Pedro Abrunhosa, que se encontra a preparar um disco, conversou com o Espalha-Factos sobre a nova “normalidade” dos concertos, o lado “bom” da globalização e o processo criativo por detrás de escrever canções.
59 anos de vida e mais de 40 ligados à música, Pedro Abrunhosa é, sem dúvida, um dos maiores nomes da música portuguesa. Desde a edição de Viagens, o seu primeiro disco, em 1994, a carreira do músico portuense tem sido recheada de grandes sucessos discográficos, tornando-o sempre presente na memória do grande público.
Os tempos da pandemia obrigaram-no, juntamente com o resto da classe artística em Portugal, a adaptar-se. Depois de um concerto drive-in em maio e ter lançado uma música nova nesse mesmo mês, Abrunhosa está a preparar o sucessor de Espiritual, lançado em 2018.
O Espalha-Factos teve a oportunidade de entrevistar o artista que, na altura em que foi realizada, encontrava-se em estúdio a trabalhar num novo disco. O ponto de partida desta conversa é o concerto inserido na iniciativa Cultura Live Online (ou Cliveon), que permite assistir a atuações via streaming ou presencialmente, (respeitando as normas de segurança impostas pela Direção Geral de Saúde).
Quero começar esta conversa com uma pergunta sobre o concerto que tem marcado para dia 1 de julho no Hard Club. A atuação está inserida dentro da iniciativa Cliveon que permite assistir ao concerto através da Internet ou de forma presencial. Enquanto artista, quais são os principais desafios em fazer um concerto nestes moldes? Há espaço para improvisos?
Claro. Os espetáculos sejam presenciais ou online têm sempre um fator de um certo risco artístico, portanto há sempre lugar para a espontaneidade sem a qual a música torna-se repetição. Durante esta pandemia, isso tem sido notório. Tenho feito muitos espetáculos presenciais e outros não. Fiz um [concerto] drive-in, por exemplo. Agora este formato, que é transmitido em streaming para o mundo inteiro e com público na sala, será a primeira vez, por isso vai ser uma experiência interessante.
Na sua opinião, acha que é este percurso que a classe artística tem de adoptar, ou seja, encontrar um equilíbrio adequado entre concertos via streaming com público a assistir?
O streaming é complementar ao concerto presencial. Nas redes sociais e através de e-mails, muita gente tem manifestado o seu descontentamento sobre o facto de a digressão não passar no sítio onde as pessoas vivem. Por exemplo, recebi muitas mensagens de pedidos vindos do Brasil. A internet permite-nos isto: estar num local a falar para o mundo inteiro. Cada um de nós tem um canal de televisão em potência e isto é a globalização no seu melhor, porque há também uma parte má, mas hoje não será a melhor altura para discutir isso. Há também casos vindos do Oriente e não estou a referir-me apenas aos emigrantes portugueses. Já recebi mensagens da Coreia do Sul e do Japão que queriam ver um espetáculo meu para dar outros exemplos. Acho incrível as pessoas estarem no conforto do seu lar e poderem assistir a um espetáculo como este, que vai ser um espetáculo total com toda a dignidade.
Referiu há pouco o concerto drive-in que deu em Ansião (no distrito de Leiria). Como correu essa atuação? Calculo que tenha sido o espetáculo mais sui-generis que alguma vez deu…
Essa atuação ficará na História, porque acho que foi a primeira atuação drive-in feita em Portugal. Depois, ficará na História também, por ter, não se pode dizer sala cheia, mas sim, parque cheio. Estavam 70 carros e as pessoas estavam em festa total. É curioso ver as pessoas a confraternizar dentro dos carros. Eu conseguia vê-las através dos vidros mas nem sempre era perceptível. Foi um espetáculo em tempo de crise. Estávamos num palco improvisado mas com muito boas condições e foi um sucesso também em termos emocionais, porque, apesar de estarmos no local, não ouvíamos as reações das pessoas. Tecnicamente foi incrível, humanamente também e como diz, e muito bem, foi um espetáculo sui generis que, se me permite, simboliza a pandemia. É um epítome da pandemia que é: a cultura existe, marca presença, une as pessoas e é capaz de se manifestar, apesar de haver distância entre nós, provocada por um vírus, a cultura é das primeiras atividades a regressar.
Em maio, no mesmo mês que deu esse concerto, lançou uma nova canção chamada ‘Tempestade’ que tem a participação especial da Carolina Deslandes. Sei que já fizeram várias atuações juntos, mas quero saber quais é que foram os motivos que o levaram a escolhê-la para fazer este dueto.
A Carolina [Deslandes] é uma artista incrível com um talento desmedido. Digo isto como facto assumido, mas aquilo que não sabia é que a Carolina é um ser humano excecional — e por isso é a artista que é — e tornámo-nos muito bons amigos. Já participei em dois espetáculos da Carolina e ela já participou num espetáculo meu. Tem uma voz maravilhosa, é das maiores autoras portuguesas contemporâneas.
Grande elogio! Podemos dizer que esta música é um aperitivo do novo disco? O que nos pode desvendar nesta altura do campeonato?
Estou precisamente no estúdio a trabalhar e a produzir o meu disco. Apanhou o escritor no meio do processo. Aliás, vou repetir uma frase que disse há uns anos e acredito cada vez mais nisso: cada disco é um livro. Eu ainda não sei o fim deste livro. O que posso dizer é que o processo criativo é tanto satisfatório quanto é angustiante. Portanto é um misto de satisfação por estar envolvido nele, nesta hipnose de criação. No outro dia, o António Lobo Antunes disse uma coisa fantástica: os livros que escreve chamam por ele. Falavam com ele. Do tipo “Agora anda cá acabar-me!”. Revejo-me muito nessa frase, porque o ato de escrita de uma canção é isso mesmo: escrever a letra e a música de uma canção é um permanente diálogo com o desconhecido e, às vezes, é recompensador, por outras, é frustante.
Estamos quase a terminar: que balanço é que faz destes meses de pandemia e, na sua opinião, o que podemos esperar do futuro?
Bom, quem sou eu para dar essa opinião. Todos nós queremos um futuro melhor e todos nós temos esta permanente esperança independente da área que for. Há uns dias, li uma entrevista no Público do grande filósofo Onésimo Teotónio Almeida que dizia: “se perdemos a esperança, perde-se tudo”. Espero que o país e a sociedade em geral não caiam em alarmismos sociais e políticos, atendendo que vai haver uma crise profunda e, portanto, é importante termos consciência do papel nobre que o Estado teve e está a ter nesta pandemia, nomeadamente o Serviço Nacional de Saúde, mas também as forças de autoridade. Somos testemunhas do que está a acontecer mas também somos atores, ou seja, o futuro depende muito de nós. Para mim, futuro só faz sentido se for brilhante para toda a gente. Para aqueles que morreram, já não será nada. Em nome deles, nós saibamos que este vírus passou por aqui, que foi vencido e que não foi em vão.