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‘The Beatles’: O legado eterno da banda, quase 60 anos depois

A 12 de agosto de 1962, a formação dos Beatles transformou-se. Pete Best, o antigo baterista da banda, viria a ser substituído por Ringo Starr, que veio assim fechar o alinhamento mais conhecido do mundo, juntamente com John LennonPaul McCartney George Harrison. Desde então, o sucesso da banda descolou e, ainda hoje, não aterrou. A banda continua a ser uma das mais ouvidas do mundo, o seu merchandise, o mais comprado, e os seus discos continuam a ser vendidos em massa. Como é possível que esta banda continue a influenciar-nos mais de 50 anos depois da sua formação?

É inevitável falar dos progressos que os Beatles vieram trazer para o mundo da música. Com a ajuda de George Martin, produtor musical que acompanhou a banda até à separação (carinhosamente apelidado de “O Quinto Beatle”), os Fab Four voaram mais alto – as suas orientações, os arranjos que criou de raiz especialmente para a banda, e a sua contribuição em instrumentos de teclas (em músicas como ‘Lovely Rita’, ‘Because’ e ‘Fixing a Hole’) acabavam por aperfeiçoar as talentosas composições. No entanto, o alcance dos Beatles não se cinge à produção musical, e os quatro artistas revolucionaram várias áreas da sociedade, revelando-se verdadeiros trendsetters dos anos 60 e mantendo esse estatuto até hoje.

Uma das grandes revoluções que os Beatles trouxeram para o comércio dos discos de vinil é encontrada em Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Editado em 1967, foi o primeiro disco a trazer as letras das canções impressas no verso, e, para além disso, veio dar uma maior importância à capa, tornando-a num artigo de coleção. O mesmo disco trazia, ainda, pins decorativos e recortes, adicionando mais um estímulo sensorial à experiência do ouvinte.

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Imagem: Parlophone Music Sweden | Wikimedia

No que toca a moda, o início dos Beatles não teve nada de surpreendente. Os cabelos à tigela e os fatos a condizer procuravam consensualidade e passava uma imagem de bons rapazes que conquistou as fãs adolescentes. Ao longo do tempo, no entanto, cada membro dos Beatles foi formando a sua própria personalidade e, consquentemente, estilo. As barbas e bigodes por fazer já eram um marco na época de Rubber Soul, mas as roupas coloridas acetinadas de Sgt Pepper’s e Magical Mystery Tour foram um marco na moda masculina, que já contava com as influências hippie da contracultura, tal como o psicadelismo e as experiências com drogas alucinogénicas da banda também vieram aguçar a curiosidade de vários fãs.

As calças à boca de sino e camisas de seda multicolor podem já não estar em voga hoje, mas as referências dos Beatles ainda sobressaem. A banda ajudou a pôr Liverpool na rota do turismo britânico, tornando a Cavern Club (bar onde os Beatles deram os seus primeiros concertos), Penny Lane,  Strawberry Field, e a própria casa onde John Lennon passou a sua infância em pontos turísticos imperdíveis. Em Londres, a passadeira de Abbey Road, em frente à Apple Corps (capa do álbum Abbey Road) é visitada diariamente por fãs da banda.

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Imagem: Pexels / Skitterphoto

Ser fã de Beatles em 2020

A internet e as heranças culturais

Bruno Lobão tem 21 anos, é estudante de Direito e auto-proclamado Beatlemaniac. Confessa que se tornou fã tarde, através da internet:cresci numa casa onde só se ouvia a música portuguesa que passava na rádio, portanto qualquer exposição a música estrangeira dos anos 1960 era quase nula. Só me interessei pela música deles quando fiz 18 anos, 50 anos depois do lançamento do clássico Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band“, e a primeira música que o fascinou não consta no “cancioneiro tradicional” – ‘Hey Bulldog‘, do álbum Yellow Submarine. “Não sei se foi o baixo vibrante, o riff que ainda ninguém sabe muito bem quem tocou, a voz rasgante de John Lennon ou ouvir o Sir Paul McCartney a imitar um cão, mas foi aí que percebi o porquê de os Beatles serem tão venerados”.

Para Bruno, a luz se acendeu quando ouviu os discos mais psicadélicos e experienciou (porque ver não resume a experiência) o filme animado Yellow Submarine. “A minha colega de casa sugeriu vermos o filme, mas acho que ela ainda hoje se arrepende disso, porque nos dias seguintes só se ouvia Beatles“. Outro facto surpreendente é o curto espaço de tempo em que os Beatles progrediram em termos temáticos, sonoros, e mesmo estéticos. “Treze álbuns, quatro filmes e uma série de documentários, tudo em oito anos. O ciclo de ouvir, ler e ver tudo o que havia sobre Beatles foi muito longo“, confessa Bruno.

Por outro lado, Ana Leorne, estudante de doutoramento na EHESS, em Paris, tornou-se fã de Beatles muito cedo: “Lembro-me dos meus pais terem a compilação 1962-1966 então foi muito cedo, mas o fascínio veio nos pre-teens quando me ofereceram um livro das letras deles e comprei o Revolver. O Revolver foi o grande marco e ainda é o meu álbum preferido deles“. A banda é um elemento fulcral na vida de Ana, cuja tese de doutoramento é, precisamente, os Beatles, abordados na perspectiva da Cultura Visual. A ideia para a tese surgiu em 2013,  quando foi a uma conferência da Pop Cultural Association/American Culture Association, em Washington, enquanto speaker num painel sobre como os filmes dos Beatles eram uma representação da década de 1960. “Os Beatles são uma espécie de gateway para muita coisa. Influenciam muito o meu trabalho com música, como jornalista. [Estão em] tudo, tudo mesmo”, conta Ana.

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Estátuas dos quatro membros da banda em Liverpool. Imagem: Divulgação

60 anos de distância, mas o mesmo impacto

Para Bruno, as canções dos Beatles são intemporais. “A maioria das músicas dos Beatles envelheceu incrivelmente bem. Apesar das alterações drásticas na maneira como grande parte do mundo vive em relação aos anos 60, existem temas abordados pela banda que continuam atuais“. Dá o exemplo de ‘Blackbird’, uma canção composta por McCartney, inspirada nas tensões raciais que explodiram nos Estados Unidos na primavera de 1968, e que “mostra o apoio ao Movimento dos Direitos Civis que pretendia pôr fim às desigualdades sociais e ao racismo. Lennon protestou contra a Guerra do Vietname e, ainda hoje, os dois membros vivos [McCartney e Ringo Starr] continuam a dar voz e apoio aos movimentos pela igualdade“. E lembra que, só porque há 50 anos eram a voz da juventude, não quer dizer que hoje já não o sejam. “Basta ver o perfil de Twitter do Ringo.”

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Ana completa, ainda, que “quando a música é boa, nunca “pertence” propriamente a uma época”. Claro que existe sempre um contexto espacial e temporal onde a banda se enquadra e no qual fará sempre mais sentido, mas Ana acredita que o “fascínio que muitos fãs têm pela música é precisamente o facto de soarem sempre tão relevantes. Muita coisa (incluindo aspetos do show business, indústria e promoção) remete sempre para os Beatles“. Por fim, nota que “não há forma de escapar aos Beatles no que diz respeito à Pop”.

Os Beatles são a porta de entrada para um espectro variadíssimo, no que diz respeito à música. “Foi graças aos Beatles que conheci vários artistas altamente revolucionários na mundo da música, como Chuck Berry, Carl Perkins e o mestre da sitar, Ravi Shankar”, declara Bruno.

Os Beatles revolucionaram o mundo há quase 60 anos, e continuam a ter uma relevância estrondosa. As suas canções continuam a ser o primeira escolha para muitas bandas sonoras, merecendo, inclusive, um filme dedicado a elas (Yesterday de Danny Boyle que, apesar de não ser excelente, não deixa de ser uma homenagem à banda). O sucesso e a fama nem sempre geraram os melhores frutos – o assassinato de John Lennon por um fanático seu é prova disso – mas a verdade é que o legado dos Beatles merece ser relembrado e, mais que isso, celebrado, independentemente de quantos anos se passaram. A incrível capacidade da banda de criar verdadeiros lemas de vida nas suas canções serve bem para não nos esquecermos do incrível impacto que ela teve e continua a ter na vida de tanta gente, tão diferente.