São indicadores que aparecem regularmente nas notícias sobre o mundo do entretenimento, influenciam os decisores das principais estações televisivas e movem um mercado publicitário que vale 300 milhões de euros. Para o bem e para o mal, as audiências são fundamentais para os media e ganham um peso acrescido quando se fala em televisão.
Mas, afinal, o que são as audiências, como se medem e quem o faz? Se estas são perguntas que já colocaste, este é o artigo certo. A propósito do Dia Mundial da Televisão, que se assinala este sábado (21), o Espalha-Factos falou com os principais intervenientes no processo para tentar clarificar como funciona, então, a medição de audiências televisivas em Portugal.
Amostra e rotatividade
Pela impossibilidade de se recolher dados de todos os indivíduos da população, é necessário, em primeiro lugar, constituir uma amostra, cujos dados são depois “ponderados tendo em conta o total da população“. Definiu a Comissão de Análise de Estudos de Meios (CAEM) — entidade responsável por todo o processo em Portugal — que “a recolha de audiências é feita através de um painel de 1.100 lares, cerca de 3000 pessoas“.
Pode surgir aqui uma dúvida: como é que a amostra é, então, constituída de modo a representar a população? O processo de seleção dos 1.100 lares que compõem a amostra engloba duas etapas. Sempre que uma nova empresa passa a deter a medição e há a necessidade de se criar um painel do zero, é feito um estudo-base, que envolve entrevistas presenciais a 10 mil lares.
Esses 10 mil lares são escolhidos aleatoriamente, tendo por base a informação constante nos Censos. “Na primeira entrevista, nós vamos perceber a composição dos lares: vamos perceber quem vive nos lares, se tem ou não tem televisão por subscrição“, explica Joelma Garcia, responsável pela área de audiências televisivas da GfK, a empresa que faz a recolha das audiências desde 2012. Recolhida uma informação mais pormenorizada, que serve igualmente para a caracterização dos lares de Portugal continental, “fazemos depois a seleção dos lares, de acordo com determinados critérios porque queremos também ter uma amostra representativa da população“.
A responsável salienta que, apesar de o painel ser constituído por lares, existe a preocupação de que o número de elementos envolvidos na medição seja representativo do total da população. “Há uma variável que nós utilizamos que é o número de elementos dentro do lar que cruza com todas as outras variáveis – região, subscrição, classe social – e essa é a variável que nos permite a representatividade daquilo que são os indivíduos“, pontua.
As duas entidades frisam igualmente que o sistema é atualizado todos os anos: “há lares que saem, lares que são recrutados de novo“, afirma o diretor executivo da CAEM, Fernando Cruz. Para isso, são feitos “dois estudos por ano, com 2500 entrevistas cada um; portanto, 5000 entrevistas“. Esses estudos permitem “saber qual a penetração da subscrição e a estrutura das classes sociais“, possibilitando a criação de “uma nova base de recrutamento com novos lares a entrar no sistema“.
“Nós todos os anos reajustamos o painel de acordo com esse indicador, quer a própria amostra quer o sistema de ponderação, ou seja, este ano o sistema ponderou uma informação um pouco diferente de acordo com aquilo que são os dados das últimas estimativas do INE“, explica Joelma Garcia.
Acerca da rotatividade, a responsável diz que a GfK tenta uma renovação da amostra de 20%. “20% porque em princípio os lares só podem estar cinco anos no painel. Se for os 20%, nós vamos conseguir ter uma amostra fresca“.
Recolha e tratamento dos dados
Para o sistema de audimetria funcionar, são necessárias duas componentes, nota a GfK: “uma componente que é a parte humana e a outra que é a parte tecnológica“. A parte humana diz respeito à já abordada amostra da população que serve de ponderação para a população total enquanto a componente tecnológica se refere ao audímetro e restante tecnologia que faz com que o aparelho comunique com a central da GfK.
Nos lares alvo de análise é instalado “um audímetro por cada aparelho de televisão em uso“, de modo a gravar “o comportamento de visionamento televisivo dos diferentes membros da família“, pode ler-se no site da CAEM. Aos elementos dos lares painelistas, é pedido que “sinalizem a sua presença quando estão presentes na divisão onde a televisão está ligada” através do telecomando, que tem um perfil criado para cada elemento do agregado, explicam os responsáveis da GfK.
Esta é a única intervenção humana no processo, sendo tudo o resto desencadeado de forma automática – “Tudo o resto é o meter que regista: o canal, se a televisão está on, se está off“. O audímetro funciona através do sistema audiomatching: “temos o aparelho que regista tudo o que está a dar na televisão, através do som, que depois é convertido para um processo binário e esse som, quando chega ao nosso sistema, tem que cruzar com outro som que no fundo serve de referenciação“, explica Joelma Garcia.
O sistema faz, em primeiro lugar, a validação de toda a informação recebida – quantos lares enviaram informação e que informação foi essa. Depois, é feita a ponderação: a cada indivíduo que compõe a amostra é atribuído um peso, “para que o conjunto de indivíduos chamados nesse dia representem a população total“.
Atualmente, o sistema não mede apenas o consumo linear, considerando também a visualização com “diferimento
igual ou superior a 60 segundos em relação à emissão“, aponta a GfK. Dentro do consumo em diferido, encontra-se aquele que acontece no mesmo dia da emissão linear — o VOSDAL — e o visionamento nos sete dias seguintes ao dia da emissão — TSV 7 Dias.
“Diariamente, o sistema faz o cruzamento entre o som que chega do audímetro e a informação que nós temos aqui registada na nossa base ou nas nossas SSUs“, explica a responsável pela área da medição, acrescentando: “quando ele sincroniza aquilo que é recebido dos lares com aquilo que nós temos no nosso sistema de referenciação a audiência é LIVE“. A parte da informação que o sistema não reconhece logo, é depois cruzada com os programas que deram no dia anterior – a que diz respeito a medição – e nos sete dias anteriores.
Desse tratamento dos dados, que é feito de forma automática, resulta a informação das audiências a nível de períodos horários. “Da GfK a informação que segue para os clientes é informação dos horários, o canal e indivíduos“, afirma Joelma Garcia. Para se obter uma grelha de audiências a nível de programas, “é feito um visionamento – que, neste caso, é a Marktest que faz – de tudo o que deu em termos de programas, é dada uma classificação e toda essa informação é sincronizada com a nossa base de períodos horários e, então, eu sei que àquela hora estava a dar o programa x ou y“, esclarece a responsável.
Audiência, rating e share
Nos comunicados que as estações televisivas regularmente emitem sobre as audiências conquistadas e mesmo nos relatórios diários publicados aqui no Espalha-Factos, aparecem termos técnicos como rating e share que muitos podem não conhecer o real significado, à partida. Importa, por isso, elucidar aqui os leitores acerca destas definições mais técnicas.
Comecemos pelo termo audiência que, define a GfK, “é o número de indivíduos expostos a um ‘suporte’“. Em televisão, a audiência corresponde, assim, ao conjunto de indivíduos que contactam com um dado programa ou canal. O rating corresponde à “percentagem da população portuguesa que vê um programa“, segundo o Infominuto da RTP. Tendo em conta que o universo da população no Continente é — segundo as estimativas da PORDATA — de 9,7 milhões de pessoas, 1% de rating corresponderá aproximadamente a 97 mil espectadores.
Já o share indica, segundo a mesma fonte, a percentagem de espectadores com televisão ligada que, durante um intervalo horário, viu um dado canal. Estes dois indicadores podem também ser apresentados como audiência média e quota de mercado, respetivamente.
Concurso de medição de audiências
A GfK é a responsável pela medição de audiências televisivas em território nacional desde 2012. A empresa venceu o concurso lançado em 2010, sendo então contratada pela CAEM para prestar o serviço aos seus associados. A CAEM é uma associação de direito privado tripartida, constituída pelos anunciantes, pelos meios de comunicação e suportes publicitários e pelas agências, agências de meios e agências criativas.
No caso da televisão — já que a associação diz respeito também a outdoor, imprensa, rádio e digital —, “é a entidade que faz a decisão metodológica sobre o processo de medição de audiências, que tem também um contrato com uma empresa que faz a recolha de dados diários de audiência de televisão e, por seu lado, assegura a distribuição desses dados diariamente por todos os associados e todas as entidades que tenham contratado o licenciamento da utilização desses dados“, explica Fernando Cruz, diretor-geral.
Para a CAEM, os contratos com as empresas que medem as audiências devem ser de cinco anos, embora “várias circunstâncias do mercado” tenham levado à prorrogação do contrato com a GfK, que ainda vigora. Da última vez, aponta o responsável, “foi feita uma consulta internacional a várias empresas que estavam ligadas à medição de audiências de televisão“.
É, depois, “lançado um concurso, com caderno de encargos e com especificações técnicas do sistema, aquilo que se pretende que seja assegurado pela empresa que vai fazer a medição de audiências, e as empresas têm, normalmente, 1 mês e meio a 2 meses para entregar as suas propostas“.
As propostas são, depois, avaliadas pelo conselho técnico e aquelas que cumprem uma percentagem mínima obrigatória do caderno de encargos passam à fase comercial, em que a empresa faz a sua proposta de valor e existe uma negociação. “Foi, depois, escolhida a empresa que cumprindo os critérios de qualidade que existiam para o sistema, tinha o melhor valor“, aponta o responsável.
Em julho do ano passado, a CAEM lançou um novo concurso para encontrar o operador que vigorará no período de 2021 a 2025. A consulta internacional contou, tal como em 2010, com as empresas GfK, Kantar Media, Marktest e Nielsen. Três empresas passaram a fase da avaliação técnica, cumprindo mais de 90% dos critérios.
“Passou uma fase de negociação comercial e, depois, digamos, aquilo que existe é a necessidade de validação da seleção final pelas três secções da CAEM e, neste momento, ainda decorre essa deliberação“, revelou ao Espalha-Factos o diretor-geral da associação.
Garantia da qualidade do painel
Para assegurar que o sistema está a funcionar como compete, existem vários mecanismos levados a cabo pela CAEM e pela própria GfK. A empresa responsável pela medição faz, num primeiro plano, a monitorização diária de toda a informação recebida, como exemplifica a responsável: “percebemos, por exemplo, que houve 20 lares que não comunicaram e nós vamos tentar comunicar com esses lares para percebermos se, de facto, não contactaram – porque simplesmente as pessoas desligaram o audímetro, porque às vezes acontece, ou então até pode ser uma avaria do nosso próprio aparelho“.
Duas vezes por ano, são feitos estudos de coincidência para “para aferir da qualidade do painel e da transmissão dos dados“. “São contactados todos os lares do painel, são feitas questões sobre os programas que estão a ser vistos, que canais é que estão a ser vistos, as pessoas que estão a ver televisão e é confrontada essa informação que é declarada pelas pessoas com aquilo que os dados registaram no mesmo dia e nos mesmos momentos“, explica o diretor-geral da CAEM.
O responsável acrescenta ainda que “no meio dos contratos – já tivemos duas situações com o contrato atual –, são feitas auditorias externas por uma entidade técnica independente“. Na última auditoria realizada, detalha, “foram visitados 50 lares do painel para garantir que as condições e a forma como são transmitidos os dados estavam de acordo com aquilo que é reportado“.
Qual a importância deste processo?
“À partida, as audiências permitem, por um lado, aos meios broadcasters aferir, minuto a minuto, quais são as preferências e o perfil das pessoas que veem os programas“, explica o diretor-geral da CAEM, acrescentando que “também para os anunciantes é muito importante, porque para muitos produtos e muitas marcas a televisão ainda é uma forma bastante rápida e barata de conseguir cobertura e de conseguir atingir um grande número de pessoas“.
Isso mesmo corrobora a secretária-geral da Associação Portuguesa de Anunciantes, uma das três partes que compõem a CAEM: “As audiências televisivas são fundamentais para os anunciantes porque permitem medir o retorno e a eficácia dos investimentos. São uma fundamental ferramenta de planeamento e de gestão de recursos que, por norma, são escassos“. Já do ponto de vista dos canais, “são também fundamentais pois permitem-lhes gerir a sua programação avaliando o nível de adesão das audiências aos produtos que lhes estão a ser oferecidos“, sintetiza Manuela Botelho.
Acerca da efetividade da publicidade em televisão, a responsável afirma que “continua a ser um meio mass market, capaz de alcançar uma enorme audiência de forma muito rápida“, salientando que “existem estudos que provam que a taxa de conversão de espetadores em utilizadores também é elevada“. “Ao contrário do que se vaticinou no passado a Televisão (em sinal aberto e Pay TV) continua viva e bastante ativa e a representar uma fatia bastante importante nos orçamentos de media dos anunciantes (aproximadamente 50%), aponta.
As declarações vão em linha com os dados apresentados no Inquérito aos Serviços Prestados às Empresas do Instituto Nacional de Estatística, citado pelo relatório O Mercado Publicitário em Portugal, publicado em abril de 2019 pelo OberCom. De acordo com o estudo, em 2017, a televisão captava 46,7% do investimento publicitário em Portugal, a maior fatia do bolo. A segunda maior tranche estava alocada à internet (17,2%).
Em termos monetários, o investimento em televisão — o segmento líder — representava 399 milhões e 271 mil euros, ao passo que para a internet eram destinados 147 milhões e 247 mil euros. É de salientar também que de todas as categorias de suportes publicitários analisadas – televisão, imprensa escrita, rádio, internet, eventos, outdoors e outros -, a televisão e a internet eram precisamente as únicas duas a registar uma tendência de crescimento.
Que futuro?
Estando o consumo audiovisual a apresentar rápidas mudanças, o próprio universo da audimetria tende a procurar novas soluções para dar ao mercado respostas para uma melhor leitura da realidade. Em Portugal, a tendência não é diferente e, por isso, a atual direção da CAEM traçou como um dos objetivos “a essencial atualização tecnológica da medição de audiências em Portugal“.
Uma das novidades previstas já para o próximo contrato de medição de audiências – previsto para vigorar de 2021 a 2025 — é o guest viewing, a medição do consumo na presença de visitas: “as pessoas visitam-se e, à partida, perde-se, de alguma forma, esse tipo de consumos“, salienta o diretor-geral da CAEM. Esta é uma prática já regular na Europa.
“Também está previsto já termos a medição de conteúdos de todos os terminais do lar – mobile, tablets, smart tvs, pcs –, ou seja, a questão é basicamente perceber, para já, o que é que é visionado no lar“, afirma Fernando Cruz, acrescentando que “isso é particularmente importante se pensarmos no peso que vai tendo atualmente a questão dos canais em streaming, que à partida são não identificados porque em termos de som não temos nada com que contrastar“.
“Esperamos no futuro poder medir ou pelo menos identificar quais são os tipos de conteúdos que estão a ser visionados ou foram visionados pelas pessoas dentro do lar“, remata.