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Cruella
Fotografia: Laurie Sparham

Crítica. ‘Cruella’: o reinventar de uma vilã que não é digna desse nome

'Cruella' estreou nas salas de cinema portuguesas a 27 de maio e é uma prequela da famosa vilã da Disney

Cruella, o novo filme sobre a vilã dos 101 Dálmatas, estreou nas salas de cinema portuguesas a 27 de maio de 2021. O filme foca-se na vida e na infância de Estella, uma rapariga que se tornou órfã em tenra idade e que sonha com uma carreira de designer. O filme é protagonizado por Emma Stone, Emma Thompson, Joel Fry e Paul Walter Hauser.

As origens da personagem

Cruella
Fotografia: Laurie Sparham

O filme começa com a infância de Estella, desde o seu nascimento até à morte da sua mãe. Estella é diferente desde que nasceu, e não só no que diz respeito ao seu cabelo de duas cores. É uma criança ambiciosa e criativa, mas tem um lado cruel que a sua mãe, Catherine, apelida de Cruella. Apesar das tentativas da mãe, Estella tem dificuldade em manter este lado escondido, o que leva a que as duas tenham de se mudar para Londres após Estella quase ser expulsa da escola. No caminho, Catherine faz uma paragem numa festa que decorre numa mansão, e pede à filha que fique no carro. Estella acaba por sair e meter-se em apuros, terminando a ser perseguida por dálmatas que eventualmente empurram a sua mãe de um precipício. 

Estella vai então sozinha para Londres, carregando consigo a culpa pela morte da mãe. Já na capital, conhece Jasper e Horace, duas crianças que se viraram para o crime para sobreviver, e decide juntar-se a eles. 

Cruella
Fotografia: Laurie Sparham

A história foca-se então na vida adulta da personagem, que criou um trio de criminosos amadores com os outros dois rapazes. O trio utiliza as roupas feitas por Estella nos seus esquemas de forma a não serem identificados. Esta consegue depois um trabalho numa das grandes lojas de roupa de Londres e é descoberta pela Baronesa, um ícone da moda Londrina. Estella dá-se bem no seu novo trabalho e recebe a aprovação da Baronesa, seguindo sempre o conselho da sua mãe de manter Cruella escondida. Todo o enredo dá uma reviravolta quando esta descobre que a morte de Catherine foi na verdade orquestrada pela Baronesa. A partir desse momento, Cruella ressurge e faz tudo para retirar o protagonismo à Baronesa.

Um filme quase irrepreensível

Cruella
Fotografia: Laurie Sparham

Se há algo absolutamente estelar neste filme é o guarda-roupa. Todas as roupas usadas pelas personagens são precisamente escolhidas e as criações de Estella são de suster a respiração. Ainda que isto seja esperado de um filme que é centrado na moda e na criação de coleções, este factor chama mais à atenção visto que é a suposta vilã que cria as peças, fazendo com que estas sejam diferentes dos típicos vestidos de princesa dos filmes da Disney. Outro aspeto irrepreensível é a banda sonora. Cada música aparece no momento certo e dá toda uma outra vida ao filme, elevando o nível e emergindo o espectador.

A atuação de Emma Stone neste filme é nada menos do que incrível. A atriz flutua entre Estella e Cruella de uma forma brilhante, tanto que mesmo que não existissem diferenças no cabelo e no guarda roupa seria impossível confundir as duas. Stone brilha especialmente nos momentos de loucura de Cruella, em que quase desejamos que a atriz fosse sempre a vilã nos filmes em que participa.

No que diz respeito ao enredo, existem aspetos positivos e outros negativos. Cruella é cheio de reviravoltas e não existem momentos mortos, pelo que quem vê o filme não passará um segundo aborrecido. Apesar de o grande ponto de viragem do filme ser previsível para quem conhece a história da personagem, toda a revelação e as suas consequências são bem executadas, culminando numa mudança de direção da história e num final perfeito para a personagem em questão. Este filme vem comprovar o “fenómeno Maléfica”: a Disney é tão boa a fazer filmes de heróis como de vilões. 

Cruella: uma verdadeira vilã?

Cruella
Fotografia: Disney

Existe, no entanto, um pequeno senão com esta afirmação: será que Cruella é realmente um filme sobre uma vilã? Sim, Cruella que vingar-se pela morte da sua mãe, mas não tem qualquer outra característica típica de um vilão. Cruella quer justiça e quer ser bem sucedida. Tirando a sua ambição e a sua forma pouco ortodoxa de alcançar os seus objetivos, não existe nenhum motivo para apelidar a personagem de “má da fita”. Aliás, uma das cenas que prova que Cruella não é uma antagonista ocorre depois do grande desfile, em que percebemos que Cruella não matou os cães para fazer um casaco, como tinha sido previamente afirmado pela Baronesa.

E esta é outra questão, e talvez a mais importante, em relação à personagem: esta Cruella não é a mesma que conhecemos no filme 101 Dálmatas. Essa Cruella é, como o nome indica, cruel, uma vilã rica que não hesitaria em matar os cães para as suas peças de roupa. A Cruella presente neste filme não quer sequer matar a pessoa responsável pela morte da sua mãe. Isto não seria um problema se este filme não fosse apelidado de prequela, mas sendo esse o caso é algo que não faz sentido. Esta Cruella não é propriamente cruel sem motivações, mas sim alguém que foi de certa forma traumatizada pelo que lhe aconteceu.

A conclusão a que podemos chegar é que o filme pode ser visto de duas formas. Se olharmos para o mesmo como a história de origem da personagem Cruella, é um filme sem sentido e que perdeu vista do seu próprio objetivo. Não se liga de forma alguma com aquilo em que a personagem se torna e cria características e motivações que desaparecem no desenrolar da vida da personagem.

Podemos, no entanto, olhar para o filme como um reinventar de Cruella. Este filme pode ser uma forma de trazer de volta à ribalta uma personagem quase esquecida e torná-la numa favorita dos fãs (algo que vai inevitavelmente acontecer). É claramente um filme capaz de nos mostrar que todos podemos alcançar os nossos objetivos, independentemente das origens e dos nossos defeitos. Podemos considerar Cruella uma personagem interessante, complexa, que nos mostra que somos todos feitos de lados melhores e piores e isso não nos define. A Cruella deste filme é uma personagem cinzenta, mas pensando bem, somos quase todos.

Cruella
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