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Chalo Correia no Village Underground (Fotografia: Espalha-Factos)

Chalo Correia: “Estar sem o público é uma coisa muito dolorosa”

Em entrevista ao Espalha Factos, Chalo Correia falou-nos da sua carreira, da cultura e da importância da música na vida das pessoas.

Chalo Correia fez parte do Cardápio Sonoro, o evento musical do Village Underground para os próximos domingos. O Espalha-Factos esteve à conversa com o músico sobre a sua carreira, a sua cultura e a importância da música na vida das pessoas.

Chalo Correia é um cantor e compositor angolano, nascido em Luanda, mas que se mudou para Portugal nos anos 90. Contando com dois álbuns lançados, Kudihohola (2015) e Akuá Musseque (2018), a sua música é uma mistura de vários estilos tradicionais angolanos como semba, rebita e rumba.

Com dois álbuns lançados, como surgiu a sua paixão pela música?

A minha paixão pela música surgiu quando era criança, devia ter quatro ou cinco anos. A minha mãe comprou-me uma pequena viola de plástico e eu fiquei a tocar, a experimentar (risos)… Outra razão é o facto de a minha mãe, apesar de não ser cantora, quando fazia qualquer coisa estava sempre a assobiar. Eu acho que podem ser essas as influências que eu tive. A viola de plástico ficou comigo durante muito tempo e, quando cresci, não havia violas em Angola, era muito difícil, então nós construíamo-las.

Tendo vivido em Angola na década de 1970, como foi crescer lá nessa época?

Nessa altura era muito diferente. Depois da independência em 1975, houve uma guerra civil que durou muitos anos. Na década de 1970 houve algumas escaramuças mas depois nos anos 80 acalmou, [mas] também atingiu outras províncias, como as províncias do sul que estavam a ser atacadas, na altura, pela África do Sul. Em Luanda, a guerra não se sentia muito, só se veio a sentir já nos anos 90 com a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), mas eu já não estava lá.

A harmónica é a sua imagem de marca, onde surgiu essa inspiração?

(Risos) Eu sempre tive curiosidade em tocar concertina, porque há um estilo que também me influencia muito que é a rebita, que é tocada com a concertina, mas eu tinha de escolher entre a concertina e o violão. Contudo, a ideia do som da concertina não me saía da cabeça, então adaptei a harmónica. Assim, consigo dar vazão a muitas ideias, uma parte do cérebro a pensar no violão e outra parte do cérebro a pensar na harmónica. Depois é harmonizar as duas coisas. Não é fácil (risos), mas é uma questão de hábito e de trabalho.

Village Underground Lisboa
Imagem: Facebook Village Underground Lisboa

Quais as suas influências musicais e artísticas?

Para mim, as influências musicais, essencialmente, foram as músicas de Angola dos anos 60 e 70. Até hoje, influenciam-me muito, é praticamente a base daquilo que eu faço. Mas tenho muitas influências de músicas que escuto desde criança – por exemplo, a música cubana, brasileira, cabo verdiana e até mesmo a música do Congo. Nós, em Angola, sempre tivemos uma mente muito aberta mesmo em matéria de músicas. Todas estas músicas me influenciaram de certa forma. Eu tenho várias composições, não só na base do semba, quilapanga, mas também muitas influências de outras músicas, e às vezes as pessoas dizem-me que percebem isso na minha música, o que me deixa muito contente. E isso é bom porque é a minha vivência – a de uma pessoa que já saiu há muitos anos de Angola e conviveu com n culturas. E ainda convivo, então é sempre uma mais valia, uma riqueza.

Nos Anos 90 trocou Angola por Portugal. Acha que incorporou influências da música portuguesa no seu trabalho?

Com certeza, sem dúvida. A cultura é preciso conhecê-la e depois nós vemos que há muitas coisas portuguesas que foram absorvidas na música de Angola, por isso é absolutamente normal.

Como é o seu processo criativo?

É muito diversificado, depende. Por exemplo, nesta fase da pandemia, quando ficámos confinados, fiz muitas criações. Por isso, pode ser através de situações ou pode ser uma coisa que me cai agora na cabeça, gravo logo e fica guardada. Depois, noutro dia, vou lá ver e aí é que vou estudar o que é necessário: letra, acordes – se é preciso aumentar mais alguns acordes ou não. Depende daquilo que eu sentir.

Estudou música? Tem alguma formação musical?

Não, eu não estudei música porque não tive hipótese, em Angola não tínhamos escolas. Fui sempre um autodidata. Mais tarde é que tive uma professora de violão que me ensinava sobre teoria musical, mas a teoria eu já tinha na cabeça, eu só queria que ela me desse matéria sobre os processos de criação de acordes, ou seja, como fazer os acordes, os nomes dos acordes, as cifras, isso aprendi tudo com ela.

Tem sido um dos grandes divulgadores da música angolana em Portugal e no mundo, como se sente nesse papel?

Normalzinho (risos), é uma coisa normal. Eu comecei a cantar, justamente, porque achava que faltava alguma coisa. Ouvia a música de Angola, como Bonga, que escuto até hoje. Mas aquelas músicas que eu ouvia quando era criança já só os mais velhos é que faziam – alguns ainda fazem, mas a maior parte já morreu. Há dias, quando uma moça angolana me disse “Chalo, tu és nosso!’”(risos), fiquei contente porque ela diz isso no sentido de cultura. Por isso, é sinal que vai passando algumas coisas para as pessoas. Mesmo aqui em Lisboa tenho muitos seguidores, pessoas que nunca foram a África e dizem que se sentem muito bem com a minha música.

Como é a receção da sua música junto do público português, comparativamente ao angolano?

Como eu disse, acho que a minha música tem muitas influências, inclusive de Portugal. As minhas músicas foram feitas cá em Portugal, independentemente de eu ser angolano. Sou um pessoa muito aberta e dou-me com todo o tipo de pessoas, tenho muitos amigos e parecendo que não, consciente ou inconscientemente, vamos bebendo essas coisas, não são percetíveis. E claro, como músico, em alguma matéria isso vai sair. A diferença deve ser mais no ponto de vista cultural.

E para si é igual atuar em Portugal ou em Angola? O sentimento é o mesmo?

Eu nunca fiz um espetáculo em Angola. Fiz apenas, em 2013, o lançamento de um livro na União de Escritores Angolanos em Luanda, uma coisa pequena, só voz e violão. Mas foi fixe porque já não ia há minha terra há 23 anos, então foi muito emocionante.

Então significa que a maioria do seu público está em Portugal?

Sim, tenho muitos seguidores aqui, na Holanda e na Bélgica.

Como se sente ao voltar a pisar os palcos depois do confinamento?

É uma satisfação muito grande! Tenho estado a tocar todos os sábados num restaurante, Casa Mocambo, em Lisboa, e na primeira noite, após o confinamento, foram lá umas pessoas que já seguiam o meu trabalho, algumas emocionaram-se e isso também me emocionou bastante. Esta situação toda no mundo fez-nos repensar a vida e estar sem tocar, estar sem o público, é uma coisa muito dolorosa, porque um concerto é uma troca, não é só dar, é também receber.

É muito diferente um concerto agora de um concerto antes da pandemia?

Não! Muito sinceramente, quando estou em cima do palco não sinto diferenças. Ter 30 ou 40 pessoas ou ter três pessoas num concerto, para mim, é igual, eu estou ali e estou a voar. Uma vez, fui tocar num sítio e a divulgação não foi bem feita, quando cheguei para o concerto havia duas pessoas a assistir e eu não estou nem aí, quero é tocar, estou no meu mundo.

Dia 10 de outubro foi o Dia Mundial da Saúde Mental, e cada vez mais se torna importante falar destes temas. Acha que a música pode fazer diferença na vida de uma pessoa?

Muita, muita. Estou a pensar, em breve, fazer um curso online de musicoterapia. Quando não estou a cem por cento, pego no violão e fico várias horas a tocar e, depois disso, eu sinto um grande alívio. A música é uma coisa muito forte e tem sempre efeito em nós, é um mundo, não se faz nada sem música. Quando se vê vídeos de pessoas em África, mesmo em situações muito difíceis, elas estão sempre contentes e a dançar, a música é uma superação. Eu acho que aqui na Europa há uma tendência depressiva das pessoas, que é uma coisa medonha.

Como tem visto a falta de apoios à cultura em Portugal durante este período de pandemia?

Terrível, terrível. Muitos dos concertos que eu tinha em Macau, Roma, Paris e alguns em Portugal, como o Boom Festival, foram cancelados. Não tive direito a nenhum apoio a não ser um cartão-compras com 200 euros dado pela GDA (Gestão dos Direitos dos Artistas), mas já acabou, foi de março a julho. Muitos artistas, e também técnicos, estão numa situação muito complicada.

Já tem muitos concertos marcados?

Não, ainda não. Neste momento tenho estado a tocar, todos os sábados, no restaurante Casa Mocambo e na próxima semana vou tocar em Tondela, depois logo se vê.

Quais os seus planos para o futuro? Vem aí um novo álbum?

O álbum já está feito. Falta mandar para a fábrica para fazer os CD e o vinis, mas preciso de financiamento. O meu segundo álbum foi produzido de forma independente, com o meu financiamento, estou a tentar fazer o mesmo neste, mas por enquanto é melhor esquecer, nos próximos seis meses não devo conseguir esse financiamento.