Filipe Karlsson disponibilizou, nas plataformas digitais, o seu novo EP, Modéstia À Parte, na passada sexta-feira (4). O Espalha-Factos esteve à conversa com o artista, que revelou um pouco mais sobre este novo trabalho, sobre o projeto a solo que iniciou este ano e também sobre o processo criativo na produção das músicas.
Modéstia À Parte é o segundo EP de Filipe Karlsson, que faz parte da banda The Zanibar Aliens. Em maio deste ano, começou um projeto a solo com o nome Teorias Do Bem Estar e sete meses depois presenteia-nos agora com este novo trabalho, que conta com cinco novos temas — Razão, A paragem, Quero Ver, O Início e Novos Tempos.

Márcia: Filipe, como tens vivido estes últimos tempos?
Filipe: Tenho vivido com aquilo que nos permitem fazer, respeitando sempre as regras e trabalhando em música, em vídeos, em tudo o que posso fazer sem ser dar concertos, obviamente.
Lançaste Teorias Do Bem Estar em maio e agora, passados apenas uns meses, lanças um novo EP, Modéstia À Parte. Este período tem-te proporcionado mais momentos de criação?
Sim, claro! Falo por mim, estando muito mais tempo sozinho, fechado e isolado, tenho de inventar alguma coisa para fazer, tocar guitarra, tocar piano, começar a inventar novas músicas e novos acordes. Isto faz com que fique mais produtivo. Antes da pandemia, também passava tempo no estúdio, no entanto, agora quase sinto a obrigação de estar em casa e no estúdio a trabalhar, para quando isto tudo passar ter mais coisas para mostrar ao vivo.
Tens formação musical?
Mais ou menos. Eu tive aulas de piano dos 8 aos 12 anos, e aos 13 tive aulas de guitarra durante três meses, mas depois não quis aprofundar os meus conhecimentos. Mais tarde, comecei a aprender tudo online, sou desta geração em que está tudo no Youtube.
Compões, tocas e produzes. Como é o teu processo criativo?
Depende… Os meus EPs, Teorias Do Bem Estar e Modéstia À Parte, surgem de formas muito diferentes. Enquanto no primeiro nunca tinha experimentado fazer nada em português, nem estava a pensar nisso, neste último, o processo criativo foi muito mais pensado. Mas isto tudo para dizer como faço as músicas. Então, eu chego ao estúdio com uma ideia de determinados acordes, ponho-os no computador com uma drum machine ou uma coisa que não seja assim tão difícil de gravar, e começo a trabalhar na estrutura de uma música. Quando a maquete da música está mais ou menos concluída, passo para instrumentos reais — bateria, guitarra, percussões — fica tudo analógico e por último, ponho as vozes, basicamente é assim.
Foi difícil passar a compor em português?
Não, eu acho que foi um bocado igual ao inglês, foi naquela de ‘let’s try’. Na minha opinião, a perfeição é inimiga do bom, as pessoas têm muito aquela ideia de querer cair na perfeição, mas em português é difícil fazer com que as coisas soem tão bem como soam no inglês. Para mim, a transição foi fácil, foi algo super intuitivo, talvez se deva ao facto de consumir tanto música inglesa como portuguesa.
Qual parte gostas mais? Compor, tocar ou produzir?
Tenho duas partes que gosto muito! Quando começo a fazer a maquete da música e imagino logo letras para ali, é uma parte que muitos artistas têm dificuldade, o chamado bloqueio do artista. Há muita gente que o tem e eu também tenho, naturalmente, mas é algo que temos de saber ultrapassar. No entanto, quando isso não acontece, ou seja, quando começo a trabalhar numa maquete e fico com um sorriso de orelha a orelha, a ouvir a música e a gostar daquele andamento e dos acordes, começo a cantar umas letras e percebo que o caminho é por ali, esta é das minhas fases preferidas na produção. A outra parte que gosto muito é claro no final, quando fico muito satisfeito e feliz com o resultado. Às vezes isto não acontece e achamos sempre que falta mais qualquer coisa, mas, a esse nível, estes dois EPs têm sido fenomenais.
Fazes parte da banda The Zanibar Aliens. Como é que surgiu esta ideia de começares um projeto a solo?
Isto das maquetes que contei já vem de há muitos anos. Tenho 23 anos, portanto desde os 13 que brinco no computador e vou gravando coisas aqui e ali. Também já compus muitas músicas para os Zanibar, mas nunca tinha cantado nelas, quem canta é o meu irmão Carl, vocalista da banda. Um dia ele desafiou-me a experimentar cantar, então escrevi uma música, mostrei ao resto da malta da banda e eles disseram ‘isto está muito fixe, bora lá meter isto nos Zanibar’. Desde aí, comecei a imaginar muita coisa! Então, um dia, cheguei ao estúdio, comecei a trabalhar nuns acordes e de repente lembrei-me de experimentar fazer aquela letra em português. Gostei do resultado, acabei a música, e depois o EP veio logo atrás (risos).
Sentes que neste projeto tens uma liberdade diferente da que tens nos Zanibar?
Sim, várias pessoas curiosas já me perguntaram isso, e eu posso dizer que é diferente. Sinto que tenho muito mais liberdade [a solo] porque faço tudo, no fundo, gravo as guitarras, as baterias, os baixos, os teclados, as vozes, ou seja, faço tudo o que é relacionado com a música. Enquanto nos Zanibar, nós funcionamos muito num espírito de companheirismo, acreditamos nos dotes musicais uns dos outros e na capacidade de produtores musicais individuais para tentarmos fazer algo que se calhar, um de nós sozinho não faria tão bem, mas em banda demora mais tempo a fazer algo mais coeso. É como trabalhar em grupo ou sozinho, tem vantagens e desvantagens.
Quando vemos os videoclips das tuas músicas, o teu visual salta logo à vista, é propositado? É uma personagem por ti criada ou é mesmo o Filipe Karlsson?
(Risos) Aquilo é mesmo o Filipe Karlsson, eu sou uma pessoa super brincalhona a esse nível e gosto de me expor assim. Também acho que todos passamos por fases em que nos vestimos de determinadas maneiras, e esta fase no primeiro EP foi engraçada, sem dúvida, no entanto, o estilo, a roupa e o cabelo estão sempre a mudar. Os videoclips, como é óbvio, é propositado apesar de, no fundo, aquilo ser eu.
Quais são as tuas influências?
Para o visual inspirei-me nos Hall and Oates, vi o corte de cabelo deles na capa de um álbum e fiquei maluco! Pensei logo em adotar este penteado e visual no meu projeto e também acabei por adotar para a minha vida pessoal. Em termos musicais, vou ser honesto, não sinto que seja influenciado por nenhuma banda portuguesa, as minhas influências são mais internacionais. Há muita gente que me associa a algumas bandas portuguesas, fazem bem, e acho que isso acontece porque vamos beber às mesmas fontes.
Quais são essas fontes?
Música dos anos 70 e 80, aquelas bandas que pertencem à chamada ‘golden age music’.
Qual é a principal diferença entre os dois EP’s?
Eu acho que no primeiro ninguém tinha nenhuma expectativa em relação ao meu projeto, ninguém o conhecia. Eu lancei o projeto e logo a seguir lancei o EP, ou seja, ninguém sabia quem era Filipe Karlsson, por isso acabou por ser algo mais ingénuo. Este segundo foi mais pensado, porque já tinha lançado uma coisa boa e não queria parar de surpreender os meus ouvintes, queria fazer algo que superasse o outro. Isto tudo para dizer que, ao nível de produção, trabalhei mais neste novo EP, essa talvez seja a principal diferença.
Porquê o nome ‘Modéstia À Parte’?
Não sei muito bem explicar ao certo o porquê de ‘Modéstia À Parte’, foi algo pensado à última da hora, senti que este trabalho precisava de um nome mais bold.
Estive a ouvir o teu EP e pareceu-me que este fala muito sobre a importância de sermos nós próprios, sobre vivermos sem medo, sobre sabermos quem somos e estarmos bem com isso. Achas que isto pode ser a “chave” para uma vida, não diria feliz, mas uma vida mais agradável?
Sim, eu acho que sim! Eu tento abordar problemas e coisas sobre as quais já tive de refletir muito, adoro passar essa mensagem para as outras pessoas. Hoje em dia, as pessoas vivem muito preocupadas em agradar aos outros. Com as redes sociais tornamos-nos todos super ‘judgy’, vivemos numa sociedade altamente egoísta. O meu primeiro EP, ‘Teorias Do Bem Estar’, o nome fala por si, era sobre problemas e maneiras fáceis de os resolver e este EP também fala muito sobre isso.
A música ‘Novos tempos’ é uma crítica a quem não se adapta aos novos tempos?
Não sei, acho que é mais uma música sobre os valores que se estão a perder, aqueles valores que nos são ensinados quando somos pequeninos — não cobiçar aquilo que não temos, não invejar um amigo — esse tipo de valores. Eu, neste refrão, até digo ‘Tempos modernos/ Trocas tintas por um tostão’, e acho que é isso que acontece muitas vezes, as pessoas estão sempre a trocar de opinião, no fundo, não têm valores.
Achas que a pandemia veio reforçar o papel da cultura na vida das pessoas?
Eu espero que sim, mas a pandemia também veio trazer muita porcaria para o mundo da música. Nós tivemos de nos juntar e protestar, porque o setor da música foi o mais afetado, parámos completamente. Há técnicos de som, roadys, etc., que estão a passar muito mal. Estas pessoas vivem mês a mês com o dinheiro que ganham. O estado já deu uns apoios, mas não dá para nada. Conheço muitas pessoas assim, por exemplo, um amigo meu, técnico de som, teve de vender muito material para conseguir pôr comida na mesa. Eu acho que a Covid-19 veio dar uma importância aos artistas, contudo houve muito sacrifício por trás!
O que achas das restrições impostas à cultura pelo estado?
Eu acho que a cultura é segura, agora até há aquele movimento [‘A cultura é Segura’]. Vistas bem as coisas, até há pouco tempo atrás os supermercados estavam cheios, no entanto, numa sala de espetáculos, que leva 1000 pessoas, está tudo a entrar com segurança à porta, está tudo a 2 metros, ninguém se toca, não acontece nada. Vêem o espetáculo, acaba e saem um a um, não pode ser. Isto faz-me ficar um pouco revoltado, deixem os artistas trabalhar! Claro que não queremos pôr as pessoas todas numa sala a apanhar Covid, mas fazendo as coisas de maneira segura é possível!
Tu vives exclusivamente da música?
Sim, tenho a sorte dos meus pais me apoiarem, desde os 13 anos, a ser músico.
Sentes falta do palco e do público?
Sinto, claro que sim. O primeiro concerto vai ser dia 18 de dezembro, no SBSR.fm em sintonia.
Tens boas expectativas para o próximo ano?
Se a Covid deixar, tenho (risos). Não podemos esquecer que todas as pessoas que perderam o trabalho vão ainda passar mal no próximo ano, mas acho que as coisas se vão compor em todas as áreas. Para mim, vai ser um excelente ano!