Inês Lopes Gonçalves e Salvador Sobral ocuparam o início da tarde do segundo dia da Web Summit, no canal 5, dedicado a Portugal. Depois de Marta Temido conversar sobre o combate à pandemia, os artistas falam-nos sobre como foi mudar todas as atuações ao vivo para uma divisão da sua casa, e sobre a incerteza de onde as atuações de 2021 serão feitas.
Tudo começa com Inês Lopes Gonçalves a admitir os problemas técnicos que tiveram antes de nos aparecerem magicamente no ecrã, bem como o quão estranho é estar ali a falar com Salvador, em inglês (não que isso seja um problema para algum dos dois, que no final disseram que deveriam falar sempre assim um com o outro).
“Não és uma pessoa muito tecnológica, certo?“, a apresentadora da RTP atirou, e o músico respondeu com toda a honestidade: “Não de todo, sou bastante analógico”. “Sou muito cético em relação à tecnologia, muito receoso também.”, confessou. “Às vezes temos receio de coisas que não percebemos, e eu não percebo nada disto”, brincou Salvador.
É então relevante entender como é que Salvador Sobral tocou música, produziu música, viveu música durante os últimos meses, em que todos ficámos em casa.
“Eu estava a compôr um álbum durante a quarentena, com um amigo que estava em Barcelona”, começou por explicar, “por isso fazíamos imensas chamadas no Skype. Ele comprou um…” Rapidamente interrompeu e assim lhe escaparam algumas palavras em português: “Não sei bem dizer o que é em inglês, um microfone. Eu tive de aprender a usar o Garage Band, o [programa] mais básico de todos, para que fosse possível gravar.”
Findo o relato técnico que poucos de nós soubemos acompanhar, o tom fica mais emocional. A pandemia obrigou os músicos a atuar para um ecrã, e Salvador Sobral demorou o seu tempo a adaptar-se à ausência do público. “Para mim a música é partilhar. Se não a partilharmos com alguém, a nosso lado, é estranho…”, proferiu. “Mesmo que haja muita gente que faz música sozinho no seu quarto“, momento que deu azo a que falassem, por exemplo, do concerto monótono, mas cheio de alma, que Nick Cave deu em julho.
“Achas que o streaming vai ser a solução para a música ao vivo?” foi a pergunta que se seguiu. Reticente, Salvador confessou que os concertos que fez em streaming o fizeram sentir como um “toxicodependente”. “Parecia um toxicodependente, que estava à espera para poder tocar [novamente] ao vivo, e que a streaming me dava alguma adrenalina.”
Sobral comparou também o streaming a “cerveja sem álcool“. “O streaming é um pouco depressivo. Acabas uma música e não há aplausos.”
Inevitavelmente, a conversa voltou-se para o facto do músico ter sido o vencedor da edição de 2017 da Eurovisão, com o tema ‘Amar pelos Dois’. Para os menos informados sobre a carreira de Sobral, Inês Lopes Gonçalves pede um pequeno resumo do que o músico fez nos últimos três anos. O cantor diz que tem tido várias obsessões musicais que quer interpretar, a mais recente sendo música mariachi. Apesar disso, a sua prioridade agora será o seu próximo álbum.
O músico diz que está muitas vezes do lado da interpretação, musicalmente, e que desta vez tentará compor todo o álbum, que prevê lançar no próximo ano. “Se não resultar, se as minhas músicas foram uma merda, volto a interpretar só.”
As perguntas do público
Alguns minutos depois do final da conversa com Inês Lopes Gonçalves, Salvador Sobral juntou-se a Darragh McCauley para responder a perguntas da audiência da Web Summit.
Depois dos problemas técnicos nos concertos por streaming, surgem os concertos com lugares marcados e distanciamento social. “A probabilidade de ser infetado num concerto é muito baixa. Se esta é a maneira de podermos dar concertos, vamos a isso!“, são as suas palavras.
Que logo se tornam num desabafo: “É estranho o primeiro. É um fenómeno emocional. As pessoas, como estão afastadas, têm medo de se expressar. Sentem-se sozinhas. Têm medo de reagir à música, de cantar. A máscara não facilita.”
No meio de perguntas sobre como o músico lidou e o que pensa sobre a adaptação da música à pandemia, surge a pergunta: com que artistas é que Salvador Sobral gostaria de colaborar no futuro? “Espero que ela queira dizer ao vivo.“, brinca. A resposta inclui, de imediato, Natalia Lafourcade, uma artista mexicana. E, sem muita demora, Stevie Wonder também, que Sobral diz ser o último artista vivo com quem ele adoraria colaborar, depois de já ter atuado ao vivo com nomes como Caetano Veloso, por exemplo.
McCauley lê outra questão do público: o que é que a indústria musical digital pode fazer para apoiar os artistas? Esta é fácil, e começa logo pelo Spotify. “Podiam pagar mais aos artistas. Nós pagamos mais pela subscrição do que recebemos pela música.“, diz. “Mas eu uso o Spotify e ouço música no Spotify, por isso aqui têm hipocrisia.”
Para aqueles que se queiram aventurar na indústria musical, o músico deixa o conselho: “É um pouco ingrato“, diz em referência às gravadoras, que hoje só fazem comunicação pelo artista. “Eu gosto de trabalhar com pessoas na indústria que percebem e gostam de música“, acrescenta, deixando a dica de que hoje se encontra muita gente cujas prioridades são outras (fama ou negócio, talvez).
Enquanto repara que a maioria das perguntas são feitas por portugueses, embora no público apareçam pessoas de todo o mundo a vê-lo, termina-se por questionar a Salvador Sobral o que aconteceu desde a sua controversa declaração após vencer a Eurovisão, em 2017: “A música não é fogo de artifício. A música é sentimento“. Depois de muitos terem criticado a postura do vencedor no seu discurso final, é o próprio que aqui assume uma realidade distinta: “Seria presunçoso de mim pensar que eu poderia mudar algo.”