Lee Daniels decidiu contar-nos a história de Billie Holiday no seu novo filme, Estados Unidos vs. Billie Holiday, através da canção mais marcante deste grande nome do jazz, ‘Strange Fruit’.
O filme começa com a cantora a dar uma entrevista, que se percebe ser de final de carreira. Billie Holiday, ou Lady Day, está bastante desconte por estar ali e por continuarem a perguntar-lhe por que motivo não parava de cantar “Strange Fruit” quando esta música “só lhe trazia problemas”.
A forma como Andra Day entrega esta fala diz-nos quase tudo – o cansaço frustrado mas calmo de quem explica a uma pessoa branca, pela enésima vez, a importância de uma música sobre os linchamentos regulares de afro-americanos nos Estados Unidos da América.
Esta entrevista serve-nos de ponto de partida para o desenrolar dos acontecimentos. No entanto, não se trata de flashbacks diretos às memórias de Billie Holiday, o que é original, sendo até uma lufada de ar fresco da parte do realizador, especialmente quando esta opção parecia óbvia.

O olhar de Lee Daniels
Reunindo imagens de arquivo da época que mostravam cartazes e um pouco da vida noturna, Lee Daniels vai interligando-as muito bem com as imagens do seu filme, permitindo ao espectador ter um vislumbre da essência da década e de quão notável era Holiday.
Daniels mostra-nos como o racismo era palpável na década de 1950, e como uma pessoa de grande sucesso profissional e financeiro, como Holiday, podia continuar a ser renegada em vários campos da sua vida quotidiana só por causa da sua cor de pele. Destaca-se a cena em que Holiday queria entrar no elevador com uma amiga sua e não podia, sendo impedida de o fazer pelo segurança do elevador. O motivo? Ele era o único negro cuja entrada era permitida. Se a deixasse passar, seria despedido. Holiday tinha de usar o elevador da área de serviço. A forma como a cena foi feita também é algo a sublinhar – sem música e com diálogo muito simples. Não foi dramático, o que conferiu poder à cena por percebermos que aquela situação era o normal.
O filme mostra-nos ainda como Holiday estava muitas vezes rodeada de pessoas que estavam apenas interessadas no seu dinheiro e sucesso, e de como foi fortemente perseguida pela polícia devido ao seu consumo de drogas e por nunca ter desistido de cantar a canção “Strange Fruit”– chegando a ser proibida de cantá-la e de ter sempre problemas quando o fazia.
“Southern Trees Bear a Strange Fruit”
A cena mais marcante do filme retrata aquela que parece ser a origem da música “Strange Fruit”. Billie Holiday e Jimmy Fletcher testemunham o resultado de uma execução de um afro-americano. A dor e o trauma deixados em todos os que viram ou souberam do sucedido é amplificada pelas implicações daquele ato, a desumanização de todos aqueles que se parecem com ele, e é essa dor que transparece na icónica música.

No fim, dançamos…
O filme termina com a morte de Billie Holiday e com imagens reais da multidão que se reuniu para o seu funeral. No entanto, nos créditos finais, há uma cena muito amorosa que devem esperar para ver – Billie Holiday e Jimmy Fletcher estão a dançar valsa, numa referência a uma das primeiras cenas entre os dois, na qual Holiday conta a Fletcher que adorava aprender a dançar a valsa.
No final, este não é um típico filme biográfico. Alguém como Billie Holiday não merece um, mas sim vários filmes que contem a sua história. Mas este acaba por ser tanto sobre Holiday como sobre o contexto de ‘Strange Fruit’ e a segregação racial nos Estados Unidos da América.