O Espalha-Factos terminou. Sabe mais aqui.
Bogart

Humphrey Bogart. O homem que não podia nascer no Natal

O ator norte-americano é considerado pelo American Film Institute como a maior lenda masculina do grande ecrã

Humphrey Bogart nasce a 25 de dezembro de 1899. Exatamente 100 anos depois do seu nascimento, é considerado como a maior lenda masculina de Hollywood, pelo American Film Institute. Do mesmo modo, o AFI considera Casablanca como o segundo melhor filme americano de sempre. Assim, o legado de Bogart estende-se centenas de anos após o seu nascimento, como uma lenda multifacetada.

Bogart nasce no dia de Natal, em 1899. Contudo, quando começa a sua carreira em Hollywood, a Warner Bros. muda a data de nascimento para dia 23, para não desmistificar o “mauzão” do grande ecrã. Do mesmo modo, a quarta e última esposa de Bogar, Lauren Bacall, escreve na sua autobiografia que sempre se festejou o aniversário do ator dia 25, como uma piada, para não lhe dar mais uma prenda.

O “mauzão” que sofria de bullying

Contudo, embora a produtora tenha criado esta imagem do ator, não passa de um mito. Na verdade, Bogart é filho de um cirurgião cardiopulmonar, Belmont Bogart, e da ilustradora Maud Bogart. Com efeito, a mãe recebia 50 mil dólares por ano (40 mil euros), enquanto o pai somava 20 mil (16 mil euros). Então, Bogart cresce na zona rica de Nova Iorque, em Upper West Side, e passa férias numa quinta em Canandaigua Lake, no norte do estado.

Embora tenha crescido numa família abastada de dinheiro, faltou-lhe carinho. A mãe pedia aos filhos que a tratassem por “Maud” ao invés de “Mãe”. Do mesmo modo, o ator recorda que “um beijo, na nossa família, era um acontecimento. A nossa mãe e o nosso pai não nos enchiam de mimo“, frase recuperada por Jeff Meyers, no livro Bogart: A life in Hollywood.

Portanto, o ator frequentou até ao quinto ano o prestigiado colégio Trinity Shcool. Contudo, era um aluno indiferente e desapegado, sem interesse em atividades extracurriculares. Na verdade, o futuro ícone de Hollywood sofreu de bullying, por causa do seu cabelo encaracolado, pelas fotos que a mãe o obrigou a tirar, pelas roupas que vestia, e, sobretudo, pelo seu primeiro nomes, Humphrey.

Contudo, a postura rebelde estava prestes a vir ao de cima. Depois de Trinity School, Bogart frequentou a Philips Academy, um prestigiado internato, do nono até ao décimo segundo ano. Embora os pais quisessem que o ator concluísse os estudos e seguisse para a prestigiada Universidade de Yale, Bogart deixou a Philips Academy. De acordo com a biografia escrita por Meyers, Bogart terá sido expulso por atirar o reitor para um charco, ou por fumar e beber, ou por comentários inapropriados ao corpo docente. No entanto, podem ter sido mitos criados pelos estúdios, afirma Meyers.

Da Marinha para os palcos da Broadway

Devido a poucas opções de carreira, Bogart parte para a Marinha. Na verdade, os seus interesses em criança incluíam costurar, pescar e brincar com barcos. Portanto, em 1918, durante a Primeira Guerra Mundial, Bogart entra para a Marinha. De acordo com a biografia de Meyers, o ator é seduzido pela ideia de “Paris! Raparigas francesas ‘sexy'”.

Aproveitando-se do seu tempo na Marinha, mais um mito sobre Bogart é produzido pelos estúdios. Terá sido na Marinha que o ator fez a sua famosa cicatriz, que se tornou um dos seus símbolos mais característicos, quando é atacado por um prisioneiro.

No entanto, o ator inglês David Niven, conhecido pelo seu papel nos filmes de A Pantera Cor de Rosa, diz que essa história foi plantada pelo estúdio. De facto, os exames físicos de Bogart pós-Marinha não mencionam qualquer cicatriz.

Quando regressa a casa, Bogart releva-se um inconformista. Assim, Bogart torna-se num jovem que desgosta de pretensão, de snobismo, que desafia figuras de autoridade convencionais. Do mesmo modo, ao regressar a casa, retoma a amizade com Bill Brady Jr., filho do diretor da produtora de filmes William A. Brady’s.

Embora tenha tentado a sua sorte a realizar, produzir e escrever filmes, não obtém sucesso em nenhuma das áreas. Assim, começa a participar nas peças de Alice Brady, tendo feito a sua estreia em A Ruined Lady, onde interpreta um mordomo com apenas uma fala. Contudo, aos poucos, sem nunca ter aulas, Bogart participa em 17 peças da Broadway, entre 1922 e 1935, e casa-se duas vezes. Mesmo assim, poucos são os críticos que elogiam as suas performances.

A chegada a Hollywood

Bogart sai de Nova Iorque e vai para o Oeste, na sequência do Crash da Bolsa, em 1929. Embora a cópia completa do filme nunca tenha sido encontrada, o ator faz a sua estreia no cinema em The Dancing Town, em 1928, com Helen Hayes.

Assim, Bogart assina um contrato com a Fox, que lhe paga 750 dólares por semana (615 euros). No entanto, é só depois do filme A Floresta Petrificada que o ator se instala definitivamente em Hollywood. O filme é um sucesso de bilheteira e transforma Bogart numa estrela.

Mesmo assim, Bogart prefere aparecer numa série de B Movies sobre gangsters. Embora Bogart fosse bastante diferente das suas personagens, é associado constantemente às mesmas. Na suas palavras, recuperadas no livro Bogart: In Search of My Father, publicado pelo filho, “não consigo participar numa troca de palavras amena sem torná-la numa discussão. Deve ser algo na minha voz, ou nesta cara arrogante, algo antagoniza toda a gente. Ninguém gosta de mim à primeira“.

Bogart
Humphrey Bogart em ‘Os Homens Marcados’ (1929)

No entanto, a Warner Bros, não tem interesse em recuperar a imagem do ator, preferindo enchê-lo de trabalho. Com efeito, Bogart aparece em mais de 34 filmes da produtora, trabalhando em mais do que um projeto simultaneamente. Ao mesmo tempo, tem de lidar com um casamento conturbado com a atriz Helen Meyers que, tal como ele, tinha um problema com o álcool. No entanto, a atriz tinha surtos de paranóia e ciúme quando bebia, ficando também agressiva.

Neste turbilhão, Bogart, com o seu desdém por pretensão e falsidade, não aparece às estreias dos seus filmes. Esta atitude fascina a imprensa de Hollywood, que não está habituada a este comportamento.

O começo da lenda

Bogart conhece sucesso financeiro e aclamação por parte dos críticos com os filmes O Último Refúgio (1941), Relíquia Macabra (1941), e Casablanca (1942).

Em O Último Refúgio, ator colabora com o seu amigo John Huston, que escreve o guião do filme. Com este projeto, cimenta-se uma forte amizade entre Bogart e Huston, que desmitifica a imagem do ator. Embora tivesse sido um aluno desinteressado, Bogart era um leitor ávido, que conseguia citar desde Platão a Shakespeare. Muitos dos melhores amigos de Bogart são escritores e argumentistas, pois é este tipo de pessoa que o ator mais admira. Mesmo assim, Huston admira Bogart pela sua concentração na filmagem de O Último Refúgio. 

No mesmo ano, Huston e Bogart voltam a trabalhar em conjunto, com Relíquia Macabra. Tal como O Último Refúgio, é um sucesso comercial e crítico. Bogart fica orgulhoso do filme. Meyers documenta a impressão do ator no seu livro,”é praticamente uma obra-prima“, disse, não estou orgulhoso de muitas coisas… mas desta estou“.

Bogart
‘Frame’ do ‘trailer’ de ‘Relíquia Macabra’

Contudo, Bogart é atualmente relembrado pelo seu papel em Casablanca. O filme de 1942 valeu-lhe a sua primeira nomeação para o Óscar de Melhor Ator PrincipalNo set do filme, Bogart desvenda mais um aspeto misterioso da sua pessoa. Aparentemente, é o ator que decide que a sua personagem, Rick Blaine, devia ser um jogador de xadrez. Na verdade, Bogart participava em torneios de xadrez, um grau abaixo de Mestre. Com efeito, estudiosos de cinema interpretam e relacionam o gosto de Blaine pelo xadrez com a sua personalidade distanciada e cínica.

Do mesmo modo, Bogart destaca-se por ser dos poucos atores com quem a atriz Ingrid Bergman não se relaciona. Ou seja, Bergman tinha fama de se envolver com os atores com quem contracenava. No livro Bogart, os autores A. M. Sperber e Eric Lax, recuperam um comentátio de Bergman sobre o ator, “eu beijei-o, mas não o conheci“.

Neste filme, Bogart quebra com o tipo de papel pelo qual é conhecido. Assim, em Casablanca, interpreta o seu primeiro papel principal romântico.

Bogart e Bacall

Embora a grande história de amor de Casablanca não se tenha estendido para os seus protagonistas, Bogart vive uma grande história de amor com Lauren Bacall. 

Os dois conhecem-se nas filmagens de Ter ou Não Ter (1944), uma adaptação do romance de Ernest Hemingway.

Quando se conhecem, Bogart tem 44 anos, é casado, enquanto Bacall tem 19 anos, e põe-lhe a alcunha de Baby. Mesmo assim, de acordo com o livro de Meyers, Bogart sente-se atraído pelo seu rosto, olhos verdes, cabelo louro, corpo magro, postura, pelas suas emoções equilibradas e realistas, assim como pela sua maturidade e honestidade. Assim, Bogart ter-lhe-á dito “vi o teu teste (de câmara). Vamo-nos divertir muito juntos“.

Criam um laço emocional forte, desde o início. Do mesmo modo, a diferença de idades cria uma relação de mentor-aluna. Contudo, ao contrário da norma em Hollywood, este é o primeiro caso de Bogart com a atriz principal de um filme. No entanto, o realizador do filme diz que “Bogie (Bogart) apaixonou-se pela personagem dela no filme, então ela teve de continuar com isto durante o resto da sua vida“.

Um ano depois, Bogart divorcia-se da esposa e casa com Bacall, numa pequena cerimónia em casa do escritor Louis Bromfield. Em 1946, reúnem-se no cinema com À Beira do Abismo (1946), co-escrito pelo autor William Faulkner. O filme ficou marcado pela tensão sexual entre as duas personagens principais.

Um homem que acabou no topo

Em 1947, Bogart está no topo: consegue um contrato que lhe permite recusar guiões e tem capital parar abrir a sua própria produtora. Assim, volta a trabalhar com John Huston, em O Tesouro da Sierra MadreNo entanto, o filme é um fracasso de bilheteira. Mesmo assim, a performance de Bogart recebe elogios, enquanto Hudson ganha o Óscar de Melhor Realizador, assim como o pai, que venceu na categoria de Melhor Ator Secundário.

Um ano depois, Bogart abre as portas da sua própria produtora, Santana Productions, o que enfureceu Jack Warner, da Warner Bros. Com isto, o ator aparece pela última vez num filme da produtora, em 1951, com Sem Consciência.

Então, entre 1949 e 1951, Bogart produz e protagoniza O Crime Não CompensaO Inferno de TóquioMatar ou Não Matar Vento do Deserto.

Contudo, Bogart continua a trabalhar fora da Santana Productions. Com efeito, contracena com outro astro de Hollywood, Katherine Hepburn, em A Rainha Africanaem 1951. O filme marca outra colaboração com John Huston. Assim, com este filme, Bogart aparece pela primeira vez em Technicolor, ou seja, num filme a cores, e recebe o seu primeiro e único Óscar, na categoria de Melhor Ator Principal

Humphrey Bogart e Katherine Hepburn em ‘A Rainha Africana’

Por fim, Bogart contracena com Audrey Hepburn, na comédia romântica Sabrinaem 1954. Interpreta Linus Larrabee, um dos seus papéis mais emblemáticos.

Assim, Bogart contracenou com todas as grandes estrelas de Hollywood suas contemporâneas, Ingrid Bergman, Katherine Hepburn e Audrey Hepburn. Ainda assim, na televisão, aparece ao lado de Henry Fonda, também um grande nome de Hollywood, em A Floresta Petrificada. Trava também amizade com Spencer Tracy, ator conhecido pelo seu papel em Adivinha Quem Vem Jantar.

Um final prematuro por levar uma vida idêntica à do grande ecrã

Bogart levou uma vida idêntica às suas personagens. Se Rick Blaine bebia, então Bogart também bebia. Contudo, a sua alimentação e comida enlatada, cigarros e álcool acaba por lhe valer nas gravações de A Rainha Africana. Com efeito, toda a equipa de gravação e elenco fica doente com disenteria, exceto Bogart e Huston. Por exemplo, Katherine Hephburn, que não bebia álcool, perdeu peso e ficou bastante doente.

No entanto, este estilo de vida levou a melhor de Bogart. Assim, em janeiro de 1956, é a diagonistificado com cancro do esófago. Depois de uma cirurgia no esófago falhada, o ator começa a fazer quimioterapia.

Em janeiro de 1957, é visitado pelos amigos Frank Sinatra, Spencer Tracy e Katherine Hepburn. Na obra biográfica Bogart, os autores A. M. Sperber e Eric Lax, recuperam uma frase de Hepburn. A atriz disse que “o Spence deu uma palmadinha no ombro e disse ‘Boa noite, Bogie’. O Bogie virou-se para o Spence muito calmamente e cobriu-lhe a mão e disse ‘Boa noite, Spence’. O coração dele parou. Ele entendeu“.

Bogart entra num coma e morre um dia depois, a 14 de janeiro de 1957. No seu funeral apareceram as maiores estrelas de Hollywood, como Errol Flynn, Gary Cooper e Ronald Reagan. Mesmo assim, é John Huston quem faz o elogio.

Ele nunca se levou demasiado a sério. O seu trabalho levava muito a sério. Ele levava a figura de Bogart, a estrela, com um cinismo bem humorado, Bogart, o ator, por esse ele tinha respeito… Em ambas as fontes de Versalhes existe um peixe predador para manter as carpas ativas, se não, engordariam e morriam. Bogart tinha gosto em fazer um trabalho semelhante nas fontes de Hollywood. (…) Ele é insubstituível. Nunca teremos um como ele“.

Legado de ‘Bogie’

Logo após a sua morte, começa um culto a Bogart, nos teatros de Massachusetts, Greenwich Village, em Nova Iorque, e em França. Assim, a sua popularidade fez-se sentir ao longo da década de 1960.

Em 1997, no fecho do século, a Entertainment Weekly classificou Bogart como a maior lenda de sempre do cinema, assim como o American Film Institue.

Com O Acossado, em 1960, Jean-Luc Godard presta homenagem a Bogart, com a personagem Michel, que encapsula a persona do ator no grande ecrã. Mais tarde, em 1972, Woody Allen escreve O Grande Conquistador, também em homenagem ao ator. No filme, a personagem de Allen, um crítico de cinema, desasjutado com mulheres, é ajudada pelo fantasma de Bogart.

Dia 24 de junho de 2006, a 103.ª Rua entre Broadway e a West End Avenue, em Nova Iorque, foi renomeada para O Sítio de Humphrey Bogart. Lauren Bacall e o filho do casal, Stephen Bogart, estiveram presentes na inauguração. Bacall comentou que “o Bogie não ia acreditar nisto“.

O par Bogart-Bacall está imortalizado com Síndrome de Bogart-Bacall. O SBB é uma perturbação na voz provocada pelo uso excessivo das cordas vocais.

No entanto, o espírito de Bogart vive essencialmente pelos mitos. Bogart é recordado por ser um dos primeiros “as miúdas querem estar com ele/ eles querem ser como ele”, um mauzão do grande ecrã que vive a tabaco, álcool e mulheres. Contudo, era um homem das letras, um liberal democrata, um inconformista. Assim, Bacall recorda o marido, em entrevista a Charlie Rose, como um homem bem humorado, que era o centro das atenções nas festas — não pelo mito, mas pela pessoa.

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.