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IndieLisboa. Muitos prémios e uma plateia emocionada com ‘Paraíso’

O último dia do IndieLisboa ficou marcado pela entrega de prémios e pela sessão dupla do novo documentário de Sérgio Tréfaut, retrato de um Brasil que quer ver a tristeza passar

A cerimónia de encerramento da 18.ª edição do IndieLisboa teve lugar, como vem sendo hábito, na Culturgest, na segunda-feira (6). O Grande Prémio de Longa-Metragem Cidade de Lisboa foi entregue ao filme Les Prières de Delphine, de Rosine Mbakam.

O júri, composto por Bas Devos, Erika Balsom e Joana Craveiro, elogiou o cuidado no desenvolvimento de toda a mise-em-scene e cinematografia. O prémio tem um valor de 15 mil euros e é o mais importante do festival.

O Prémio para Melhor Longa-Metragem Portuguesa foi entregue a Susana Nobre, presenta na sala, que através do filme No Táxi do Jack conseguiu mostrar a luta de uma parte da população portuguesa que emigrou durante os tempos da ditadura e que regressa à sua casa natal décadas depois.

A cerimónia de entrega dos prémios decorreu com metade dos premiados a marcarem presença virtualmente, devido às restrições pandémicas que impedem ainda algumas viagens. Em sala os portugueses marcaram presença e há muitas revelações a sair deste festival.

O júri da competição nacional (Mercedes Martínez-Abarca, Ramiro Ledo Cordeiro, Daniel Vadocky), rendeu-se também à estreante Marta Sousa Ribeiro, “que foi capaz de capturar o desenvolvimento, não apenas físico mas também mental de um jovem rapaz ao longo de cinco anos marcados pela separação dos seus pais”. Simon Chama venceu assim o Prémio de Melhor Realização para Longa-Metragem Portuguesa, no valor de mil euros.

O Prémio Dolce Gusto para Melhor Curta-Metragem Portuguesa foi atribuído a O Que Resta, de Daniel Soares. E o Prémio Novo Talento The Yellow Colour revelou uma “realização cirurgicamente precisa que retrata uma história fortemente emocional que mostra a falta de esperança e crueldade na falta de segurança no trabalho” de Laura Carreira, com The Shift.

Na sexta-feira (3) havia sido anunciado na Casa do Capitão o prémio do novo parceiro do IndieLisboa 2021. Novíssimos Betclic, através do júri Delphine Jeanneret, Maria João Mayer e Mia Tomé galardoou Alberto Seixas que vê assim o seu Hunting Day  ganhar promoção e venda Portugal Film.

No final da sessão todos os presentes tiveram a oportunidade de ver a vencedora do Grande Prémio de Curta-Metragem, Keep Shiftin’ da alemã Verena Wagner, que retrata magistralmente os sons e movimentos de trabalhadores de uma fábrica de vidro.

Alguns dos filmes premiados podem ser vistos no Cinema Ideal até 8 de setembro.

Sérgio Tréfaut retrata um país que se apaga

 O Grande Auditório da Culturgest encheu para a antestreia de Paraíso, de Sérgio Tréfaut. Na sessão de encerramento do 18.º Festival Internacional de Cinema estiveram presentes o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e a Ministra da Cultura, Graça Fonseca. Ao palco subiram ainda os diretores do festival, Mark Deputter, presidente da Culturgest, que é também uma casa de relevo para o festival e o próprio argumentista e realizador do documentário, que viu um auditório aplaudir de pé o discurso emotivo sobre o que este pedaço de arte representa para o Brasil neste momento.  

Sérgio Tréfaut lembrou a importância da sua presença por se sentir “historicamente ligado a esta sala de alguma forma, comecei festivais aqui em 2004” e também porque com todos os contratempos derivados da pandemia, Sérgio foi forçado a “editar e concluir este trabalho apenas com o material que tinha recolhido até fevereiro de 2020, quando a intenção original era diferente e desse material fez uma homenagem a uma geração. É muito importante que este filme esteja hoje na sessão de encerramento do Indie.

O momento político que se vive no Brasil não foi deixado de lado e o realizador, que vive em Portugal há vários anos, sublinhou que a determinada altura o seu objetivo era o de “homenagear a alegria de uma geração que partiu vitima de uma política negacionista, com um discurso que justifica sempre a morte dos mais fracos” e que este filme não é mais que um retrato da “vitalidade e a grandeza daqueles que o governo brasileiro deixou deliberadamente morrer”.

Paraíso traz-nos as histórias de vida e as alegrias de “mulheres e homens quase centenários que, todos os dias ao cair da tarde, reúnem-se para cantar antigas canções de amor nos jardins do Palácio do Catete, no Rio de Janeiro”. Sede do governo até a construção de Brasília, o Palácio do Catete é hoje o Museu de República. Até março de 2020, os jardins recebiam uma população idosa que se reunia todos os dias para cantar e partilhar o seu amor pela vida, até surgir a pandemia.

Como lembra a sinopse do documentário, subitamente estes seresteiros passaram também a ser a cara e o corpo de todos os  sobreviventes de um Brasil que desaparece, quando as suas vidas e os seus cantos são subitamente interrompidos pela pandemia do coronavírus e este passa a ser uma homenagem à beleza de uma geração dizimada.

Em todas as oportunidades o criador desta obra faz questão de lembrar e homenagear estas pessoas, anónimas e, em simultâneo, verdadeiras estrelas que conseguem soltar gargalhadas de quem os ouve contar as histórias de uma vida, e que infelizmente estiveram, algumas delas, dias na porta de hospitais sem vagas e morreram de covid-19 por falta de tratamento, algo que aconteceu a milhares de brasileiros. Assim, para Sérgio este passou a ser “um retrato de como era feliz uma geração que ficou subitamente sem presente e sem futuro”.

A música, os risos, a inocência, a aceitação de uma vida que não conseguiram que fosse melhor, fazem deste filme uma autentica lição de vida e abrem-nos os olhos para a importância de haver ainda no Brasil quem não deixe o samba acabar.

Com estreia mundial no passado mês de abril no É Tudo Verdade 2021 – Festival Internacional de Documentários – onde foi muito bem recebido pelo público e pela crítica, teve ainda uma sessão muito especial ao ar livre, nos jardins do Palácio, após todos os seresteiros estarem vacinados, a 25 de julho de 2021. Em Portugal a antestreia deixou um auditório emocionado e mais uma vez a aplaudir de pé Sérgio Tréfaut.

O filme vai estrear a 16 de setembro, nas salas de cinema portuguesas. Já a 19.ª edição do IndieLisboa tem data de regresso agendada para 28 de abril de 2022 (até 8 de maio), naquela que os responsáveis esperam que seja o regresso às datas normais e a uma edição já menos ensombrada pela pandemia.