A nova temporada de La Casa de Papel ficou disponível na Netflix na passada sexta-feira, 3 de abril. São oito episódios que marcam o regresso do fenómeno espanhol aos ecrãs. Mas será que continua a fazer sentido prolongar os assaltos, ou a série tem vindo a perder a essência que a caracteriza?
O texto que se segue contém spoilers para a quarta parte de La Casa de Papel.
A insistência no Banco de Espanha
Depois da terceira parte, sabemos que o cenário será o mesmo — o Banco de Espanha. Desta vez, o plano está mais demorado e as personagens veem-se obrigadas a permanecer enclausuradas pelo menos até darem por terminada a fundição do ouro. Esta permanência tanto pode ser benéfica, como prejudicial. Basta as reviravoltas continuarem a deliciar e que o combate contra a monotonia tenha um desfecho favorável.
Ainda assim, o novo twist da sala de pânico vem apimentar o local onde se desenrola a ação. Já conhecemos o átrio que mantém os reféns em cativeiro, o local onde se derrete o ouro e as salas onde os assaltantes reúnem. O esconderijo de Gandía (José Manuel Poga) confere um novo rumo, que se torna necessário, uma vez que o cenário se mantém.
A tenda das autoridades está montada à porta e os manifestantes também parecem ter assentado. Outro elemento importante foi a utilização do terraço do Banco de Espanha durante uma das cenas mais tensas dos novos episódios. A questão é: como prolongarão a história por muito mais tempo no mesmo local? Precisamos de nos apegar à estrutura, senão quem poderá querer sair de lá não são os assaltantes — mas sim os espectadores.
A corrupção das autoridades
Penso que é seguro dizer que Raquel Murillo (Itziar Ituño) — agora, Lisboa — conquistou um lugar nos nossos corações. Quer pelas negociações com o Professor (Álvaro Morte), que se revelaram autênticas batalhas mentais de xadrez, quer pela história de amor que daí nasceu e, mais recentemente, pela mudança de lados.
Raquel abdicou da sua carreira para se aliar ao bando de criminosos que tentava derrotar. É o chamado “não consegues vencê-los, junta-te a eles”. Uma adição valiosa ao grupo pelo qual torcemos e uma perda significativa para as autoridades espanholas.

Com menos um membro, reforçaram o batalhão com Alicia Sierra (Najwa Nimri), uma personagem enigmática que nos foi apresentada na terceira parte. A detetive mostra um pulso mais forte que o de Raquel, que se deixou enrolar pelas cantigas do cérebro da série. Sierra está grávida desde que a conhecemos — algo que, até hoje, ainda não se mostrou relevante para a história. Tratando-se de La Casa de Papel, decerto que este pormenor foi plantado com um propósito ainda por desvendar.
Alicia é “queimada” pelos seus colegas e passa a vestir o papel do lobo solitário que decide procurar justiça pelas próprias mãos. Ou será ajuda? Nos últimos momentos da quarta parte, consegue encontrar o esconderijo do Professor e coloca-o entre a espada e a parede — neste caso, com uma pistola. A forma como junta as peças do puzzle de modo a chegar até ao centro de operações podia ter sido mais bem explicada. Um feito desta dimensão merecia tal destaque.
No entanto, não estamos livres de, nos próximos episódios, termos a investigadora a aproveitar a ocasião para se gabar da sua astúcia. Resta perceber se foi ao encontro de Sergio Marquina para o derrotar, obtendo os louros individualmente, ou em busca de auxílio — uma vez que poderá vir a enfrentar sérias consequências pela sua conduta que agora se tornou pública. Esta ajuda tanto pode passar por um plano para escapar, mudar de identidade e desaparecer do mapa, ou por se aliar — tal como Raquel — aos bandidos.
Para além destas duas, também Benito Antoñanzas (Antonio Romero), um dos polícias envolvidos e uma das presenças assíduas na tenda, acaba por ajudar os criminosos. Ao início, mostrou-se reticente, sendo apenas manipulado pela chantagem e pela possibilidade de ver a sua família colocada em perigo. Contudo, ao longo dos episódios, as suas contribuições deixam de parecer obrigadas, tornando-se mais voluntárias.
Talvez por se aperceber da falta de escrúpulos dos seus superiores ou por se deixar encantar pelo plano, Antoñanzas é quem estabelece uma ponte entre Raquel e o Professor; quem mantém viva a esperança, para Raquel, de que ficará tudo bem. Não deixa de ser curiosa a facilidade que o Professor tem em fazer da justiça gato-sapato.
O stress pós-traumático de Rio
É muito interessante a forma como decidiram explorar o lado corrupto e desumano das autoridades ao introduzirem a tortura. Foi a Rio (Miguel Herrán) que saiu na rifa, pelo que o desfecho nunca poderia ser risonho. O seu atributo é a aptidão para a informática e também nunca se mostrou particularmente resiliente.
Em adição, é uma personagem mais nova. Foi ele quem Alicia Sierra (Najwa Nimri) torturou na Argélia. Darem-nos a conhecer mais sobre estes acontecimentos é positivo, tal como explorarem o stress pós-traumático que deles advém.

Aníbal Cortés regressa paranóico e com tremores. Afasta-se dos seus companheiros e envereda pelo caminho da auto-sabotagem. Eventualmente, encontra consolo em alguém inesperado. Penso que as sequelas da tortura poderiam ter sido desenvolvidas de um modo mais aprofundado. Não obstante, gostei da chapada de luva branca que Rio concede às forças policiais ao confessar os ataques de que foi alvo para toda a Espanha.
Malmequer, bem me quer…
Há certos casais que já tomávamos por garantidos: Tóquio (Úrsula Corberó) e Rio, Denver (Jaime Lorente) e Estocolmo (Esther Acebo), Lisboa e Professor. No entanto, tem-se revelado um desafio manter uma relação durante um assalto. Depois dos desentendimentos entre Lisboa e o Professor e da separação de Tóquio e Rio, sobravam Denver e Estocolmo.
Sobravam — passado. Como é lógico, não imaginamos a pressão que deve ser; mesmo assim, é triste ver os sentimentos das personagens a desvanecer. Felizmente, Lisboa e o Professor conseguiram manter a chama acesa e nesta quarta parte, apesar de não se verem pessoalmente, mostram várias vezes a paixão que sentem um pelo outro. Ainda há esperança.
Já o namoro de Tóquio e Rio foi pelo cano abaixo. Algo inesperado, tendo em conta que o rapto de Rio foi o que motivou Tóquio a convencer o Professor a realizar este assalto para recuperar o seu amado. No seu regresso, o mesmo decidiu colocar um ponto final na relação.
Penso que não chegaram ao fim da linha, mas, mesmo assim, vejo-me impedida de torcer pelos dois quando percebo que nenhum mostra querer inverter a situação. Mal interagem e as saudades parecem existir apenas por parte dos fãs.

Quanto a Denver e Estocolmo, temos outro casal com um desfecho confuso, inesperado e talvez até disparatado. A forma como se apaixonaram foi muito agradável de testemunhar, tal como a sua união. Contudo, os guionistas decidiram separá-los do dia para a noite. Estocolmo decide, depois de observar um ataque de raiva por parte de Denver — algo a que todos, incluindo ela, já estamos habituados, daí não fazer sentido —, que não consegue compactuar com esta sua impulsividade tóxica, deixando-o.
Não é novidade nenhuma, não foi um acontecimento singular, e muito menos foi injustificado. Então… porquê separá-los? Só para que Estocolmo se tornasse o novo apoio de Rio? Só para misturar as duplas de casais? Para cultivar alguns ciúmes? Cria-se, aqui, algum enredo de “engonhar”.
A transexualidade como tema em discussão
Um dos novos temas explorados é a transexualidade. É trazido por Julia, que antes era Juanito e agora é Julia — ou Manila (Belén Cuesta). Se fazia falta na série em si? Não. Se vem contribuir para a representação das questões de identidade de género? Sim. A adição desta característica tem provocado mixed feelings a quem acompanha a série. Há quem defenda que é forçado, tal como há quem defenda que vem contribuir para a história.
Na minha opinião, foi uma maneira interessante de introduzir o tema. Tal como considero bastante inteligente colocarem um membro do gangue disfarçado de refém no meio dos mesmos. É uma jogada perspicaz que pode, de facto, ser muito útil.
A ovelha negra que é Manila não tem o destaque merecido e, por isso mesmo, a sua história ainda não foi explorada o suficiente. Mas há tempo para tudo. Com apenas oito episódios, torna-se difícil explorar todas as vertentes. Já sabemos que é prima de Denver e até tivemos direito a conhecer a opinião dele quanto à mudança de género do primo.
É uma personagem caricata, que traz novidade à série. Não podemos torcer o nariz perante todas as novas reviravoltas, senão arriscamo-nos a que La Casa de Papel siga o rumo de muitas outras séries que já perderam a razão de ser.
A despedida de La Ama
Depois de partirem os nossos corações no último episódio da terceira parte, em que Náirobi (Alba Flores) é alvejada no peito, começam a quarta parte por mostrar que a personagem adorada pelos fãs não morreu.
Pelo contrário, luta pela vida com a ajuda dos seus companheiros, que tentam salvá-la como cirurgiões de improviso. Para quê? Só para nos tirarem o chupa-chupa como se de crianças nos tratássemos. Para pegarem nos pedaços partidos dos nossos corações e voltarem a espezinhá-los. Para Náirobi levar outro tiro (!), desta vez fatal.

Mantiveram-na viva por mais uns episódios exclusivamente para fazer os espectadores (e o gangue) sofrer novamente. Mostraram-nos que a mesma planeava constituir uma família, reforçando os seus instintos maternais — não só por querer voltar a ser mãe, como por cuidar dos amigos como se fossem seus filhos.
Quando pensamos que não podemos afeiçoar-nos ainda mais a La Ama, percebemos que estamos enganados. É a inadiável despedida da personagem que sempre cultivou amizade, resiliência e boa disposição. Vamos sentir a sua falta.
Uma temporada imprópria para cardíacos
Dezenas de episódios depois, uma coisa é certa: La Casa de Papel não perdeu o jeito para nos colocar à beira de um ataque de nervos. São vários os momentos de cortar a respiração. O suspense é um elemento assíduo desde o princípio.
Tanto damos por nós a sorrir, enquanto testemunhamos a alegria das personagens em flashbacks ou quando algo corre bem, como de lágrimas nos olhos quando perdemos um membro do gangue. A raiva que sentimos pelos verdadeiros vilões (pelo menos, aos nossos olhos) consome-nos como se estivéssemos mesmo enrolados na ação — sim, falo de Gandía. E também de Arturito (Enrique Arce).
Como seria de esperar, a sorte só sorri aos assaltantes nos episódios finais. Costuma ser nessa altura que o Professor revela realmente os truques que tem na manga e que dotam La Casa de Papel da sua magia. Por mais tareia que levem, os criminosos acabam sempre por triunfar. Ainda que não seja uma lição de moral para a vida real, é o final da história que todos queremos.
A quarta parte da série espanhola da Netflix, com oito episódios, está disponível no catálogo internacional da Netflix. Para ver a seguir, El Fenómeno, um documentário original que explora a onda de entusiasmo que a série teve e tem por tudo o mundo com entrevistas ao elenco e aos criadores.