A forma como a ministra da Cultura, Graça Fonseca, recusou responder, recentemente, a uma pergunta sobre a entrega solidária de bens alimentares a cerca de 160 trabalhadores do setor em dificuldades, iniciativa da União Audiovisual, despoletou, nesta quinta-feira (30), novas críticas à gestão feita pela governante.
“Só falo de arte contemporânea. Portanto… muito obrigado e vamos beber o drink de fim de tarde”, disse a responsável, à margem de uma apresentação de obras de arte contemporânea adquiridas pelo Estado, na segunda-feira (27).
“Muito obrigada e vamos beber o drink de fim de tarde” pic.twitter.com/3HfTBAtqXX
— Labroste (@labroste) 27 de julho de 2020
Em declarações à SIC, a coreógrafa Olga Roriz considerou que a ministra, com “postura estranha, de professora primária”, não compreende o atual nível de precariedade e a situação financeira dos profissionais e das entidades das Artes e Cultura, salientando que estes devem “ser bem representados”.
“Neste momento, tínhamos que ter alguém muito forte, mulher ou não, que estivesse realmente do nosso lado e percebesse o que se está a passar. Isso não acontece”, afirmou a profissional.
A atividade cultural foi assolada pelo surgimento novo coronavírus, que obrigou à interrupção, adiamento e cancelamento de espetáculos, de produções e de digressões de artistas por todo o país – a retoma tem sido lenta e limitada e reclamam-se mais e maiores apoios financeiros.
“Não tem só a ver com o limite de não ter dinheiro para comer. Tem a ver com a casa, como se paga isto, como é que vou continuar, que futuro… Podes ter dinheiro para estes meses mas não terás para os meses a seguir”, desabafou Olga Roriz, preocupada com a própria sustentabilidade dada a escassez de trabalho.
Também à SIC, o ator Albano Jerónimo dirigiu, “com conhecimento de causa”, uma interpelação, como que em apelo, a Graça Fonseca. “Pergunto se a própria ministra se revê naquilo que está a acontecer, se percebe aquilo que está a acontecer”, exprimiu.
Albano Jerónimo lamentou o não acesso “de forma gratuita” a testes de despistagem da Covid-19 para trabalhar em segurança, o que se tornou uma despesa extra. “É uma medida tão simples que iria colmatar, sem dúvida, os escassos orçamentos para realização de um filme em Portugal”, explicou.
Visivelmente agastado com o papel da tutela, o músico António Manuel Antunes, conhecido por Tó Trips, dos Dead Combo, foi mais incisivo nas críticas ao ministério liderado por Graça Fonseca.
“Este Ministério da Cultura é uma fachada, não existe. Há décadas que o pessoal anda a pedir a miséria de 1% para a Cultura. Enquanto não houver dinheiro, não existe. Em vez de se chamar Ministério da Cultura, deviam chamar-lhe outra coisa qualquer. Uma rulote de bifanas, uma chafarica”, apontou Tó Trips, na reportagem da SIC.
O artista e empresário de 54 anos já havia exposto no Facebook: “mais uma nega a um pedido de apoio, desta vez da própria Segurança Social que, sem qualquer explicação, me recusou o pedido de lay-off”, pode ler-se na publicação, feita a 23 de maio.
No campo político, a Juventude Popular (JP), estrutura que representa os jovens do CDS-PP, defendeu, na quinta-feira (30), que a ministra da Cultura, Graça Fonseca, não tem “noção da realidade” e “demonstra a incapacidade para o lugar”. Francisco Mota, presidente interino da associação, vincou que o setor da cultura e dos eventos “estão a passar por uma crise nunca antes vivida”.
Medidas de ajuda
Não obstante às críticas, na passada quarta-feira (29), a ministra da Cultura, Graça Fonseca, apresentou aos representantes do setor o estabelecimento de “três linhas de apoio social extraordinário”, que serão abertas no próximo dia 3 de agosto.
Prevista no Orçamento Suplementar, a medida de ajuda financeira consiste na distribuição de, no máximo, 34,3 milhões de euros a trabalhadores das artes (artistas, técnicos e outros), três milhões a entidades artísticas e 750 mil euros à adaptação de espaços culturais.
Graça Fonseca admitiu que o número de beneficiários da “linha de apoio social”, com a atribuição de 1316,4€ (pagos em duas prestações em agosto e setembro), pode ultrapassar as 18 mil pessoas.
A ministra da Cultura reiterou, perante os jornalistas, o apoio extraordinário disponível de 70 milhões de euros, mas, confrontada, não quis antecipar cenários de eventuais novas suspensões da atividade cultural devido à Covid-19.
De acordo com a tutela, a Linha de Apoio de Emergência às Artes (de 1,7 milhões de euros), criada em março, recebeu 1025 candidaturas, das quais 636 foram aceites. Destas, 311 receberam ajuda.
A 23 de maio, o primeiro-ministro António Costa anunciara a criação de um fundo de apoio para a programação cultural de verão, “um programa de financiamento de 30 milhões de euros aos municípios para poderem organizar um conjunto de atividades que permitam a um dos setores mais duramente atingidos por esta crise encontrar um espaço de reanimação”.