O documentário sobre Taylor Swift estreou esta sexta (31) na Netflix. Quer para acabar bem o mês ou para começar o próximo da melhor forma, Miss Americana veio revelar um lado até então escondido pela cantora.
Foi a realizadora Lana Wilson, vencedora do Emmy de Melhor Documentário em 2015, quem o dirigiu. Dia 15 de janeiro Taylor publicou o poster oficial no seu Instagram. Uma semana depois, divulgou o trailer de Miss Americana.
Com 1h25min de duração, o documentário explora vários acontecimentos na vida da cantora. Cada um é acompanhado pela sua perspetiva, finalmente sem filtros.
Uma estrutura incoerente

A ordem dos temas tratados não é a melhor, talvez por se atribuir pouco tempo para o tratamento de cada um. Sinto que era necessário atribuir mais destaque aos momentos cruciais para a carreira de Taylor. Merecíamos conhecer um pouco mais a fundo, mais detalhadamente, cada uma destas etapas – o que é um desafio, tratando-se de um documentário com menos de hora e meia. Ainda que reconheça que este tipo de formato resulte, acredito que não era o indicado neste caso.
Tanto Taylor, como os seus fãs e até quem não a segue tinha a ganhar com um documentário repartido em episódios, por exemplo. Podia seguir uma ordem cronológica, mas que nos permitisse saber dos acontecimentos mais ao pormenor. Esta estrutura não facilita o surgimento de uma conexão para com a cantora e o seu percurso.
A relevância dos temas abordados
O ponto forte do documentário acerca da carreira de Swift são, sem dúvida, os eventos que aborda. Não tanto pela maneira como os desconstrói, mas pela sua seleção. Ainda que tenham ficado aquém no que toca ao seu aprofundamento, estes momentos foram escolhidos de forma inteligente. São exatamente os acontecimentos que o público precisa de conhecer quando se fala de Taylor Swift. Ou, em vez disso, que o público já conhece, mas necessitando de compreender o sucedido sem o olhar manipulador dos media ou o retrato enviesado das massas.
Miss Americana permite-nos conhecer aspetos como o início da carreira de Taylor, o seu processo de composição de canções, algumas cerimónias de entrega de prémios, reuniões de equipa, gravações de videoclipes e trechos das suas tours.

Espreitamos a sua vida pessoal em ocasiões como jantares com amigos, serões com os gatos e saídas com o namorado. São vários os vídeos caseiros mostrados, que nos permitem um sentimento de aconchego. A título de exemplo, um dos vídeos mostra a cantora (quando ainda era apenas aspirante a isso) à porta da Sony Music, a produtora prestes a ouvir o seu CD. A presença no palco vem desde cedo, tal como revelam estes vídeos amadores.
O testemunho sem filtros de Taylor Swift
Termos acesso à perspetiva pessoal de Taylor contribui para moldar a nossa opinião acerca do que vemos e, acima de tudo, acerca da própria cantora. Estamos habituados a conhecê-la através de manchetes ou de videoclipes em que esta assume personas ou em que estas lhe são forçadas. Por isso mesmo, ouvirmos da sua boca aquilo que sentiu durante um acontecimento do qual apenas ouvimos falar por se ter tornado um drama ou uma controvérsia muda bastante a maneira como olhamos para o evento.
Uma das ideias que a cantora faz questão de reforçar é a necessidade que desde sempre sentiu de ter aprovação por parte de quem a rodeia – quer seja a sua família, amigos ou, mais difícil, desconhecidos. Conta que desde criança tem o pensamento formatado com base na importância de receber palmadinhas nas costas, elogios e reconhecimento. Entendemos o quanto as suas ações giram em torno desta pressão, que, como a própria reconhece, sempre a condicionou. Tal como a própria sublinha, “quando se vive para a aprovação de estranhos, uma coisa má pode fazer tudo desmoronar-se.”
Percebemos também, através dos seus monólogos, o quanto tenta racionalizar a indústria da música e a procura por parte do público. Cria estratégias para se certificar de que tudo é escrutinado e de que nada falhe por falta de preparação.
A transparência nas letras das suas músicas

Quando examina aquilo que cada artista tem para oferecer – segundo ela, cada um tem uma caraterística especial que o distingue -, conclui que a dela é a habilidade de contar histórias através das suas músicas. Foi aos 13 anos que Taylor escreveu o seu primeiro diário. Esta prática pode ter contribuído para a conversão, em letras de música, dos seus sentimentos e das ocorrências do seu dia a dia.
Para os fãs, este dote não é novidade. No entanto, desta vez, graças ao documentário, conseguimos ler nas entrelinhas das canções. Vemos não só o processo de composição, como o que espoletou a escrita – que acontecimentos a motivaram, o que tenta contar aos seus seguidores. Para Taylor, se a própria não escrevesse as suas canções, não teria chegado onde chegou. É legítimo, uma vez que, pelo menos para mim, são precisamente os seus lyrics que a distinguem. A cantora explica que os seus fãs – os Swifties -, ao ouvirem as suas músicas, é como se estivessem a ler o seu diário.
Partilha com os espectadores as tentativas constantes de se superar, de ultrapassar barreiras. Caso contrário, como a própria intitula, trata-se de um “fracasso colossal”.
O drama com Kanye West
Quem não se recorda da confusão entre Taylor e Kanye nos MTV Video Music Awards (VMAS) de 2009? Passo a relembrar: Taylor recebe o VMA de Melhor Videoclipe Feminino para You Belong With Me. Ao aceitar o prémio, é interrompida por Kanye West, que, após esclarecer que está feliz por Taylor, deixa claro considerar que esta não merecia a conquista. Era Beyoncé, segundo o mesmo, a verdadeira vencedora, pois tinha “um dos melhores vídeos de sempre“. Todo o mundo testemunhou o desconforto na cara de Taylor, que ficou estarrecida, sem reação, não tivesse este episódio decorrido quando a cantora tinha apenas 17 anos. Ainda menor de idade, lidou com um público a vaiar em uníssono – na verdade, o descontentamento era dirigido a Kanye, mas Taylor não entendeu isso na altura. Tinha a comemoração estragada. Mais de uma década depois, fala, em Miss Americana, das repercussões que teve no seu futuro.

O conflito entre os dois não acabaria aí. Em 2016, o marido de Kim Kardashian lançou a música Famous. Passo a citar alguns versos incluídos: “I feel like me and Taylor might still have sex. Why? I made that bitch famous”. O drama reacendeu quando o casal Kardashian-West divulgou uma chamada entre o rapper e Taylor, em que a mesma supostamente consentia estes versos. No entanto, de acordo com a mesma, tratou-se de um mal entendido, uma vez que não conhecia o conteúdo dos versos na totalidade.
Uma espiral de ódio e de perseguição
Taylor tornou-se um alvo fácil. Iniciou-se toda uma onda de ódio contra ela. As acusações foram aumentando: a cantora era agora mentirosa, má pessoa, falsa. Dos trends mundiais do Twitter constava a hashtag #TaylorSwiftIsOverParty. Taylor deixara de ser a menina querida, inocente e ingénua de Hollywood para passar a ser uma fingida, que trocava de namorado como quem trocava de roupa interior e que não merecia o seu sucesso.
Era agora um assunto predileto por parte dos media, que vendiam histórias fabricadas e a difamavam. Todos estes momentos são apoiados no documentário através de provas visuais, como partes de vídeos, manchetes ou tweets.

Depois deste colapso, Taylor conta que ninguém a viu fisicamente durante um ano. Apercebeu-se da necessidade de tornar parte da sua vida privada, tal como da importância de sair dos holofotes durante algum tempo. Foi durante este ano que se apaixonou “por alguém com uma vida normal“, com quem decidiu ter uma relação privada.
Do cancro da mãe ao seu distúrbio alimentar
Também a área da saúde é explorada em Miss Americana. Desde o diagnóstico de cancro da sua mãe, Andrea Swift, ao distúrbio alimentar que Taylor sofreu, os utilizadores da Netflix passam a contactar com estas fragilidades que também atingem os famosos – algo de que temos tendência a esquecer-nos.

Taylor aborda o quanto o diagnóstico da mãe a afetou, tratando-se da sua “pessoa favorita no mundo inteiro.” Além disto, revela que, depois deste episódio, passou a relativizar as coisas. Recentemente, durante o tratamento do seu cancro na mama, os médicos encontraram um tumor no cérebro da mãe de Taylor.
Ainda assim, deixou-se contaminar pela pressão social. Considerou que tinha peso a mais e, em vez de dar os passos necessários, parou de comer, desenvolvendo um distúrbio alimentar. Hoje, assume que esteve demasiado magra.
O julgamento por assédio sexual
Em 2013, Taylor Swift foi vítima de assédio sexual por parte do DJ norte-americano David Mueller. Durante um Meet & Greet, o DJ enfiou a mão por baixo da saia da cantora e apalpou-lhe uma nádega. Existem fotografias do ocorrido, bem como testemunhas.
Acabou por ser despedido e acusou a cantora de difamação. O julgamento realizou-se em agosto de 2017 e Taylor Swift ganhou o caso. Em Miss Americana, relembra esse episódio traumático e o quanto a fez perceber a importância de não cruzar os braços, de não ceder ao silêncio.

A divulgação da sua posição política
Recentemente, Taylor passou a querer utilizar a sua influência para incentivar os jovens a votar com prudência. Antes de prosseguir com este objetivo, a sua equipa tentou dissuadi-la, processo a que os espectadores têm acesso. Curiosamente composta por homens, esta equipa aconselhou-a a manter-se fora das eleições como até então. Defendiam que não devia comentar ou dar a sua opinião, precisamente o que a cantora pretendia fazer.
Contrariando os conselhos, acabou por avançar e assumir a sua posição política (contra a campanha de Donald Trump). Foi num post no Instagram que o divulgou, sendo que, após esse dia, houve mais de 50 mil novos registos no recenseamento eleitoral.
Aquilo que a motivou a ter uma voz no ramo da política foi o facto de a candidata pelo Tennessee, o seu estado natal, ser pró-Trump e ter visões que colidem com as da cantora. A mesma não queria que achassem que a candidata do seu estado a representava, pelo que tentou motivar os jovens a exercer o seu direito ao voto. Resultou, mas não foi o suficiente para derrotar Marsha Blackburn.
O peso da idade
Com 16 anos, Taylor Swift lançou um álbum country. A sua carreira começou bastante cedo e agora, com 30 anos feitos a 13 de dezembro, teme perder o sucesso e a relevância. Este sentimento provoca a necessidade de se reinventar, de inovar, para não cair no esquecimento. Cada vez mais almeja mostrar ao público que merece o seu lugar conquistado na indústria da música.
O documentário encerra com o lançamento do álbum Lover (2019) e com o início da Tour. Taylor Swift estreia-se em Portugal no próximo dia 9 de julho, no NOS Alive.
Um olhar intimista, mas insuficiente pelo percurso de Taylor Swift
Ao abrirmos o documentário, deparamo-nos com a sinopse da Netflix: “Neste documentário revelador, Taylor Swift explora o seu papel enquanto compositora, artista e enquanto mulher que aproveita todo o poder da sua voz.” Os três adjetivos utilizados pela plataforma para descrever Miss Americana são ‘provocador‘, ‘inspirador‘ e ‘comovente‘.
É, de facto, inspirador. Quanto aos outros dois, não posso dizer que concordo. Os fãs mereciam mais. A carreira de Swift dava azo a mais. Quiseram cobrir tantos temas que acabaram por não aprofundar quase nenhum, o que não contribui para o melhor entendimento por parte do público.
Apesar de ser interessante, não atinge de todo o potencial que poderia ter. A sucessão de eventos é confusa, tal como a introdução de personagens e de eventos. Ainda assim, os episódios escolhidos são pertinentes e permitem conhecer Taylor Swift como nunca antes.