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NEEV
Fotografia: Divulgação // Rita Carmo

Entrevista. NEEV: “A minha música vive do meu viver”

Philosotry, o disco de estreia de NEEV, nome pelo qual se apresenta o cantor e multi-instrumentalista Bernardo Neves, chega esta sexta-feira (25) às lojas portuguesas. O disco havia sido lançado no passado dia 24 de julho, nas plataformas digitais. Em entrevista ao Espalha-Factos, o artista lisboeta revela como foi trabalhar com Larry Klein e como decorreu o “caminho muito conturbado” que deu origem a este trabalho.Descrevendo este seu primeiro disco como “muito eclético”Philosotry é um disco que apresenta múltiplas influências, como Ray LaMontagne ou Bon Iver, e sonoridades na sua composição, revelando a grande versatilidade do artista como compositor e intérprete. É um trabalho que procura buscar a “essência” dos sentimentos, personificados na música através das diferentes sonoridades. O disco foi produzido pelo reputado Larry Klein (Joni Mitchell, Herbie Hancock, Melody Gardot e Tracy Chapman), tendo sido gravado entre a Califórnia, Londres e Lisboa.

NEEV
Fotografia: Divulgação
EF: Como surgiu a música na tua vida?

NEEV: A música surgiu na minha vida da mesma forma como surge na de muita gente. De uma forma altamente natural, quando era ainda um miúdo. Apareceu em casa, com os meus pais, a ouvir música, a tocar e começou a surgir o bichinho de criar canções. Depois o caminho que tomamos dentro dela é que varia de pessoa para pessoa e, no meu caso, foi ganhando uma importância e um lugar muito especial dentro de mim, que fez com que eu me quisesse dedicar a ela e dedicar-me quase a tentar dar-lhe tanto a ela, como sinto que ela me deu a mim. A mim, sempre me apaixonou muito a mensagem que as músicas tinham. Foi uma coisa que à medida que fui crescendo, fui maturando esse pensamento e a minha perspetiva perante essa sensação e para com essa atração genuína que eu tenho com a mensagem inerente na música, à qual podemos estabelecer a correlação com aquilo que é a letra de uma música.

Quando eu era mais novo, isso traduziu-se em eu começar a escrever muito cedo. Foi exatamente através dessa força e dessa magia que eu sentia, e continuo a sentir, que a letra tem, e em querer juntar essa sensação àquilo que era uma paixão minha (a música), que surgiu o processo de fazer canções e de começar a tocar. Foi uma coisa muito gradual. Eu sempre soube que queria fazer música e nunca equacionei propriamente outra coisa. Já desde cedo que eu sabia que a música ia ser, de uma forma ou outra, o pilar daquilo que eu ia fazer para o resto da minha vida. O resto já são maturações e caminhos que, depois, uma pessoa segue.

Para aprender os instrumentos que hoje tocas, foste autodidata, certo? Fala-nos um pouco desse processo.

Sim, e continuo a ser. Eu tenho uma teoria que, a nível técnico, a única técnica que quero ter é a que eu preciso para transportar aquilo que está na minha cabeça, na minha imaginação, para um plano físico, real e percetível que é a música. Portanto, a partir desse pensamento, eu sempre me preocupei muito mais em trabalhar a minha cabeça, o pensar, o ser crítico, o não ter medo em perder-me nos meus pensamentos e nas minhas histórias. E deixei que a música fosse sempre uma consequência dessas viagens. Eu dediquei-me muito mais a ler, a escrever, a conhecer-me e, consequentemente, conhecer-me nos instrumentos com os quais eu entro em contacto. Nesse sentido, sim, sou um autodidata.

Nós temos vários professores ao longo da vida e estamos sempre a aprender desde que estejamos abertos a isso. E eu tenho a sorte de me rodear de pessoas que são melhores do que eu, e isso é um bocado um lema meu, que gosto de estar ao lado de pessoas que eu admiro ou que eu considero serem melhores que eu, e, portanto, estou sempre a aprender. Mas o meu processo para aprender instrumentos foi um processo muito individual e muito, vá, vamos chamar-lhe, definido na minha cabeça. É algo que eu sabia que queria desenvolver a minha aptidão para com o instrumento e, portanto, como senti que não havia nada que me ajudasse nessa minha visão, decidi fazê-la sozinho.

Tens algum instrumento favorito?

Tenho. E há duas respostas a esta pergunta. Dos que eu toco, é a guitarra. A guitarra é o instrumento no qual eu me sinto em casa. Não no sentido da zona de conforto, mas foi o primeiro que eu comecei a tocar e existe uma conexão diferente. Parece que falamos a mesma língua e não temos que estar ali com grandes formalidades para chegarmos a algum lado. A nível de instrumentos que eu não toco, tenho dois instrumentos. Um deles é o violoncelo, que eu não toco de todo, mas adorava aprender. E o outro é a pedal steel, que é um instrumento predominante na música country. Esse aí arranho um bocadinho, mas hei-de lá chegar.

NEEV é o teu primeiro projeto a nível individual. Como é que ele aparece e que diferença existe entre o NEEV e o Bernardo?

Eu antes de começar esta viagem a nome individual, eu andava em bandas. Estava mais no segmento do rock e metal, que foi, a nível criativo como músico, o caminho que fiz mais. Foi uma boa escola, adorei. Mas o meu projeto não é isso. Não foi uma coisa assim tão natural. O NEEV surgiu na altura em que eu estava mais em baixo, tanto a nível de criatividade como a nível pessoal. E acho que isso fez com que eu conectasse comigo e que me obrigasse, de certa forma, a olhar para dentro de uma forma que eu ainda não tinha olhado até então. Haviam peças que estavam claramente desligadas umas das outras e isso fez com que eu entrasse em caminhos musicais e artísticos que nunca tinha explorado. E começou a fazer todo o sentido entrar nessa viagem diferente, que acabou por dar origem àquilo que é o álbum [Philosotry] que toda a gente conhece debaixo do nome NEEV.

Ao nível da separação, digo-te já, não há uma grande separação. Nunca quis criar uma personagem. É claro que, quando falamos de artistas, existe sempre essa sensação, de que existe uma diferença entre o artista e o ser humano por detrás dela. Mas eu gosto de acreditar e de pensar que não existe uma diferença palpável na pessoa para com o artista. Não estou aqui a criar uma personagem, eu quero passar uma coisa verdadeira. Eu acho que o ser humano que sou está muito ligado ao artista que eu quero ser e, portanto, não diria que é algo que me marque, ter de haver uma diferença entre o artista e a pessoa por trás da música.

NEEV
Fotografia: Divulgação // Mike Ghost
Já referiste a importância que dás à mensagem da música. Que valor dás à conexão que crias com as pessoas que ouvem a tua música?

Para mim, a música é comunicar. E eu acredito que estou a comunicar a verdade, neste caso, a minha. No final do dia, essa comunicação envolve sempre o outro lado também. É essa a magia dos concertos, porque tudo fica a nu. O concerto é exatamente a comunicação entre a pessoa que está no palco e as pessoas que estão do outro lado. Portanto, sim, existe essa partilha e esta tem que existir. É aí aonde está a beleza também. Claro que, o primeiro passo tem de ser de ti para ti. Encontrares a verdade naquilo que estás a dizer. Acho que isso é até imperativo, é do mais importante que há, até para tu conseguires colocar o tom para o tipo de interação e conversa que queres ter com as pessoas. E eu tenho tido sorte, e fico muito feliz, que o tipo de conversa que tenho com as pessoas e o tipo de interação que têm comigo, vão ao encontro daquilo que eu valorizo como artista e como eu gostava que essa interação acontecesse. Mas não me sinto dependente da aceitação de todo, não sinto que seja algo que me define. Mas sabe sempre bem. Partilhar sabe sempre bem quando são coisas genuínas.

Philosotry é o teu disco de estreia como NEEV. Quando é que começou o seu processo de criação?

Bem, o processo de criação, na verdade, começou há muito tempo atrás. Há uma música no álbum que se chama ‘This Dream’, que foi escrita quando estava no 8.º ano. [risos] Óbvio que não comecei a escrever o álbum aí, mas a viagem começou aí, de forma inconsciente. A partir de quando sabia que estava a escrever um álbum, foram uns quatro a cinco anos para estar pronto. O álbum demorou muito tempo a fazer, teve um caminho muito conturbado.

O Larry Klein é um nome gigante do mundo da música e ele produziu o disco. De onde é que surgiu esta oportunidade? Como é que foi trabalhar com ele?

A oportunidade de trabalhar com o Larry surgiu já na parte final de produção do álbum. Já tinha havido, para aí, umas três tentativas de produzir e finalizar o disco antes disso que foram todas para o lixo. E o Larry surgiu de uma forma bastante aborrecida. Enviamos um e-mail, ele ouviu e gostou. A partir daí, conhecemos-nos e acabamos a conectar um com o outro, primeiro a nível humano e depois com a música. Correu muito bem. Trabalhar com ele foi incrível, eu não vim de lá a mesma pessoa. Aprendi muito com ele, não só pela experiência que ele tem na música, mas quase ainda mais pela experiência de vida que ele tem. Às vezes tenho dificuldade em definir como foi esse processo. Lá está, eu gosto de me rodear de pessoas melhores que eu e ele é, claramente, melhor que eu. Ele está noutro nível e tem tanto para partilhar e dizer, e eu fico feliz que ele tenha dado um bocadinho disso para o meu álbum, que agora é nosso e de todos aqueles que trabalharam nele. Foi uma experiência diferente, aprendi imenso. Parecia que estava na escola às vezes. [risos]

Ao longo do disco, são várias as diferentes sonoridades que nos são apresentadas. Como é que foi o processo de tornar tudo coeso?

O disco é, de facto, muito eclético e tem muito a haver com a forma como ele foi escrito. Eu nunca fui o tipo de artista que escreve muitas músicas. Não sou uma enciclopédia de canções nem nunca o quis ser. O que quero dizer com isto é que eu escrevo músicas quando eu sinto que tenho de escrever alguma coisa. Ou seja, a escrita vem sempre como resposta a alguma coisa. A minha música vive do meu viver. Eu também acredito muito, paralelamente a isto, que nós não somos uma coisa. Se nós fossemos cores, não éramos todos os dias a mesma cor e, provavelmente durante um dia, também não éramos só uma cor, éramos muitas. Isto para dizer que nós, como seres humanos, temos muito a necessidade de engavetar as coisas, para as compreendermos melhor e colocá-las num sítio aonde fazem sentido. E se partirmos do princípio que a música e a produção vêm responder ao sentimento, então é fácil fazer a junção ao conceito de que diferentes tipos de sons vêm dar vida a diferentes sentimentos. Portanto, se for esse o teu norte, tu nunca te vais cingir a só um estilo, a não ser que sejas sempre a mesma coisa e que sintas sempre o mesmo.

E como eu não escrevi este álbum num dia, numa semana ou num mês, o que acabou por acontecer é que escrevi este álbum em diferentes fases da minha vida. Ora, eu nessas diferentes fases da minha vida, pensava de uma forma, noutras de outra. Numas estava a sentir uma coisa, noutras outra. A minha luz, a minha cor, a minha textura, a minha forma de olhar para o mundo e para mim próprio ia mudando. E o álbum acabou por ganhar uma estética muito eclética porque não se define por um estilo, tal como eu como pessoa não me defino por só uma coisa. E é com base nisso, e eu acho que é um sentimento muito bonito, que surge a coesão do álbum. Desse conceito, abstracto digamos assim, de fundação, de pensamento e de forma de estar. É o facto de todos aqueles sentimentos serem genuínos. Eu não estou a tentar incorporar estilos. Aqueles estilos é que acabaram por ser a melhor representação daquilo que eu estava a sentir. E isto é a forma como eu vejo as coisas. Tens a canção, que é o sentimento mais crú possível e depois tens a produção, que é a forma como tu escolhes vestir aquele sentimento.

Eu gosto muito de encontrar propósito em tudo e é muito essa procura pelos elementos certos que me faz tocar vários instrumentos e que faz com o que o álbum seja muito eclético.

‘Não Sei De Mim’ é a faixa que fecha o álbum e é cantada inteiramente em português. Porquê fechas o disco com essa faixa?

Porque, no final do dia, sou eu que canto aquilo tudo. E tu vais para um álbum que, por si só, já é uma grande viagem e quando a acabas, continuo a não saber de mim [risos]. Continuo a não saber, mas é ir para a frente, encontrar novos caminhos. É uma procura incessante e desgastante, mas ao mesmo tempo, eu não sou nada sem essa procura. Eu não sou nada sem não saber de mim. Eu adoro sentir-me perdido, adoro o sentimento de sentir que “I suck at something new”. Gosto muito de me pôr à prova, de destruir aquilo que construí para depois voltar a construir por cima. Eu sou muito assim e, portanto, é isso que essa música representa como final do álbum.

A viagem deste trabalho inclui gravações em Lisboa, Londres e Califórnia. Como é que foi essa experiência e o que é que retiraste destes locais?

Os locais para mim não eram muito importantes. O importante eram as pessoas. Simplesmente acontecia que essas pessoas estavam nesses locais. Mas, de facto, deu-me muito, especialmente a nível pessoal porque acabas por conectar com diferentes culturas e pessoas que pensam de uma forma diferente de ti e isso só te enriquece. Só isso, já fez com que valesse a pena produzir o álbum em tantos sítios diferentes. Claro, que se eu pudesse escolher, eu tinha-o produzido uma vez e tinha ficado feito, não é? O objetivo é sempre esse. Essa foi a viagem, teve as suas coisas muito boas e essa foi uma delas. Ter a oportunidade de conectar com pessoas, com artistas, com almas artísticas que vêm de um sítio completamente diferente do meu e que, inerente a essa realidade, tinham diferentes opiniões, diferentes visões e perspetivas das minhas e eu gosto disso. Esse conflito é do melhor que há.

Vais ter agora o programa Ideias, Não Pessoas a arrancar no teu Instagram. Fala-nos um bocadinho em que consiste este projeto.

Este projeto passa-se pelo sintoma de estarmos constantemente a discutir pessoas a toda a hora. Falamos das pessoas, mas nunca falamos das suas ideias. E isso acontece muitas vezes na nossa avaliação daquilo que são as ideias que fazem o mundo girar. Ao avaliar a pessoa que representa essas ideias mais do que as próprias ideias, estamos a cometer um grande erro. E o erro maior é para com nós próprios, que não exercemos a arte de pensamento livre e crítico face ao que nos aparece à frente. Temos de ser críticos em relação às ideias que fazem o mundo girar. E nós cada vez menos pensamos ativamente nas coisas.

É um sintoma da sociedade atual, e eu fico triste com isso porque acho que isso só nos vai levar a mais coisas más. E o programa consiste nisso, em discutir ideias, em discutir coisas que pessoas disseram, sem olhar para o ser humano que as representou. Ou seja, discutir as ideias apresentadas e no final de cada programa, eu revelo quem é que representou aquelas ideias. Nos testes que fiz com amigos meus, foi sempre uma experiência gira. É um programa muito interativo, as pessoas podem entrar e fazer perguntas. É um safe space para falar sobre ideias, seja elas quais forem. Desde coisas que parecem pequeninas, a coisas que tem uma preponderância muito grande na atualidade e que têm um impacto direto na vida das pessoas.

NEEV
Fotografia: Divulgação // Mike Ghost
Quais são os teus planos para o futuro, sendo que este ainda é bastante incerto? Vais apresentar o álbum em breve?

Planos existem muitos. Viabilidade para meter esses em marcha, neste momento, infelizmente, é complicado. Tem de haver um sentido de responsabilidade grande para com aquilo que se passa. Está tudo muito à mercê daquilo que é o panorama atual da pandemia da Covid-19. Para o futuro, a ideia é dar concertos, é ir para a estrada. Poder fazer essa parte que ainda não tive oportunidade de fazer, principalmente agora. Esse é o primeiro plano e vai ser a primeira coisa a acontecer. De resto, é fazer o programa [Ideias, não pessoas] e viver um dia de cada vez. Acho que isso é importante agora e é tentar encontrar algum tipo de sentido em tudo o que se está a passar, seja isso que me leve a olhar para dentro ou olhar para fora e vice-versa e com o que vier daí.

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