No dia 30 de abril, celebra-se o Dia Internacional do Jazz. Para celebrar a ocasião, o Espalha-Factos elaborou uma lista de dez discos (menos conhecidos) para mergulhares neste vasto género musical.
Dia 30 de abril foi a data escolhida pela UNESCO para a celebração desta efeméride. A comemoração visa lembrar a importância deste género musical e do seu contributo na promoção de diferentes culturas ao longo dos vários anos. O jazz é um estilo musical que apela à criatividade e à improvisação dos seus intervenientes mas pode, por vezes, não ser entendida pelo grande público. Este é o décimo aniversário desta celebração do género musical, cuja ideia partiu de Herbie Hancock, conhecido pianista e Embaixador da Boa Vontade para o Diálogo Intercultura da organização.
Por isso, o Espalha-Factos reuniu uma lista com discos dos vários quadrantes do jazz, sem esquecer a música que se faz por cá, para que possas explorar este género musical tão diverso. Não encontrarás nomes como Miles Davis ou John Coltrane, mas acreditamos que os álbuns que reunimos também mereçam ser conhecidos por ti.
Toshiko and Her International Jazz Sextet – United Notions (1958)
Toshiko Akiyoshi é uma das pianistas mais conceituadas (e celebradas) da história do jazz. A sua carreira estende-se ao longo de várias décadas e reúne inúmeras colaborações e projetos que mostram a sua qualidade enquanto pianista mas, também, como compositora. Em United Notions, a artista japonesa junta um conjunto grande de músicos – Nat Adderley (corneta), Doc Severinsen (trompete), Bobby Jaspar (saxofone e flauta), Rolf Kühn (saxofone e clarinete), René Thomas (guitarra), Bert Dale (bateria) e John Drew (contrabaixo) – para criar o sexteto internacional Toshiko and Her International Jazz Sextet.
Neste trabalho, as composições do grupo apresentam-se com toques cinemáticos, aproximando-se bastante do bebop, estilo de jazz caracterizado pelos seus ritmos elevados, harmonias complexas (e há bastantes ao longo deste disco) e improvisação. E improvisação é um pouco ao que este disco soa, no melhor sentido. Cada faixa soa como se estivéssemos dentro de uma jam session com estes músicos, notando-se a química e cumplicidade entre estes para a criação das composições. Cada elemento delas, quando surge, emerge de forma natural e surpreendente, ao mesmo tempo, contribuindo para a criação de grooves bem pautadas e conseguidas que marcam toda a extensão deste trabalho.
Archie Shepp – The Way Ahead (1968)
Na arte do domínio do saxofone na história do jazz, poucos o fizeram como Archie Shepp. Mentorado por John Coltrane, Archie tornou-se numa das principais caras do jazz durante a década de 1960, com especial destaque para a segunda metade dessa década. Com The Way Ahead, lançado em 1968, o artista acrescentava mais camadas à sua sonoridade, acabando por torná-la mais acessível face a trabalhos anteriores, mas sem esquecer as suas raízes no avant-garde.
As principais razões para isso é a adição do pianista – a primeira vez que Archie trabalhava com um. Walter Davis Jr. e o contrabaixo, tocado pelo mestre Ron Carter, ganha muito espaço na mistura, permitindo que os ritmos sejam mais vincados e estruturados – particularmente no caos controlado de ‘Frankenstein’, que merece o seu título, ou na groovy ‘Fiesta’, onde a bateria de Roy Haynes brilha. E no meio disso tudo, o saxofone de Archie rompe para brilhar, criando uma atmosfera algo ansiosa e insegura, mas que nunca deixa de ter a alma (não fosse a magnífica abertura do disco uma junção entre jazz e soul) do género presente. É de notar que as duas últimas faixas do disco, que atualmente se encontra nas plataformas de streaming – ‘New Africa’ e ‘Bakai’-, não faziam parte do disco original, tendo sido adicionadas numa reedição posterior.
Carlos Bica, Frank Möbus, Jim Black – Azul (1996)
Um dos discos “obrigatórios” do jazz da década de 1990. Carlos Bica é considerado um dos mais aclamados contrabaixistas portugueses. Foi com o projeto Azul, um trio formado juntamente com o guitarrista Frank Mobus e o baterista Jim Black, que deu asas a uma carreira frutífera em colaborações com outros nomes fortes da música portuguesa, como Camané, Carlos do Carmo e Ana Moura, entre muitos outros .Passados 25 anos da sua edição, Azul continua a soar fresco, e o facto de ter a participação da cantora Maria João em dois dos seus temas é a “cereja no topo do bolo”.
Shibusashirazu – Shibuboshi (2004)
O mundo do jazz fusion é enorme e caótico. Nele o jazz sofre mutações, molda-se em torno de outros géneros musicais para construir um universo singular para cada projeto dentro do estilo. Em Shibuboshi (渋星), disco da orquestra de jazz japonesa Shibusashirazu (渋さ知らズ), é-nos apresentado um universo onde o rock progressivo e psicadélico se tornam um só com o jazz, criando-se composições que soam megalómanas nas suas progressões mas que são simples de desfrutar. Há grooves extremamente bem criadas, rodeadas por camadas de eletrónica e instrumentos de sopro que conseguem criar espaço suficiente para os solos brilharem, quando acontecem. Este é um disco que merece ser explorado, revelando-se como uma verdadeira aventura sonora em formato de big band.
Dale Cooper Quartet & The Dictaphones – Parole de Navarre (2007)

Oriundos de França, os Dale Cooper Quartet & The Dictaphones apresentam uma sonoridade que pega no jazz e transforma-o em algo escuro, carregado de influência do cinema noir. Em Parole de Navarre, o seu disco de estreia, o grupo demonstra bem o que é que é esse conceito de dark jazz. As texturas do trabalho são muito escuras e o ritmo a que as músicas se desenvolvem é bastante lento mas, apesar disso, conseguem carregar grooves que nos fazem transcender.
A influência da música ambiente e do drone faz-se notar, com a influência mais óbvia a ser Angelo Badalamenti – não fosse o nome da banda uma referência ao protagonista de Twin Peaks, série para a qual Badalamenti compôs a banda sonora. É um disco que consegue ser relaxante e assustador ao mesmo tempo, tornando-se numa verdadeira experiência de sentir todos os sons que vão surgindo de forma intermitente – e é uma que vale mesmo a pena.
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Ricardo Toscano – Ricardo Toscano Quartet (2018)
Depois de anos a tocar no Hot Clube de Portugal com os mais variados músicos, a expectativa à volta do álbum de estreia de Ricardo Toscano era imensa. Bebendo da influência dos “mestres” Miles Davis e Wayne Shorter, o disco homónimo apresenta um conjunto de temas originais do jovem músico, com a exceção de The Sorcerer, que é uma composição de Herbie Hancock.
Este é um dos melhores “tesouros escondidos” da música nacional e é também uma excelente “porta de entrada” para mergulhar no jazz feito em Portugal. O quarteto é completado por João Pedro Coelho (piano), Romeu Tristão (contrabaixo) e João Lopes Pereira (bateria). Sem sombra de dúvidas, um dos músicos de jazz mais promissores em Portugal.
João Barradas – Portrait (2020)

A fusão de diferentes universos musicais,liderados por um instrumento que a maior parte dos ouvintes talvez não associe de imediato ao jazz. Desde 2000 que o acordeonista João Barradas tem sido laureado com várias distinções, quer nacionais, quer internacionais. Neste trabalho, afasta-se dos padrões de virtuosismo musical para dar lugar a referências mais contemporâneas nas suas composições. O seu disco de 2020, Portrait, é um bom testemunho sobre a capacidade de reinvenção do jazz, enquanto género musical.
Júlio Resende – Julio Resende Fado Jazz Ensemble (2020)
Talvez estejamos habituados a vê-lo com Salvador Sobral em palco, mas Júlio Resende é também uma mente criativa a fervilhar. O seu mais recente disco – Julio Resende Fado Jazz Ensemble – funde, como o nome indica, o jazz com o fado. Este trabalho em particular é também a estreia de Resende como letrista. Talvez seja o seu disco mais convencional, mas isso não menospreza a qualidade dos arranjos. Resende é um pianista exímio e não tem medo de experienciar outro tipo de abordagens musicais, oque fica evidente ao longo de todo este trabalho.
Shabaka and the Ancestors – We Are Sent Here By History (2020)
Um dos nomes mais entusiasmantes do jazz contemporâneo é o do saxofonista Shabaka Hutchings. Envolvido em projetos como The Comet is Coming ou Sons of Kemet, o britânico tem sido responsável, talvez a par com Kamasi Washington, pelo renascer da popularidade do género nos últimos anos. No entanto, é com o projeto Shabaka and the Ancestors que este revela aquele que talvez seja o seu lado mais pessoal e profundo enquanto intérprete.
Aqui, o artista junta-se a vários músicos sul-africanos para criar dois trabalhos até à data – Wisdom of Elders e We Are Sent Here By History – que apresentam uma grande influência de ritmos africanos e tribais, com toques de espiritualidade a fazer lembrar Archie Shepp ou Pharoah Sanders. We Are Sent Here By History é um disco cheio de grooves e movimentos, com uma forte e excelente componente de percussão (providenciada por Gontse Makhene e Tumi Mogorosi) que permite aos solos dos sopros fluírem de forma libertadora, contando ao mesmo tempo a história de alguém a atingir um estado de libertação emocional de um regime opressor. Um disco que celebra o passado do jazz e que o prepara para o futuro do que o género poderá ter para oferecer.
Bruno Pernadas – Private Reasons (2021)
Para fãs do experimentalismo com pitadas de virtuosismo, Bruno Pernadas e o seu coletivo têm produzido alguns dos discos mais entusiasmantes. O mais recente foi lançado este mês e chama-se Private Reasons, um trabalho discográfico com uma hora e 15 minutos de duração mas recheado de pormenores musicalmente interessantes. É um daqueles discos que merece ser ouvido com atenção para perceber a sua grandiosidade. Não é de fácil digestão, mas após sucessivas audições torna-se indispensável para qualquer fã de jazz.
Textos e escolhas de João Pardal e Miguel Rocha.