Malcolm & Marie é o filme mais recente da Netflix. O drama romântico foi escrito e realizado por Sam Levinson e tem John David Washington e Zendaya nos papéis principais.
Um realizador (Washington) e a namorada (Zendaya) regressam da antestreia do seu mais recente filme. Enquanto aguardam pela publicação das primeiras críticas, o casal discute problemas que pairam sobre a sua relação. À medida que entram madrugada a dentro, confissões e insultos duros colocam em risco a ligação entre ambos.
O filme foi feito inteiramente durante o primeiro confinamento de 2020 nos Estados Unidos. Com uma produção minimalista, esta é uma representação bruta dos piores momentos de um casal.
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Uma longa noite
A sinopse do filme parece simples e a verdade é que a narrativa não complica mais. Depois de ter escrito um diálogo que durou quase uma hora, Sam Levinson volta a relevar o seu talento para o trabalho da palavra em Malcolm & Marie. Acompanhamos, sem qualquer corte temporal, uma discussão que dura cerca de uma hora e 45 minutos.
Claro que não é só gritos e troca de argumentos. Existem secções — quase divididas por tópicos — que o casal atravessa, apesar de todas estarem ligadas à mesma temática. Há também espaço para monólogos e, mais importante ainda, os momentos de silêncio. As pausas em que cada personagem contempla o que acabou de ouvir e de dizer, a reflexão dolorosa das feridas abertas por cada frase.
O filme não se faz só de discussões. Momentos de romance genuíno surgem esporadicamente, para nos lembrar como a linha entre amor e ódio pode muitas vezes ser ténue. Ambas as personagens alternam entre estes dois estados, sem nunca parecer inconsistente ou ilógico. As emoções humanas raramente o são.
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Se o foco principal é a relação entre Malcolm e Marie, o filme também explora a indústria do Cinema norte-americano e, a um nível mais profundo, o que inspira os grandes artistas. O mais nítido é uma crítica à atitude atual dos media e, nomeadamente, dos críticos que procuram politizar grande parte dos filmes, ou focar-se em componentes irrelevantes para o público e para os criadores.
O estatuto da cultura de celebridades também entra nesta reflexão, ficando claro o que sempre foi verdade: Hollywood é uma máquina de vender histórias, com ênfase na palavra comercial. O conteúdo rico de Malcolm & Marie mantém o espetador entretido. Nunca se sente que o filme está a arrastar-se.

Dupla de peso
Visualmente, Malcolm & Marie não é de todo semelhante com o outro grande trabalho de Sam Levinson — Euphoria. Sem nenhuma extravagância impressionista, a única grande escolha cinematográfica passa pela filmagem a preto e branco. O filme podia existir a cores, contudo a escolha monocromática complementa o ambiente da narrativa e acaba por focar o espetador no conteúdo do enredo.
Não há nenhum enquadramento de encher a vista, mas Malcolm & Marie está filmado de forma consistente. A única exceção é talvez a imagem final do filme — uma escolha astuta que fica na mente do espetador e acrescenta à ambiguidade do desfecho deste casal.
Por falar no par, ambos os atores apresentam interpretações de luxo. John David Washington encarna um realizador egocêntrico e fala-barato, que não deixa de revelar traços de vulnerabilidade e dependência. No entanto, é Zendaya que realmente brilha ao dar vida a uma ex-toxicodependente, recuperada dos seus vícios e, simultaneamente, insegura do seu talento artístico e do valor na vida do seu namorado.
A forma como ambas as personagens evoluem ao longo da madrugada é transmitida de forma subtil pelos dois atores. E, apesar de ninguém ficar a ganhar com uma discussão tão dolorosa, é evidente que uma das personagens consegue marcar o seu ponto e começar o dia seguinte com uma nova perspetiva.

Labrinth, outro colaborador de Sam Levinson em Euphoria, cria uma banda sonora muito menos espalhafatosa do que seria esperado. Os sons serenos de jazz são uma boa escolha para a intimidade das cenas de romance e a melancolia das discussões. As escolhas de canções populares também merecem uma menção, em particular o uso bem humorado de ‘Get Rid of Him‘ de Dionne Warwick.
Malcolm & Marie é uma reafirmação do talento de todos os seus principais intervenientes. Uma escrita sólida, uma realização focada e duas atuações fantásticas proporcionam uma boa sessão na plataforma da Netflix. No mês em que se celebra São Valentim, este filme é uma boa lembrança dos problemas e frustrações que podem surgir numa relação, da proximidade volátil entre o amor e o ódio e que mais do que uma aventura ou um sonho, o amor é um desafio.