Judas and the Black Messiah é o novo filme de Daniel Kaluuya e de Lakeith Stanfield, realizado por Shaka King, é um dos nomeados ao Óscar de Melhor Filme, sendo um dos principais favoritos. O Espalha-Factos já o viu e conta-te tudo sobre ele, sem spoilar muito do que acontece (mas se não sabem nada sobre a história de Fred Hampton é melhor informarem-se um pouco antes de procederem à leitura).
Há coisa de 70 anos atrás, surgiu por Hollywood o termo “oscar bait“, duas palavras que ainda são usadas hoje em dia, de forma conjunta, e designam filmes que parecem ter sido feitos com o propósito de ganhar Óscares. Normalmente são projetos longuíssimos sobre tempos passados, problemas sociais ou tragédias reais. A juntar a isso tudo, normalmente são estreados entre Outubro e Dezembro.
Muitos filmes considerados “oscar bait” acabaram por vencer o Óscar de Melhor Filme, sendo Green Book o exemplo mais recente. Isto tudo para dizer que Judas and the Black Messiah dava a ideia que se iria juntar à lista dos filmes assim designados. Fala sobre a tensão racial nos Estados Unidos, mais concretamente sobre o crescimento de popularidade e influência de Fred Hampton, talvez o líder mais famoso dos Panteras Negras, e o seu consequentemente assassinato. Pelo trailer mostrado, diga-se um dos melhores dos últimos 20 anos, perguntou-se por aí se o filme não teria salvo os melhores momentos para esse vídeo e escondido os pontos baixos, até porque lideres radicais como Fred costumam ser encarnados de forma mais leve do que eram na realidade (veja-se o exemplo de The Trial of The Chicago 7 com Abbie Hoffman, em particular).
Naturalmente, a coisa começou a mudar de figura quando o filme de Shaka King, um realizador relativamente desconhecido do grande público, fez estrear o seu filme, Judas and the Black Messiah, no festival Sundance no início de 2021. Começou a circular por aí que, realmente, este não era apenas mais um filme feito para Óscares. Este realmente tem coisas a dizer.
Claro que basta ver poucos segundos do filme para perceber que isto, realmente, é verdade. Judas and the Black Messiah é uma película que começa eletrizante e, durante as suas duas horas de duração, nunca abranda. Podemos facilmente chamar-lhe uma bomba cinemática. É inovador na sua história, implacável, corajoso e não tem ponta de medo de chamar as coisas pelos nomes. Os insultos às varias instituições americanas são recorrentes, até criativos em alguns momentos, e boa parte das personagens passam o filme todo a espezinhar os Estados Unidos.
Lakeith Stanfield abre o filme, com a sua presença enorme a que já nos habitou. “Um distintivo é mais assustador que uma arma. É quase como se tivesses um exército atrás de ti” diz a personagem de Bill O’Neal, o Judas da história, enquanto fala com o agente do FBI que o prendeu e que o vai convencer a infiltrar-se nos Panteras Negras, algo que Bill faz com agrado. Afinal de contas, ele pensava que ia ser fácil.
Depois disto, aparece-nos Daniel Kaluuya, num momento que tem tanto de incrível como de arrepiante. Este é o primeiro grande discurso de Fred Hampton no filme, capaz de arrepiar todos os pelos do braço tal é o carisma do mesmo. O ator britânico interpreta o líder dos Panteras Negras com a tranquilidade de um veterano, trazendo uma loucura, intensidade, postura e violência para este papel só ao alcance dos melhores atores de sempre, naquela que é uma performance que vai ficar para sempre gravada como uma daquelas a ter em conta para qualquer aspirante a ator.
Fred Hampton era uma pessoa que fazia inimigos muito facilmente mas, acima de tudo, era capaz de juntar esses inimigos e trabalhar em conjunto com eles com ainda mais facilidade. Isto tornava-o um alvo a abater para o Governo Americano, sendo descrito como um Messias Negro (o Black Messiah do filme) por J. Edgar Hoover, o mais famoso líder do FBI desde a sua fundação, e que aqui é interpretado por Martin Sheen debaixo de um trabalho de maquilhagem notório.
Nas mãos de um realizador menos conhecedor, isto teria tudo para ser uma biopic genérica. No entanto, Shaka King toma a decisão de centrar o filme à volta de Bill O’Neal, algo arriscado mas que acaba por funcionar às mil maravilhas, tornando-se num filme pensado fora da caixa, com uma estrutura narrativa pouco convencional mas que funciona em todos os minutos.
Contudo, mesmo que a forma como o filme estiver construído não for do agrado de qualquer um, a maneira como as cenas estão desenhadas, criadas e filmadas é uma vitória por si só, demonstrando que cada frame deste projeto está cheio de paixão pela história contada e isso costuma ser meio caminho andado para o sucesso.
Historicamente, Fred Hampton é uma individualidade que não é tão conhecida como devia. Com apenas 21 anos tornou-se no inimigo público principal dos Estados Unidos apenas e si por querer dar qualidade de vida aos mais desfavorecidos em todos os sentidos. Acabou assassinado enquanto dormia, juntamente com boa parte dos membros do seu partido. A meio do filme, já depois de sair da prisão onde esteve durante alguns meses por vender gelado sem permissão, Fred Hampton exclama “vocês podem assassinar um revolucionário mas não podem assassinar a revolução“, entoado de forma apaixonada por um Daniel Kaluuya quase de lágrimas nos olhos, naquilo que define boa parte do que o filme tenta demonstrar.
Judas and the Black Messiah é um daqueles filmes que devia aparecer mais vezes. Produzido pela Warner Bros., um dos maiores estúdios americanos, é corajoso até não poder mais e não tem qualquer medo em chatear quem quer que seja, o que por si só é uma vantagem em relação a filmes que retratam assuntos parecidos. Isto não pode ser dito de The Trial of the Chicago 7, por exemplo, um filme que acontece quase paralelamente a Judas and the Black Messiah e que, no entanto, o primeiro parece ser uma versão bastante mais leve do que aconteceu realmente. Por isto tudo e mais alguma coisa que pode ter sido esquecida, Judas and the Black Messiah é um filme praticamente perfeito e que devia ser de visualização obrigatória para qualquer um. Está nomeado para cinco Óscares: Melhor Filme, Melhor Ator Secundário tanto para Daniel Kaluuya como Lakeith Stanfield, Melhor Argumento Adaptado e Melhor Cinematografia.