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The Trouble With Being Born, de Sandra Wollner | Fonte: IMDb

MOTELX ’20: Terá “The Trouble With Being Born” ido longe demais?

The Trouble With Being Born, uma produção germano-austríaca realizada por Sandra Wollner, estreou na passada terça-feira (8) no MOTELX. A longa-metragem venceu o Prémio Especial do Júri (Secção Encontros) na Berlinale 2020 e tem gerado polémica pelo tema e imagens controversas que exibe ao longo dos seus 94 minutos de duração. Várias pessoas deixaram a sala a meio do filme, que tem sido negativamente criticado em várias plataformas e websites de cinema. The Trouble With Being Born foi, inclusive, banido da programação virtual do Festival Internacional de Melbourne após vários psicólogos avaliarem que o filme “normaliza o desejo sexual por crianças“.

A sinopse que consta no folheto da programação do MOTELX para The Trouble With Being Born parece suficientemente inofensiva: “Elli é um andróide e vive com um homem a quem chama de pai. Juntos, passam o Verão. Elli compartilha as memórias do pai ou qualquer outra coisa para a qual tenha sido programada. Memórias que significam tudo para ele, mas nada para ela“. Mas não é bem só isso. Wollner tece uma narrativa de revirar o estômago – é enjoativa, aterradora, instigante. Há uma dualidade constante que sufoca o espectador, que se situa entre o que verdadeiramente se passa e as implicações que nos são oferecidas.

O início é abstrato, a voz robótica de Elli narra lembranças programadas pelo homem a quem a menina chama Papa (Dominik Warta) e cuja filha desapareceu há 10 anos. Passam tardes à beira da piscina num verão que parece interminável e tudo parece normal entre os dois. Quando a robô mergulha e se vai abaixo, Papa vai buscá-la com um resignado “Outra vez…”, e faz o reset do sistema. Tudo é inofensivo, é um pai a zelar pela sua filha. Mas não. Começamos a perceber a verdadeira relação entre Papa e esta réplica robótica da filha que perdeu quando o toque se começa a alongar, quando o olhar deixa de ser inocente, e o mero beijo na testa faz-nos contorcer no assento. As memórias programadas de Elli começam a fazer sentido: “a mãe não tem de saber tudo“.

O ato sexual entre pai e filha robótica nunca é mostrado, mas implícito – o som do cinto a desapertar, e de beijos, são mais aterrorizantes que qualquer jump scare. Elli não é mais do que uma boneca sexual, uma Lolita robótica. Questiona-se tudo. Teria a filha verdadeira sido abusada pelo pai e fugido por isso? A história complica-se quando a filha, a verdadeira Elli, se encontra com o pai. Parece ter fugido, diz que andou muito, que se escondeu muito para conseguir chegar até ali. Nada disto é explicado, e não voltamos a ver Elli humana novamente.

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Elli, a Lolita robótica | Fonte: IMDb

A Elli robótica escapa pela floresta, a repetir a fuga da humana, até que é encontrada por um homem que percebe logo que se trata de um andróide e a leva para a casa da mãe. Lá, Elli sofre uma mudança de sexo e passa a ser Emil, o irmão falecido há 60 anos da idosa. De boneca sexual pronta a satisfazer os desejos pervertidos de Papa, o robô passa a servir como um meio de ultrapassar o luto, mas as memórias de Emil confundem-se com a de Elli, e a perturbação continua no filme, em outra escala.

Sandra Wollner é comparada a grandes nomes do cinema austríaco, repleto de títulos inquietantes, como Michael Haneke, Markus Schleinzer ou Ulrich Siedl, conhecidos por filmes perturbadores como Funny GamesMichael e a trilogia Paradise, respetivamente. Todos estes cineastas abrem um debate necessário sobre os limites do cinema e se estes limites deveriam existir, e com Wollner não é diferente. A avaliação de The Trouble With Being Born é posta de dois lados opostos de um espectro que nunca se encontra, entre a premissa de se tolerar o desejo sexual por crianças e, do outro lado a asserção de que este filme prega exatamente o oposto, ao utilizar o robô como uma crítica a pedófilos e a mostrar um futuro distópico já não tão distante, onde a evolução tecnológica poderá vir a contornar os recortes legais da pedofilia e do abuso sexual de menores.

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A realizadora contratou uma menor de idade, Lena Watson (pseudónimo para garantir a privacidade da menor que, tal como Elli, tem 10 anos), e as filmagens foram feitas com o consentimento da família, que acompanhou todo o processo e consentiu com a utilização da imagem da filha, que nunca é realmente mostrada, ficando por trás da máscara robótica, plastificada. Wollner teve, ainda, uma conversa profunda com Lena, onde explicou o objetivo do filme e as suas implicações, e a menor percebeu. Nenhuma cena sexual ou de nudez foi filmada em conjunto, de modo “a respeitá-la” e muito do que vemos no filme foi conseguido através de CGI.

Seja como for, as imagens provocadoras, a flagrante situação em que Elli, apesar de ser um robô, é colocada, acabam por ir longe demais. O conceptualismo e o intelectualismo que o filme pretende alcançar desvanece no primeiro ato e não consegue ser recuperado no segundo, certamente mais digerível.