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Entrevista. Luís Trigacheiro: “Sempre olhei para a arte como algo único”

No passado dia 3 de janeiro, a vida de Luís Trigacheiro dava uma volta completa, ao tornar-se vencedor da oitava edição do The Voice Portugal, concurso de talentos da RTP1. Com isto, o jovem de 23 anos, natural de Beja, assinou um contrato discográfico com a Universal Music Portugal e, no passado dia 18 de abril, o primeiro avanço da sua carreira musical a nome próprio, Meu Nome é Saudade, foi lançado.

Luís Trigacheiro - O Meu Nome é Saudade
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Começando inicialmente como parte da equipa de António Zambujo, sendo depois salvo por Marisa Liz na parte das batalhas do concurso, a figura de Luís Trigacheiro revelou-se sempre como bastante próxima das suas raízes alentejanas, trazendo as suas influências de cante alentejano para o pequeno ecrã.

Agora, em ‘Meu Nome é Saudade’, essas influências voltam a encontrar o seu espaço, apimentadas agora por toques de vocal jazz e fado, levando que a faixa ecoe uma certa nostalgia pelos tempos simples do passado. Para melhor entender este seu primeiro “cartão de visita” – que não é só seu, é também do “seu Alentejo”– o Espalha-Factos esteve à conversa, de forma virtual, com o artista bejense.

De onde é que surgiu a ideia de participares no The Voice Portugal?

A ideia surgiu num contexto de copos, em tom de brincadeira. Estava com amigos e um deles disse que me ia inscrever [no The Voice Portugal], e eu nem sequer liguei à conversa. O que é certo é que depois ele inscreveu-me mesmo, e acabei por ir, um bocado naquela da aventura, sabes? Não ia à espera de nada.

E no final, acabaste por te sagrar vencedor. Acreditaste alguma vez que isso podia ser possível? E o que é que sentiste quando percebeste que tinhas vencido?

Olha, nunca pensava muito nisso porque estava a fazer as coisas por etapas, mas houve ali uma altura que comecei a pensar que talvez fosse possível, que havia essa possibilidade. E o que é que senti? Senti tanta coisa, foi um misto de emoções enorme: ansiedade, felicidade, nervosismo. Senti-me também um bocado perdido, a perguntar-me o que é que iria fazer agora? Como é que iria ser a minha vida daqui para a frente? Não sei, foram muitas emoções todas ao mesmo tempo.

Trabalhaste com o António Zambujo inicialmente e, posteriormente, com a Marisa Liz durante o concurso. Como é que foi trabalhar com estes artistas e o que é aprendeste com eles?

São pessoas incríveis. Tudo aquilo que eles parecem ser na televisão, é o que são na realidade, e isso é muito bom. São pessoas que têm uma experiência incrível, e estão ali para te ajudar acima de tudo. Deram-me sempre as melhores dicas dizendo sempre, na opinião deles, claro, o que é que achavam que era o melhor. E comigo bateu tudo certo. São um pilar importante daquele programa.

Marisa Liz e Luís Trigacheiro o vencedor do The Voice Portugal
Luís e a sua mentora, Marisa Liz, após ter sido anunciado como o vencedor da oitava edição do The Voice Portugal. | Fotografia: RTP/Divulgação
Este teu primeiro single, ‘O Meu Nome é Saudade’, é descrito como o teu cartão de visita, mas também do teu Alentejo. Que influência têm as tuas raízes nesta música?

Isto tudo surgiu entre amigos, percebes? A maior deles, de muitos, muitos anos, e isso também levou aqui também a um facilitismo [ser influenciado pelo Alentejo] porque é algo que nos está entranhado. Não é algo que dizemos “vamos fazer assim porque somos do Alentejo”. Não é assim. Isto tudo faz parte da nossa maneira de ser, está sempre presente. E é mais fácil meteres outra coisa lá do que meteres isto [o Alentejo], porque isso já está lá de uma forma ou outra. Não é algo que tu adicionas. Faz parte do nosso dia a dia há imensos anos, e acaba por ser uma coisa genuína e inconsciente.

O cante alentejano tem uma forte componente história por detrás deste, surgindo em parte pelas adversidades que o povo alentejano sofreu ao longo do tempo, particularmente durante os anos da ditadura. Sentes que a tua voz possa ser uma porta de entrada para que o significado por detrás do cante não seja esquecido?

Imagina, não sinto que o cante alentejano tenha ficado perdido ou esquecido. Existem aulas de cante alentejano nas escolas, existem vários grupos de cante também, e isso de certa forma assegura a continuidade e acrescenta anos de vida a algo que é património, percebes? E não é património apenas de uma região, mas sim de um país, e a partir do momento que o cante alentejano foi considerado Património Imaterial da Humanidade, isso fez com que este se desse a conhecer, não só a nível nacional – que também aconteceu – mas também a nível internacional, percebes? Isso foi o grande passo para evitar o esquecimento de algo que é um legado nosso, enquanto português e enquanto alentejano. O nosso país é um país cheio de tradições, cheio de património, que na minha opinião devia de prevalecer, manter-se e fazer parte da nossa história, porque é isso também que nos caracteriza enquanto país.

Referenciaste os grupos de cante alentejano que hoje existem. Antes da tua participação no The Voice Portugal, tiveste envolvido em projetos do género, como os Bubedanas ou Os Improvisados. De que forma é que estes projetos te influenciaram para o teu futuro enquanto artista?

Foi nesses projetos que eu comecei a aprender mais nuances e a cantar mais à minha maneira. Também comecei a aprender mais músicas e a ouvir mais música. E foi com estes projetos que comecei a cantar mais, percebes? E a conhecer mais pessoas, a entrar um bocadinho mais neste mundo, mas sempre num sentido de amadorismo, de um hobby, por assim dizer. Não olhava para cantar como uma vocação. era mais um hobby que gostava imenso. E hoje em dia [depois do The Voice Portugal], deixou de ser um hobby para estar presente a 100%. E esses dois grupos acabam por ter um impacto enorme, porque além de existir uma grande amizade que se mantém aos dias de hoje, trago deles um repertório vasto que me vai servir certamente a médio-longo prazo.

Luís Trigacheiro
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Com a tua vitória no The Voice Portugal, a música para ti deixa de ser um hobby e passa a ser algo a full-time, por assim dizer. Como é que encaraste essa transição? A forma como olhas para a música alterou-se?

Eu sempre gostei imenso de cantar, e não vejo grande diferença nisso. Se calhar, agora sinto mais responsabilidade porque é uma coisa a solo, ao qual o meu nome, a minha imagem, é associado. E prezo muito isso, e então, tenho de dar o melhor de mim e marcar pela diferença. Sempre olhei para a arte como algo único, porque a arte é algo que muitas vezes não se aprende, é uma coisa que nasce com a pessoa, e eu acho que [a arte] tem de ser respeitada porque é algo único, que nos traz emoções e momentos e mensagens que de outra forma, não sei como é que nos chegariam.

Comparativamente com outros vencedores que saíram deste tipo de concurso, que muitas vezes caem num estigma associado à pop comercial, apresentas um avanço que se apresenta muito longe disso. Como é que pretendes te diferenciar desse estigma?

Eu não tenho um estilo definido. Quando me perguntam o que é que canto, eu não consigo especificar porque eu não sou um cantor pop nem um cantor rock – vou beber a vários sítios. Se tivesse de tentar descrever, quase que me atrevo a dizer, na minha humildade, que sou um cantor de cante alentejano com um bocadinho de fado, com uma mistura de Portugal e de vez em quando, vou beber um bocadinho ao Brasil. Não te sei especificar, mas sei que é algo de diferente do que costuma ser apresentado. Agora, o que é que exatamente? [risos] Não te consigo dizer.

Dizes que bebes influências de vários sítios. Quais é que são, então, as tuas maiores influências?

Em termos nacionais, temos a grande Amália [Rodrigues], claro, mas também a Carminho, a Sara Correia, tenho o [António] Zambujo, o Ricardo Ribeiro, Pedro Abrunhosa, Rui Veloso. Se formos internacionalizar mais a coisa, já vou aí para uma Elis Regina, para o Chico Buarque, um Caetano Veloso, para um Frank Sinatra. Tenho muitas referências mesmo. Ouço muita música [risos].

Qual é agora o plano para o futuro próximo, depois de este single estar cá fora?

Agora, em primeiro lugar, são os concertos, e espero que venham muitos, que estamos cá para os fazer. Temos aí mais dois ou três temas para o futuro, que consoante agora o feedback deste e a melhor oportunidade, hão-de sair. É algo que está a ser estudado. Está previsto também para entre o final deste ano e início do próximo um álbum, mas vamos ver como correm as coisas, que isto agora é tudo muito incerto. Não se consegue afirmar que vai ser assim ou que vai ser de outra maneira, porque a nossa vida atualmente é vivida quase de duas em duas semanas porque estamos sempre dependentes do que acontece com a pandemia.