Tido como “o melhor e mais conhecido conto da história da literatura de ficção”, A Metamorfose (Die Verwandlung) continua relevante mesmo após mais de 100 anos da sua publicação. A estória da estranha e perturbadora transformação de Gregor Samsa continua a fascinar leitores e estudiosos que continuamente lhe dão uma nova leitura, com uma infinidade de interpretações possíveis.
A Metamorfose foi escrito por Franz Kafka. Kafka nasceu em Praga, capital da República Checa, em 1883, e morreu em 1924, aos 40 anos, vítima de tuberculose. Só alcançou reconhecimento e fama postumamente. Antes de falecer, pediu a Max Brod, amigo, que queimasse todas os contos, textos e cartas que produziu ao longo dos anos. Brod, que sempre o considerou um “génio”, obviamente não o fez, ou a literatura nunca teria conhecido um dos grandes autores do século XX.
Kafka escreveu outros contos como O Processo (1925), O Castelo (1926) e América (1927). Influenciado pela escrita realista e impessoal de Gustave Flaubert, Kafka viria a ser uma influência para autores como Gabriel García Marquez (Cem Anos de Solidão) e Albert Camus (A Peste).
A Metamorfose foi adaptado ao cinema em 2012 por Chris Swanton. A obra continua a ser estudada, tanto pela literatura como pela filosofia, entre outras áreas do conhecimento. Tradutores ainda têm dificuldades em interpretar os termos vagos que Kafka usou, em alemão, para designar o ser no qual o protagonista se transformou.
Em Praga, localiza-se o Museu Franz Kafka, que pretende mostrar ao público o mundo onde o escritor viveu e que o inspirou. Foi criado o Prémio Franz Kafka, em 2001, que apoia escritores contemporâneos anualmente e resulta de uma parceria entre a Franz Kafka Society e a capital checa. A distinção da edição de 2020 foi atribuída a Milan Kundera, autor de A Insustentável Leveza do Ser.
Um conto moderno, 105 anos depois
A Metamorfose passa-se numa sociedade hiper-burocratizada, em que a individualidade do ser humano se perde no meio das obrigações laborais e sociais que lhe são exigidas. Kafka conheceu bem esta realidade: não tendo atingido o sucesso que hoje tem, o escritor passou os seus dias num trabalho administrativo, depois da formação em Direito, que não o satisfazia.
Os temas abordados ao longo de A Metamorfose são sintomas do estilo de escrita kafkiano: temas como “alienação, culpa, o sistema judiciário, desumanização”, que põem a cru a complexidade das sociedades contemporâneas, onde o indivíduo se perde no meio da multidão.
A obra de Kafka, por mais triste e surreal que seja, é profundamente realista. Gregor, tal como o indivíduo comum, vivia para trabalhar e esperava sempre por um futuro que, finalmente, o faria sentir verdadeiramente realizado. Projetar os nossos sonhos e objetivos pessoais para um futuro, sempre longínquo e incerto, tem tanto de real como de trágico. A leitura de A Metamorfose faz-nos refletir sobre o sentido da nossa existência, dos nossos objetivos e o que estamos de facto a fazer para os cumprir.
Kafka e a Busca Inútil por Sentido
O conto coloca o leitor no centro da problemática, logo na primeira frase: depois de sofrer de sonhos inquietos, Gregor Samsa acorda numa manhã, transformado num gigantesco inseto. Gregor é caixeiro-viajante, emprego que detesta, mas que mantém para sustentar a família para a qual é a única fonte de rendimento. Quando Gregor se vê transformado, a sua única preocupação é chegar a tempo ao trabalho, portanto, é visível o sentimento profundo de responsabilidade familiar.
Como é que isto aconteceu? Kafka não pretende dar quaisquer explicações racionalmente explícitas. Contudo, podemos interpretar esta mudança como a transformação de um homem que já se sentia menos humano a cada dia que a sua energia e objetivos próprios eram sugados pelos familiares que, uma vez “inútil”, o eliminam totalmente das suas vidas.
Esta metamorfose não se cinge ao personagem principal, fisicamente diferente mas psicologicamente intacto, sendo estensível a toda a família Samsa. A sua transformação acaba por ser a exteriorização da imagem que os outros tinham dele. Ao ceder a essa imagem, Gregor transformou-se.
A Metamorfose é um conto tipicamente kafkiano, com um cenário labiríntico, e torna absurdos comportamentos que considerávamos normais. Kafka, com este conto, pretende incomodar. Quantas vezes é que encontramos verdadeiramente respostas às grandes questões que nos atormentam à noite? Talvez procurar respostas para esse mesmo tipo de perguntas seja inútil e infrutífero. Talvez a moral da estória seja que lidar com a falta de respostas é inevitável.