Já são quase três anos de Midnight Ambassador, e André Graça traz-nos mais uma nova faixa do seu segundo EP, Fragile Igloo, para celebrar. O single ‘Mirror’, que foi lançado no início deste mês de abril, conta um pouco sobre as mudanças que o músico português tem sentido na pele neste novo capítulo em Londres.
Graça conversou connosco sobre a evolução que sente nesta produção mais recente, tanto à nível musical quanto da sua escrita, que considera mais concreta. O compositor contou-nos faixa a faixa qual é a história deste jovem, que se muda para um país diferente e sente a iminência do derretimento da sua casa.
Também falou sobre as diferentes experiências que tem dito na estrada, levando este projeto para o Canadá, Estados Unidos e de volta para casa, em Portugal.
Em outubro do ano passado, lançou o single ‘All My Love’. Como foi ver a chegada deste projeto ao público?
O ‘All My Love‘ é um single um bocado diferente. Depois do ‘Pleasure‘, que foi um single tão grande, eu tentei introduzir uma ideia um bocado mais calma. De certa maneira, não sabia como seguir depois deste pequeno hit. Acho que correu especialmente bem em Portugal, tocou em várias rádios, etc.
A nível musical, o que conta o ‘All My Love’?
Na altura em que escrevi esta música, estava confuso acerca do percurso que poderia seguir. Estava a trabalhar muitas horas para além da música, para poder sustentar isso. E tinha um bocado de dúvidas. Será que a música é o que eu devo fazer? Por que estou a sacrificar todo o resto da minha vida para fazer música? Mas a conclusão a que cheguei é que não quero fazer mais nada.
Esta faixa faz parte do novo EP, o Fragile Igloo. Fale-nos mais deste álbum.
Este álbum é, de uma certa forma, sobre transformação, basicamente, e mudança. Quando me mudei para Londres, senti que a minha casa não era uma casa para mim, mas simplesmente um local onde estava a viver. Senti que basicamente havia construído uma igloo no meio de uma savana, e que ela iria eventualmente derreter.
Comecei a escrever um conceito acerca de uma casa frágil, sobre uma pessoa que não se sente em casa. Como é que alguém que não se sente em casa se sentiria? ‘Burned Down Cigarettes‘ começou a história toda, comigo a acabar com a minha ex-namorada. Depois o ‘Pleasure‘, que foi sobre os trabalhos que eu tive de fazer para sustentar a minha música. O ‘All My Love‘, que contesta o meu amor pela música, ou a razão por que eu deva continuar a fazê-la. E agora o ‘Mirror‘, que fala de olharmos para o espelho e de uma certa maneira não vermos quem somos.
Há uma história maior que estes episódios vão contando aos poucos?
No primeiro EP, falo da maneira como me descubro enquanto artista. Descubro quem é que sou e como é que vou contar a minha história. O Fragile Igloo fala mais sobre a dificuldade do meu primeiro ano em Londres. De certa maneira, tentei englobar o tema do sentir-se sozinho. É uma cidade nova, sem ter amigos. Começar uma vida de novo, e não se sentir em casa.
Pode falar-nos mais um pouco sobre o single mais recente, o ‘Mirror’?
Eu literalmente escrevi essa música em frente a um espelho. Estava no meu quarto, com o meu piano, a olhar para o espelho. Tinha acabado de escrever naquele dia, e estava a gostar imenso. Olhei para mim, e senti-me uma pessoa que não reconhecia.
Decidi escrever acerca disso: “I’m feeling kinda crazy, kinda hazy and the man in the mirror hates me“.
Os Midnight Ambassador querem, com ‘Mirror’, ter uma voz mais forte cá em Portugal. Que artistas portugueses o André escutou mais ao longo deste percurso musical?
Eu estava a ouvir muito Slow J, um artista português que faz hip hop e rap e de quem eu gosto imenso. De fora, tenho uma inspiração mais anos 90 que é o Dr. Dre, que é uma lenda. O Eminem deu-me também uma influência, pela forma como faz os raps, porque eu nunca o tinha feito numa música antes. Acho que tinha muito para dizer, e isso foi a maneira certa de o fazer.
Do hip-hop ao R&B, é como descreve este novo som lançado. De que forma combina estes dois géneros musicais ao produzir? Como é que chegou a este equilíbrio?
Cresci ouvindo West Coast Rap, com Dr. Dre. O meu irmão estava sempre a meter o The Chronic, ele adorava este álbum. Mas na minha adolescência, eu ouvia muito punk rock e indie rock. Como é que encontro um balanço? Eu simplesmente não sei. Escrevo e rezo para que funcione [risos].
Acho que quando estamos a escrever música nós sabemos o que funciona e o que não funciona, pelo menos para nós. É um bocado natural, digo eu. Um instinto de músico, e as nossas influências acabam por vir para a maneira como escrevemos música.
Como é que esta experiência toda de dar entrevistas e aproximar-se mais do público, com os concertos, etc, tem alterado o processo de composição, se é que o alterou?
Acho que nós temos sempre isso na cabeça, não que altere completamente a maneira como a gente escreve. Mas a nossa preocupação é escrever uma música que outras pessoas gostem de ouvir. Podemos meter três notas dum piano e uma triturada e soa a qualquer coisa. Acredito que parte do nosso trabalho e da nossa arte é querer apelar ao público, a uma audiência.
Não digo que isto tenha mudado o processo. Mas cada vez aprendo mais com as pessoas que ouvem a minha música. O que eles gostam de ouvir, e de fazer. É uma mistura.
Também teve, com a música Fools, a chance de ver o impacto que a sua música tem. Diferentes instituições tentaram colaborar consigo. Como é que foi essa experiência?
Saúde mental é um tema muito importante para mim, e eu sempre disse que, mesmo sendo um artista pequeno, queria colaborar para esta causa. No ‘Fools‘, fez sentido perguntarmos às caridades de saúde mental ou linhas de apoio a quem precisa se podíamos pôr o nome deles no nosso single, para que alguém que ouça essa música possa procurar ajuda caso necessário.
É um bocado espalhar a ideia de que nós não devemos ter medo de procurar ajuda. Uma das coisas mais importantes que eu aprendi na minha vida acerca do tema da saúde mental é não só saber quando pedir ajuda, mas quando aceitar essa ajuda. E sinto-me grato por poder ter a oportunidade de fazer essas parcerias, e espero poder trabalhar muito mais nessa área.
E olhando um pouco para trás, o que acha que mudou em si do último EP para este?
Eu acho que mudei imenso. [Passei a] ser mais honesto acerca de como quero escrever. No meu EP prévio, escrevi coisas mais subjetivas, mais no ar, enquanto o EP mais recente, Fragile Igloo, é mais concreto. São coisas mais reais, e os temas são mais literais. Houve um crescimento não só a nível musical como a nível temático. Sei o que quero escrever, e tenho as ideias concretas na cabeça. Não quero ideias em vão. Se alguém estiver a [ouvir] as músicas neste EP, sabem o que estão a ouvir. E não estão a ouvir conceitos.
Neste EP, acho que consigo fazer as coisas de uma forma mais focada. Eu sei o que estou a fazer. Tive a oportunidade de trabalhar com o Daniel McCay, que é um engenheiro de som magnífico que tem estado a mixar este álbum.
Nas atuações ao vivo, toca com outros músicos. Eles têm alguma influência neste processo de criação?
Sim! Eu escrevo a música toda, mas eles tocam os instrumentos. Eu sou um bocado picuinhas com estas coisas, e gosto de ter o som da maneira que imaginei e tenho a palavra final. Mas é claro que eles tem criatividade sobre as músicas. O Aiden Appleton grava a guitarra, o Mathew Mainprize grava o baixo e a guitarra, Daniel Ward grava o piano.
Acho que dos melhores trabalhos que já ouvi do Daniel foi no ‘Burned Down Cigarettes‘. O piano dele é mesmo incrível, ao ponto de eu ter mudado a música inteira à volta daquilo.
Quais são as próximas faixas que vamos conhecer depois de ‘Mirror’?
Eu já tinha o EP de certa maneira completo, mas o problema está a ser escolher o final. O projeto chama-se ‘Finish Line‘, e escrevi para ser a última música. Mas agora só depois das coisas reabrirem é que posso considerar voltar ao estúdio. Acho que vai haver um atraso no EP por conta disto [da pandemia].
Os planos do Midnight Ambassador estão em pausa, por agora?
Não em pausa, porque continuo a escrever. Estão dependentes de poder sair de casa. Assim que isto voltar ao normal. Espero que possamos voltar o quão mais cedo, mas a nossa segurança está em primeiro lugar. Mas assim que isto voltar ao normal, o plano é fazermos concertos. Eu quero voltar a Portugal ainda este ano, para fazer um concerto para apresentar o EP.