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EUA: 10 músicas que mostram como se fez política nos últimos cinco anos

Reunimos músicas do hip hop ao punk que falam sobre os problemas mais agudos da política e da sociedade ocidental.

EUA
Fotografia: Reprodução

Em semana de eleições presidenciais nos EUA, o Espalha-Factos reuniu uma lista de músicas que falam sobre como a política e a sociedade evoluíram nos últimos anos.

Desde hip hoppunk, estes artistas cantam maioritariamente sobre Donald Trump, sobre os preconceitos de uma das maiores nações do mundo e sobre o colapso do nosso planeta (para o qual esta contribui largamente).

Hoje, mais do que nunca, as canções que nos falam sobre política crescem – e passam na rádio, e ouvimo-las repetidamente, se calhar sem as identificar na mesma linha que identificamos as populares canções de protesto.

1. Kendrick Lamar – ‘Alright’ (2015)

Inicialmente, a música foi vista como otimista e universal: o rapper mostrava como confiar em Deus lhe deu segurança, acreditando que tudo ficaria bem. Mas rapidamente se tornou um mantra do contrário: nos EUA, o racismo institucional faz com que este “vamos ficar bem” seja uma esperança do futuro (e cinco anos depois continua a ser).

Kendrick Lamar entrega, no seu som habitual, uma mensagem de dor e, simultaneamente, de solidariedade, que foi utilizada em protestos da Black Lives Matter desde então.

No ano de lançamento, o artista também apresentou a canção, numa cerimónia de prémios, cantando no topo de um carro da polícia, aludindo à brutalidade policial de que os negros nos EUA sofrem diariamente. A atuação gerou crítica nos media, incluindo o comentário de Geraldo Rivera, da FOX News, que disse: “Isto é o porquê de eu dizer que o hip hop fez mais danos nos jovens afro-americanos do que o racismo nos anos recentes. Esta é exatamente a mensagem errada.

Os atos insensíveis de homicídios de jovens por aí… Esta é a realidade, este é o meu mundo, isto é aquilo de que falo na minha música.“, confessou em entrevista com a TMZ, onde disse que Rivera estava a alterar a sua mensagem, que não era sobre violência mas sobre esperança. “O hip hop não é o problema, a nossa realidade é o problema. Isto é a nossa música, isto somos nós a expressar-nos.

2. Death Cab for Cutie – ‘Million Dollar Loan‘ (2016)

Esta não precisa de grande descrição, basta ouvir com atenção a letra:

“And he’s proud to say
He built his fortune the old fashioned way
Because to succeed
There’s only one thing you really need
A million dollar loan

A canção da banda de Washington foi lançada enquanto o atual Presidente dos EUA estava em campanha pelo cargo, que disputava com Hillary Clinton. A música referencia o momento em que Donald Trump se proclamou como um self-made man, que se tornou num empresário e numa reality star “apenas” com um empréstimo de um milhão de dólares do seu pai.

A música fez parte de um projeto de artistas norte-americanos, numa campanha chamada “30 Days, 30 Songs“, cujo objetivo era, desde 10 de outubro de 2016, incentivar os americanos a escolher a candidata que se opunha a Donald Trump.

Na descrição, surgia: “Esperamos que estas músicas vos dêem motivação e banda sonora para fazerem a coisa certa, nestas últimas semanas anteriores a estas Eleições fundamentais. Considerem isto a música através da qual se vão registar para votar e submeter o voto pela Hillary Clinton, a única candidata que pode evitar o apocalipse que seria ter Donald Trump como Presidente.

O certo é que o projeto não envelheceu bem.

3. Weyes Blood – ‘Generation Why‘ (2016)

Esta belíssima canção é direcionada aos millennials, sendo o próprio título um trocadilho com a letra pela qual são conhecidos – Y.

No entanto, quando Natalie Mering nos fala de um navio a afundar-se, aludindo ao mundo que a rodeia, a mensagem pode ser claramente interpretada de uma maneira: a música foi lançada numa altura em que se vivia uma gigante incerteza, com Eleições controversas e guerras religiosas no resto do mundo.

Os millennials têm a sua própria forma de lidar com isto: estar a olhar para o telemóvel todo o dia, onde toda esta informação corre, mas também onde se podem distrair do facto de que estão a afundar.

“It’s not the past that scares me
Now what a great future this is gonna be”

Esta preocupação com o futuro nunca foi tão evidente nas gerações anteriores, talvez porque o elemento de estabilidade está cada vez mais esfumado por preocupações climáticas e sociopolíticas.

4. Joey Bada$$ – ‘Land of the Free‘ (2017)

rapper de Brooklyn não poupa críticas àqueles que estiveram no poder dos EUA nos últimos anos, numa canção em que explora a história das pessoas de cor na sua nação. Aqui conta o racismo institucional, o encarceramento em massa de vários americanos por uma Crime Bill complexa e Leis estaduais que permitem que as pessoas continuem a ser discriminadas pela sua etnia.

A meio da faixa, ouvimos uma referência aos últimos dois Presidentes dos EUA, Barack Obama e Donald Trump, mas não há uma comparação específica entre os dois. Apesar de ter circulado nas redes sociais que esta é uma canção anti-Trump, ou até que Joey não está grato por Obama ter sido Presidente, o próprio músico esclarece que isso é mentira:

Não é uma canção anti-Trump, é só uma canção. Uma canção real. O que eu quero dizer com o Obama estar fora da Presidência – acho que posso finalmente falar sobre isto – é que, pessoalmente, acredito que colocar o Presidente Obama no poder, para as pessoas negras, foi obviamente uma coisa boa, mas o que nos fez, o que fez ao nosso ser político, colocou-nos a dormir“, diz.

“Foi como se tipo ‘Olhem, vocês têm um Presidente negro agora. Já não têm de se preocupar com mais nada.‘ Mas ainda há racismo na América, ainda há preconceito institucional, ainda há estereótipos em todo o país. O que quis dizer com esses versos é que eu não vou ser enganado. Só porque me deram um Presidente negro, isso não significa que todos os problemas estejam resolvidos. Não significa que a nossa história foi apagada.”

5. The National – ‘Turtleneck’ (2017)

Os The National sempre foram bastante vocais sobre as políticas que apoiam, embora a política não esteja, de todo, dentro os temas mais habituais na sua música. Desde 2008 que, em público, fizeram campanha pelos candidatos do Partido Democrata: antes, Barack Obama, e então, Hillary Clinton, em 2016.

O sétimo álbum de estúdio do grupo, Sleep Well Beast, é um retrato de angústia cujo registo já conhecemos das letras de Berninger. Mas, através de conversas que o vocalista foi tendo com os media, descobriu-se o quão influenciado está este álbum pelo estado da política nos EUA, datando ao momento em que Trump foi candidato e venceu as eleições.

De todas as canções do álbum, ‘Turtleneck‘ é a que mais o evidencia.

“The poor, they leave their cellphones in the bathrooms of the rich
And when they try to turn them off everything they switch to
Is just another man, in shitty suits, everybody’s cheering for
This must be the genius we’ve been waiting years for, oh no

Os pobres deixam o telemóvel na casa-de-banho dos ricos, porque estão obcecados com ouvir as barbaridades que algumas celebridades cospem (Trump não é o visado mas não deixa de ser exemplo, não fosse a sua conta no Twitter tão ativa). E quando tentam desligar o telemóvel encontram outro homem, em fatos horríveis (não fossem as gravatas de Trump tão famosas), por que todos estão entusiasmados – para Berninger, só pode ser o génio por que esperámos tantos anos (não fosse Trump autointitular-se de tal).

6. MILCK – ‘Quiet‘ (2017)

O movimento Me Too foi também um grande tema da sociedade norte-americana em 2017, dirigindo-se às vítimas de assédio sexual nas mais diversas situações mas, especialmente, no mundo profissional, e tendo como vítimas, principalmente, mulheres. No Twitter, Alyssa Milano, seguida por Gwyneth Paltrow, Uma Thurman, Jennifer Lawrence, entre outras, popularizou a utilização da hashtag #MeToo para denunciar casos de abuso sexual.

Nos dias que se seguiram, vários foram os nossos conhecidos do mundo de Hollywood a ter o seu nome exposto por práticas malévolas no passado, como é o caso de Harvey Weinstein, que até hoje continua a ser julgado por acusações de abuso a Angelina Jolie, Gwyneth Paltrow, Rosanna Arquette, Emma de Caunes, Cara Develingne, Ashley Judd, Heather Graham, e muitas outras.

Mas isto não acontece só no mundo dos famosos – e é importante que as mulheres, as principais vítimas deste tipo de assédio, não fiquem caladas.

A artista MILCK ficou conhecida após a popularização da hashtag #ICANTKEEPQUIET, em conjunto com a #MeToo, hashtag que alude a uma canção que ela própria lançou. Em janeiro de 2017, várias mulheres juntaram-se para praticar, em conjunto, a canção de MILCK, que então cantaram na Women’s March que se realizou nesse mesmo mês, advogando pelos direitos das mulheres, dos imigrantes, dos membros da comunidade LGBT e por reformas judiciais.

Nos últimos cinco anos, os direitos das mulheres sofreram graves golpes, especialmente no último. Por exemplo, em 2019, Estados norte-americanos como o Alabama aprovaram Leis que ditam que a interrupção voluntária da gravidez (aborto) é praticamente impossível.

Mais uma vez, homens ditaram o que as mulheres fazem com o seu corpo; em 2020, não é apenas uma realidade estadunidense. Diariamente, outros ataques ferem a dignidade das mulheres em todo o mundo.

7. Father John Misty – ‘Pure Comedy’ (2017)

A personagem que Josh Tillman criou vai longe, e desde a sua criação em 2012 que se tem vindo a politizar. 2017 foi o grande marco do comentário político (que ele mesmo critica) para Father John Misty, com o lançamento do álbum Pure Comedy, comédia esta que é pura, mas puramente agonizante.

Antes de tudo o resto, é favor ver o vídeo, que conta com os desenhos do cartoonista Ed Steed e com uma montagem agridoce daquilo que nós, humanos, somos.

Não é só em ‘Pure Comedy’ que este Padre se atreve a tocar na política americana, de forma sublime, nem é tema único: se formos honestos, o verdadeiro tema é a hipocrisia em que nos mergulhamos através das nossas crenças, sejam políticas ou religiosas. Ainda assim, destaque-se:

Where did they find these goons they elected to rule them?
What makes these clowns they idolize so remarkable?
These mammals are hell-bent on fashioning new gods
So they can go on being godless animals”

O bónus aqui vai para outra canção do álbum homónimo ao single acima apresentado: desta vez, uma canção pós-apocalíptica, cuja letra dita como o Homem vive depois de destruírmos o mundo com um desastre climático. O tema do ambiente é perigosamente ignorado por alguns políticos a nível mundial, embora a preocupação sejam os grandes Estados, como é o caso dos EUA e a China.

A conclusão é simples: recomenda-se a audição do álbum na íntrega, porque sozinho seria capaz de fazer o resumo da Humanidade nesta última década.

8. Anderson .Paak – ‘6 Summers‘ (2018)

Anderson .Paak não tem medo nenhum – numa só canção, explorou quase todos os momentos azedos de Donald Trump, desde os escândalos sexuais ao crescimento da violência armada nos EUA. 6 verões seria o que faltava de 2018 até 2024, ano em que o artista previa que Trump deixasse o poder, a não ser que os americanos invertam essa situação já nestas eleições.

“‘Cause there’s money to be made in a killin’ spree
That’s why he tryna start a war on the Twitter feed
Somebody take this n****’s phone, is you kiddin’ me?”

Em três versos apenas, Anderson .Paak refere-se aos tiroteios que aconteceram nos EUA, por fanáticos religiosos ou da supremacia branca, nos últimos anos. Efetivamente, a venda de armas nos Estados Unidos é pouco regulada, e é conveniente aos lobbies políticos que assim seja. É também sabido que as vendas aumentam quando acontecem situações destas. lobby político da NRA (National Riffle Association) está bem fortalecido durante o Governo de Trump, visto logo no momento em que a associação gastou 30 milhões de dólares para apoiar a campanha presidencial do nova-iorquino.

Sobre a utilização excessiva do Twitter pelo Presidente, o assunto não é sequer novidade neste artigo – as ameaças que o Presidente dos EUA faz via redes sociais não são tomadas de leve, desde ameaças de guerra nuclear à Coreia do Norte até ameaças de violência policial/militar contra protestantes, neste último verão, quando as pessoas de cor saíram à rua para protestar contra o homicídio de George Floyd.

9. Parquet Courts – ‘NYC Observation‘ (2018)

O vocalista da banda norte-americana disse à NPR que ‘NYC Observation’ é exatamente o que o título diz: “Esta música é sobre viver em Nova Iorque e ter de testemunhar a pobreza diariamente. Mais do que isso, é sobre o género de exercício ético pelo qual os nova-iorquinos passam ao ter de passar por esse testemunho. (…) Nós costumávamos ensaiar num sítio em Brooklyn, que era a estaca zero da epidemia de K2. Corpos sem vida e caras de morto-vivos, provocadas pela adição estavam sempre por ali. Outra causa de não ter acesso a cuidados de saúde e serviços de tratamento de dependência, em conjunto com as severas Leis contra substâncias na cidade de Nova Iorque.”

“A pobreza é um tipo de violência.”

Estima-se que, nos últimos anos, a pobreza nos EUA aumentou drasticamente. Em 2018, haviam 38,1 milhões de pessoas a viver sem quaisquer condições económicas.

E tal como fizémos com o Father John Misty, aproveitamos para encaixar aqui também uma canção que se dirige ao caos climático que o mundo está (prestes) a atravessar.

“In whose throat belongs the swan song
Of crisis, warming, denial, change?”

 

10. Childish Gambino – ‘This Is America‘ (2019)

Esta era a mais óbvia da lista e não lhe podia faltar. O hino político de Childish Gambino ganhou popularidade pelo vídeoclipe trabalhado que infra encontramos (outro que não podemos avançar sem pedir o favor de verem):

Como é certo e sabido, nos EUA nunca deixam de estar numa espécie de Guerra Fria interna, excepto que se trata de uma guerra racial.

This Is America’ é o comentário agridoce do artista multifacetado Donald Glover, que aqui mistura tons felizes e coros com uma realidade fria e angustiante – exatamente retratando como a sociedade encara esta realidade: quando há um homicídio motivado pela cor da pele de alguém, a nação encontra-se chocada e estão todos prontos para lutar contra o poder que o permite, e no dia seguinte a cultura popular faz com que se esqueçam que isso alguma vez aconteceu. E o cenário repete-se.

Desde o início da sua carreira musical que Glover tem comentado a experiência negra – em ‘Hold You Down’, canção lançada em 2013, o rapper fala sobre como difere a educação conforme a cor da pele da criança.

“My fear is dead, ambition drove the hearse
But n****s got me feelin’ I ain’t black enough to go to church
Culture shock at barber shops cause I ain’t hood enough
We all look the same to the cops, ain’t that good enough?
The black experience is black and serious
Cause being black, my experience, is no one hearin’ us
White kids get to wear whatever hat they want
When it comes to black kids one size fits all”