento travado entre clientes e livreiros, especialmente em casos como a Cólofon, sediada em Guimarães e onde se lida com o livro antigo. “Quem nos visita, geralmente, já é um leitor ou mais conhecedor ou que procura algo em particular”, referiu o representante. “Não somos um pavilhão que atrai muita gente, mas somos um pavilhão que atrai gente com conhecimento ou da história do livro, de certas publicações que tiveram relevância na literatura portuguesa“.
Raul Pereira destaca sobretudo as conversas que travou com alguns dos leitores. “Nós estamos sempre a aprender com os nossos clientes, e espero também que os nossos clientes aprendam um pouco connosco”.
Neste sentido, ficou a pergunta: que recomendação faria a alguém que se aproximasse do seu stand, sem qualquer coisa em mente além da ideia de que queria comprar um livro? Raul Pereira começou logo por esclarecer que vende livros de 2 a 2 mil euros, e por isso a recomendação teve de ser aliada a alguém com um orçamento médio.
“Acabei agora mesmo de pôr em destaque”, riu, retirando cuidadosamente o livro que nos mostraria. “4.ª edição do Só do António Nobre. É um livro marcante na poesia portuguesa e um livro que me marcou quando era adolescente. Marcou-me tanto ao ponto de eu ter começado a escrever poesia“.
A preço de feira, o livro marcava os 40 euros.

No largo onde se encontravam as livrarias alfarrabistas, procurámos de forma atenta os nomes que reconhecíamos do ano anterior, como O Sótão da Tia Becas, a Alfarrabista.Eu, a Livraria Lumiére.
Este ano, voltamos a encontrar-nos com Fátima Branco, representante da Livraria Varadero, com quem trocámos palavras já em 2020, e que deixa sempre com vontade de visitar presencialmente, fora de tempo de feira, em Cedofeita. Com a devida distância, brincou-se com a vacinação completa e a máscara na cara. “Eu estou [vacinada]!”, “Eu também estou!”, ecoou.
Apesar dos pequenos estragos dos dois dias de chuva desta última semana, quarta e quinta, Fátima estava otimista com os resultados da edição deste ano – a Feira do Livro esteve “muito movimentada”. “Os fins-de-semana são sempre muito bons. Às vezes… travam-nos ali a entrada dos clientes”, ao que acrescentou um “o que é lógico”.
Fátima Branco destacou dois momentos que para ela marcaram o evento: o primeiro foi “a venda de um livro bastante raro, o primeiro livro de Saramago”, a Terra do Pecado. O segundo momento foi a passagem do Presidente da República (confirmámos se não era o da Câmara), que com ela conversou, como é habitual. “Falou, esteve aqui, estive-lhe a falar do primeiro livro que Saramago leu, A Toutinegra do Moinho [de Émile Richebourg]”.
Num aparte, confessa: “Eu já conheço o Presidente”, e esclarece que não é um conhecer de proximidade, “porque eu trabalhei numa livraria durante 40 anos e ele ia lá várias vezes”.
Para Fátima Branco, a recomendação perfeita a um leitor desamparado é Miguel Torga; especificamente, os Bichos. Conseguimos adivinhar o seu livro favorito…? Exatamente, os Bichos.

A Feira do Livro do Porto encerrou este domingo (12), às 21 horas, após 17 dias em que atraiu leitores de todo o tipo, desde famílias, trabalhadores da zona nas pausas de almoço e estudantes que regressam à cidade do Porto para as aulas que começam dentro de uma semana.