É sábado e no Espalha-Factos já se sabe o que isso significa: uma nova edição do À Escuta, a rubrica semanal do EF sobre os novos lançamentos do mundo da música portuguesa. Esta semana, o destaque é dado aos novos singles de RIVAthewizard e Jéssica Pina e ao novo B-side de Gisela João, um remix de ‘Louca‘ criado por Justin Stanton, músico dos Snarky Puppy.
Fala-se ainda dos novos singles de AVAN GRA, Cíntia, Mikee Shite, Rainhas do AutoEngano e Rossana e do longa-duração de estreia de Parker.
RIVAthewizard leva-nos no seu Automóvel no segundo avanço para o seu próximo trabalho
Automóvel é o nome do novo conjunto de faixas de RIVAthewizard, alter-ego artístico de Rui Paiva. Depois de na semana passada ter lançado a electrizante Imóvel – constituída pela faixa com o mesmo nome e por ‘Devagar‘ – agora RIVA apresenta ‘Beira-Mar‘ e ‘Busão-Paixão‘, duas faixas que seguem o motto apresentado em Imóvel: uma faixa electrizante – ‘Beira-Mar‘ – e uma balada suave e sentimental – ‘Busão-Paixão‘ – que funciona quase como um pendûlo para dar equilíbrio à “destruição” (no melhor sentido da palavra) que ‘Beira-Mar‘ nos leva a atingir.
E não estamos a brincar quando dizemos que ‘Beira-Mar‘ é destruidora. É uma faixa de techno feita para um after-party onde se pretende deitar a casa ao chão. Com o seu toque de hyperpop – principalmente nos vocais – e de progressivo, ‘Beira-Mar‘ mal nos dá tempo para respirar. Sintetizadores algo nostálgicos são rodeados por baterias pujantes que nos levam a entrar num estado de trance completo. Somos guiados pela batida e lá nos mantemos enquanto a faixa explode nos seus arpeggios que nos guiam para o moshpit mais próximo, algures no nosso futuro. É uma faixa que, de alguma forma, soa nostálgica por uma rave do passado, mas que soa diretamente vida de um futuro cyberpunk, trazido até nós pela decadência capitalista.
Felizmente, no final de suarmos com ‘Beira-Mar‘, ‘Busão-Paixão‘ traz-nos de volta ao presente, apresentando o lado mais “clássico” de RIVA, onde se revela como um vocalista dotado de emoção e nostalgia, capaz de nos transportar pelas ondas do tempo até ao momento que a festa à ‘Beira-Mar‘ termina. O que quer que seja que RIVAthewizard está a planear para este seu próximo trabalho – um EP intitulado HAICAI – só temos uma coisa a dizer: estamos mais que excitados para ouvir o que há de mais para oferecer.
‘Vento Novo‘ é o suave novo sopro na carreira de Jéssica Pina
Jéssica Pina está de regresso com o primeiro avanço do seu próximo trabalho, um EP que tem data de lançamento marcada para o próximo dia 8 de outubro pela Arraial, braço editorial da Arruada. ‘Vento Novo‘ é o nome deste single, que conta com letra de Rita Vian e produção de GrovvBeats e da própria artista.
Em ‘Vento Novo‘, de facto Jéssica Pina sopra para uma direção musical quando comparada com o seu disco de estreia, Essência, de 2018. O jazz que a caracterizou é puxado mais como uma adição ao seu universo musical em vez de ser o prato principal, dando espaço para que influências do R&B e afrobeats surjam de forma bastante mais vincada aqui. O resultado é uma faixa de pop suave que ainda vai a tempo de brilhar neste final de verão. A voz de Jéssica é perfeita para este estilo, criando pequenos hooks que ficam no nosso ouvido, e o beat da faixa é muito bem complementado pela presença do trompete de Jéssica, criando uma fusão entre o passado de Jéssica e o futuro para qual esta brisa a transporta.
Justin Stanton, dos Snarky Puppy, dá o seu cunho a ‘Louca‘ de Gisela João
Uma semana depois de ter dado a conhecer a remistura do tema ‘Saia da Herança‘ por parte de Holly, Gisela João não perde tempo e revela esta semana mais um B-side do seu belíssimo disco deste ano, AuRora. Desta vez, ‘Louca‘ recebe um novo tratamento por parte de Justin Stanton, músico dos Snarky Puppy que participou nas gravações do álbum em que é também autor dos arranjos de alguns dos temas.
As adições de eletrónica que Justin faz – e os toques de jazz ali metidos – acabam por conferir um toque gigante a uma faixa que, na sua forma original, soa minimalista e aconchegante. Aqui, a voz de Gisela guia-nos pelo meio do beat, assemelhando-se mais às junções de eletrónica que alguns artistas portugueses têm apresentado nos últimos tempos, como Pedro Mafama ou Rita Vian. Se AuRora já tinha alguns toques de eletrónica ali e acolá, com estes dois remixes, a nossa vontade de ouvir um projeto inteiro de Gisela João neste estilo aumenta – a sua voz assenta perfeitamente no “novo fado” que se anda a criar.
AVAN GRA mantêm o hype vivo em ‘Acorda‘
‘Acorda‘ é o nome do mais recente single dos AVAN GRA, dupla constituída por 90’s Kid e Carracha que caminha para o lançamento do seu mui-aguardado disco homónimo de estreia.
É com a voz de Napoleão Mira que ‘Acorda‘ abre, antes de nos apresentar ao verso de 90’s Kid (que também produz a faixa). Com a identidade própria que começa a ser característica dos AVAN GRA – barras pessoais, cheias de autoreferências e beats que invocam o old school do hip hop tuga – ‘Acorda‘ é mais uma faixa que justifica o hype que tem existido em torno dos AVAN GRA. Se o verso de 90’s Kid nos acorda, o verso de Carracha agarra-nos completamente. O beat é suave e bem construído, assentando que nem uma luva ao estilo de ambos os MCs, cuja química é impossível de ignorar.
Por agora, só podemos admirar a qualidade crescente de cada lançamento dos AVAN GRA enquanto esperamos pelo lançamento do seu primeiro grande projeto. O hype, esse, é mais que merecido. Para um grupo tão “novo”, a sua maturidade e consistência é de louvar. Qualquer fã de hip hop português tem de ter na sua lista a observar este duo lisboeta que nos continua a surpreender a cada novo single.
‘Je t’aime‘ é o novo single de Cíntia
‘Je t’aime‘ é nome do segundo single de 2021 da cantora e compositora lisboeta Cíntia. O sucessor de ‘Smoke‘ foi produzido por Dotorado Pro, produtor e DJ, e masterizado por Franklin Beats, com quem a artista tem vindo a colaborar nos seus últimos singles. Rivathewizard Rivathewizard Rivathewizard Rivathewizard Rivathewizard
Esta é uma faixa que se pode dizer eclética na sua sonoridade e que nos relembra a criatividade de Cíntia. O single apresenta algumas das marcas sonoras que Cíntia nos tem habituado, com destaque particular para a presença de ritmos africanos que, aqui, surgem num contexto de dancehall, criando uma espécie de mistura entre funaná e eletrónica que, simplesmente, funciona. Cíntia apresenta um flow também ligeiramente agressivo e que se insere muito bem na palete sonora de ‘Je t’aime‘, tornando a faixa num autêntico banger de verão.
‘Rising Sun‘ é a nova faixa explosiva dos Mikee Shite
‘Rising Sun’ é o novo single dos Mikee Shite, trio constituído por André Vedor, Filipe Estrada e Miguel Estrada. É o segundo single do ano para estes ‘rockeiros’ depois de em maio terem revelado ‘Melting/Freezing‘, o seu primeiro lançamento enquanto banda. Ambos os singles contam com produção da banda e com masterização por parte de Chinaskee.
Com toques de stoner rock e rock alternativo, ‘Rising Sun‘ é uma faixa potente, povoada por riffs de guitarra crús e por vocais distantes e cobertos de reverb, que ajudam a criar uma atmosfera algo fraturante mas familiar ao mesmo tempo. O refrão é orelhudo e bem conseguido, sendo que a capacidade do trio enquanto instrumentistas é extremamente interessante. O clímax da faixa num belo solo é o grande momento de ‘Rising Sun‘, pelo meio dos ritmos que povoam a faixa do início ao fim, marca os Mikee Shite como uma banda a observar no mundo do rock alternativo português.
Parker apresenta 2000 & Desastre, o seu longa-duração de estreia
Dois anos depois de lançar a mixtape CÃO, Parker, o alter-ego do rapper e produtor Afonso Cortês, está de regresso com aquele que é o seu disco de estreia, 2000 & Desastre. O trabalho conta com mix e master de Bedhop e com participação de Gonsalocomc numa faixa.
2000 & Desastre é um trabalho onde Parker faz desaparecer progressivamente a linha entre vários géneros de hip hop. Há toques de jazz rap, a fazer lembrar os melhores trabalhos de Logic – até em flow – adoçados com toques de hip hop abstrato que provêm muito das barras de Parker e do toque lo-fi que premeia grande parte das faixas, a fazer lembrar a sujidade e crueza de Earl Sweatshirt. Nessa linha, Parker cria um disco autobiográfico, que retrata a sua evolução enquanto indivíduo, mas refletindo sobre o quotidiano do dia-a-dia que vai observando.
Há faixas que nos prendem do início ao fim pela sua junção entre storytelling e um instrumental bem conseguido – como ‘Putos‘ ou ‘A Caixa‘ – mas também espaço para bangers imediatos e orelhudos, como ‘Chakras‘ ou ‘Caras+Lugares‘. É um disco interessante e que coloca Parker como um nome a observar no seio do underground do hip hop português, ao lado de nomes domo Wugori, Herlander ou moisés.
Rainhas do AutoEngano prosseguem o seu caminho ‘Gota‘ a gota
‘Gota‘ é o nome do novo single das Rainhas do AutoEngano, duo constituído pelas cantoras e multi-instrumentalistas Madalena Palmeirim (voz e cavaquinho) e Zoe Dorey (voz, violão e trompete). Corresponde ao seu terceiro lançamento do ano para o grupo que se encontra a caminhar para o seu curta-duração de estreia.
Numa faixa pura de verão, ‘Gota‘ transporta-nos para um final de tarde numa praia vazia, guiados pelo cavaquinho de Madalena e pelas harmonias de voz criadas entre as integrantes do grupo. A influência da bossa nova está extremamente presente, mas ‘Gota‘ é, na sua essência, uma faixa de pop bem conseguida. É orelhuda – a sério, é impossível não cantarolar ao som do seu refrão – recheada de nostalgia e dotada de uma produção que permite desfrutar de toda a beleza que premeia todos os momentos da faixa. E isso inclui também a lírica de ‘Gota‘!
Rossana canta em português na sua ‘Luto ao Pombo‘
‘Luto ao Pombo‘ é o novo single de Rossana que, de acordo com a artista, conta a história de um pombo que encontrou morto nas ruas de Évora. A faixa – a sua primeira cantada em português – conta com colaboração de Vítor Rodrigues na bateria, Hugo Oliveira nos sopros e de Metamito no mixing e mastering.
Contando, ainda, com um poema lido pelos avós da artista, ‘Luto ao Pombo é, sem margem para dúvidas, uma faixa fantástica. Na sua génese, soa quase como uma música de protesto, mas misturada com uma certa energia punk que lhe confere uma sonoridade que não nos lembramos de ouvir em nenhum lado. É misteriosa e cativante, cheia de grooves (aquela linha de baixo é mesmo fenomenal) e confere ainda espaço para Rossana comprovar mais uma vez que é uma vocalista e contadora de histórias exímias. E o clímax da faixa? Parece algo saído de Lullabies to Paralyze dos Queens of the Stone Age. Aquele tom de guitarra sujíssimo não engana.
Não sabemos muito que nome dar ao género que possa descrever ‘Luto ao Pombo‘ – uma espécie de fado punk, talvez? – mas que é das faixas mais cativantes que tivemos a oportunidade de ouvir este ano, é o com toda a certeza.