A segunda temporada de You estreou logo a seguir ao Natal. Dada a sua qualidade, pode dizer-se que foi uma prenda da Netflix para os seus utilizadores.
A plataforma costuma lançar a temporada inteira num dia, e desta vez não foi exceção. Muitos têm por hábito fazer binge-watch ― algo de que mais tarde se arrependem, por terem de esperar meses e meses por novos episódios. Ainda assim, acredito que não haja outra maneira de ver a segunda temporada de You senão ‘de empreitada’. É impossível resistir.
[alert type=red ]Os parágrafos que se seguem podem ter algumas revelações sobre o enredo da segunda temporada.[/alert]
You, conhecida como a ‘série do stalker’, estreou dia 9 de setembro de 2018 e tornou-se viral no mesmo dia. Na segunda temporada a popularidade não diminuiu, pelo contrário. Os dez novos episódios trouxeram o serial killer Joe Goldberg de volta – ou devo dizer Will Bettelheim? Depois de aterrorizar Nova Iorque, a personagem de Penn Badgley (Gossip Girl) muda-se para Los Angeles à procura de um recomeço. “O amor levou-me a alguns sítios sombrios… mas Los Angeles deve ser o mais sombrio de todos”, constata Joe no primeiro episódio.

Além desta mudança, que é, segundo ele, uma desintoxicação, Joe busca um novo amor – e é em Love Quinn (Victoria Pedretti) que o encontra. Este seu novo interesse amoroso não liga tanto às redes sociais, dificultando a espionagem a Joe. Ainda assim, as novas maneiras que arranja para descobrir tudo podem ser mais antiquadas, mas não são menos sinistras. O stalker assume uma nova identidade na ‘cidade dos anjos’, mas os fantasmas do passado perseguem-no. A sua ex-namorada, Candace Stone (Ambyr Childers), faz questão de o manter debaixo de olho.
A primeira temporada foi inspirada pelo livro de Caroline Kepnes, também intitulado You (2014). Desta vez, os episódios foram uma adaptação do volume seguinte – Hidden Bodies (2016). Para quem conhece a série, o nome diz tudo.
A divinização de um serial killer
A temporada de estreia mostrou-nos o talento de Penn Badgley para interpretar um serial killer. Os fãs de You começaram inclusive a romantizar Joe Goldberg, algo a que Penn se opôs desde logo. O charme da personagem principal fez com que muitos se esquecessem de que se tratava, de facto, de alguém desequilibrado e perigoso. Na segunda temporada, esta divinização do stalker mantém-se.
Badgley já tinha desempenhado um papel principal na série Gossip Girl, mas a inocência de Dan Humphrey em nada se compara à maldade de Joe Goldberg. Adaptou-se tão bem ao papel que já se tornou impossível imaginar outra pessoa no seu lugar. Conseguiu aprender traços caraterísticos de um stalker, como o olhar esbugalhado e paranoico, os tiques nervosos e o sorriso matreiro.

Ainda assim, um dos pontos mais interessantes de You é o facto de ter narração recorrente. Como é também Penn Badgley que lhe dá voz, tal pode contribuir para o encanto pela sua personagem. A existência de um narrador faz toda a diferença, não só para moldar o enredo, como para construir a personagem principal. É um toque excelente.
Nesta temporada ficamos a saber um pouco mais acerca do seu passado e percebemos onde residia a raíz do problema: tal como era de esperar, na sua família. A sua infância atribulada não nos era desconhecida, mas só agora conhecemos os seus pais, graças a flashbacks. Cresceu numa casa onde habitava a violência doméstica, o que lhe causou danos psicológicos irreversíveis e daddy/mommy issues. Acima de tudo foi explorada a ligação que tinha com a mãe, Sandy Goldberg (interpretada por Magda Apanowicz, de Viajantes no Tempo), que não lhe deu a melhor das educações. Foi por ela que Joe ceifou a primeira vida: o seu pai. O primeiro de muitos homicídios.
You. Obsessão à primeira vista
A temporada arranca com Joe a constatar que o amor não é para ele. Já acreditou no sentimento, mas encontra-se desvanecido. A temporada de estreia explorou a paixão obsessiva que desenvolveu por Guinevere Beck, retratada por Elizabeth Lail (Once Upon a Time). De acordo com o mesmo, fez tudo ao seu alcance para que o relacionamento resultasse. Foi “corajoso” e “vulnerável”, tendo conquistou Beck “à moda antiga”. Acredita que fez o que era necessário, crença que ditou o destino trágico da amada. Nesta segunda temporada, Beck não passa de um fantasma do passado.

Beck já não consegue persegui-lo de outra maneira sem ser através de alucinações, mas o mesmo não se aplica a Candace Stone. O primeiro amor de Joe vem tentar desenterrar (pun intended) os seus crimes e vingá-los. A personagem de Ambyr Childers (Aquarius) volta para o destruir, pelo que ganha agora mais destaque e devo dizer que foi com muito gosto que conhecemos finalmente esta ruiva.
No entanto, não deixa de ser questionável como é que alguém que sofreu tanto pelas mãos do seu abusador opta por persegui-lo em vez de fugir dele. Acaba por se expor novamente ao perigo, o que nunca poderia ter um final feliz…
A ‘sortuda’ desta temporada é Love Quinn. Devo confessar que estava apreensiva quando percebi que nos seria apresentada uma nova paixão. Como gostei bastante da história de Guinevere Beck, parecia-me estranho negligenciá-la e partir para outra. Contudo, tenho a dizer que a performance de Victoria Pedretti (The Haunting of Hill House) superou todas as expetativas possíveis. Desconhecia a atriz e agora posso afirmar que tem em mim mais uma fã.
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Joe conhece a sua nova obsessão logo no primeiro episódio. Arranja emprego em LA numa mercearia chamada Anavrin (‘Nirvana’ ao contrário – pormenor bastante angelino), onde também trabalha Love Quinn. É ela quem mete conversa. A frase “Achas que este pêssego parece um rabo?” nunca foi tão útil como pick up line.

Love faz a gestão da cozinha, sendo a culinária a sua paixão. Não admira que as suas redes sociais estejam apinhadas de pratos fotogénicos. No entanto, como são privadas, Joe Goldberg, o auto-excluído que sempre foi contra estas superficialidades, vê-se obrigado a recorrer a medidas drásticas: cria, finalmente, redes sociais. Não hesita em começar a seguir Love (online, porque pessoalmente já o fazia) e descobre que é casada. Rapidamente tira a teima e descobre que se trata apenas de um status de relacionamento desatualizado. Viúva, Love começa desde cedo a cozinhar para Joe, adotando a estratégia de conquistar pela barriga. Cedo percebemos que este interesse é mútuo e que trará novas peripécias.
Tal como no caso de Penn Badgley, penso que a personagem de Love Quinn seria um fracasso se fosse retratada por outra pessoa. Parece que Victoria Pedretti nasceu para este papel. As várias facetas que assume e a sua grande versatilidade deslumbraram os fãs, tendo neles suscitado todo o tipo de sentimentos. Love Quinn é uma lufada de ar fresco de que You não precisava, mas sem a qual não teria sido nem metade tão bom.
Um elenco feito à medida
Para contribuir para a festa, You não se fica por protagonistas de topo. Arrisco-me a dizer que o par romântico por si só já fazia a nova temporada valer a pena, mas, ainda assim, fomos abençoados com um elenco igualmente carismático.

À parte os interesses amorosos de Joe e a sua família, foram-nos apresentadas muitas outras personagens. O seu novo cunhado (também a sua nova dor de cabeça), Forty Quinn, é um exemplo. James Scully (9-1-1) interpreta o irmão gémeo de Love. Os dois são bastante apegados, o que dificultará a vida a Joe. Depois de tentar tirar Forty da equação, Joe apercebeu-se de que “se não podes vencê-los, junta-te a eles” e tornou-se como que o melhor amigo do cunhado. Esta amizade proporcionou muitas risadas ao longo dos episódios, tal como uma viagem pelo mundo das drogas alucinogénicas – como se Joe não fosse perturbado o suficiente…

Do círculo de Love ficamos também a conhecer os seus amigos: Gabe (Charlie Barnett, de Russian Doll), Sunrise (por Melanie Field, de Heathers) e Lucy (Marielle Scott, de Lady Bird). Cada um mais excêntrico que o outro, são LA em carne e osso. Não os conhecemos a fundo, mas sabemos que vêm perturbar os planos de Joe. Apesar de serem personagens engraçadas, não são as melhores.
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As novas vizinhas de Joe são de longe mais interessantes. As irmãs Delilah e Ellie Alves, por Carmela Zumbado (NCIS) e Jenna Ortega (Jane The Virgin), respetivamente, trazem uma nova dinâmica à série, tal como a faceta protetora de Joe. O protagonista acaba por desenvolver laços com as vizinhas, algo que não estava nos seus planos. Por várias vezes o seu carinho pelas irmãs Alves atrapalha a sua vida, desviando-o da rota e, como não podia faltar, levando-o a cometer novos homicídios como se de uma prova de amizade se tratasse. Estas duas novas personagens, com o seu sarcasmo, inocência e vivacidade, cedo conquistaram o apreço dos fãs. Não eram fulcrais para o plot central, mas acrescentaram-lhe imenso.

É à personagem Will, de Robin Lord Taylor (Gotham), que Joe rouba a identidade. Depois de o enclausurar na sua jaula (que já vem desde a temporada inaugural e viajou de NY a LA), passa a tomar conta dele como se de um animal de estimação se tratasse. Para sua sorte, Will acaba por ser libertado, na promessa de esquecer aquilo que se passou. Parece demasiado fácil e de certeza que ainda vai dar muito que falar. Esta ‘boa ação’ de Joe pode vir a custar-lhe caro e a virar-se contra si.
Temas pertinentes e na ordem do dia
O conceito da própria série já vem introduzir um assunto atual: o perigo da exposição em demasia na internet. A Netflix vem tentar abrir os olhos a uma geração que partilha demais, sem pensar nos riscos que corre ao fazê-lo. Todos nós crescemos com os nossos pais a alertar-nos para os desconhecidos da web, mas, agora que amadurecemos, esses avisos parecem ter sido secundarizados. Em grande medida, isto deve-se ao facto de a maior parte dos internautas não ter a noção do quanto se expõe. Nunca sabemos se temos um Joe Goldberg a espiar-nos…

As redes sociais vieram propiciar uma maior abertura da nossa parte e facilitar a descoberta de informações que nos digam respeito. A título de exemplo, temos as Instagram Stories, que até nos permitem revelar onde nos encontramos num momento específico. Abrimos as janelas das nossas vidas a quem por elas queira espreitar ‐ tudo à distância de um clique.
Após a primeira temporada, muitos espectadores revolucionaram os seus perfis. Consciencializados acerca desta temática, muitos colocaram as suas redes sociais em privado ou, pelo menos, apagaram algumas publicações menos discretas.
Para além do uso indiscreto das redes sociais, You explora temas como transtornos obsessivo-compulsivos, a violência doméstica, doenças mentais, drogas, abuso sexual e pedofilia. Este último, por exemplo, foi desenvolvido durante a segunda temporada, com recurso a Henderson, um comediante que se aproveitava de menores. A personagem de Chris D’Elia (The Good Doctor), apesar de ser das mais enfadonhas, torna-se necessária para abordar este tema mais sensível.
Uma narrativa viciante que não sacia
O trailer já nos tinha elucidado quanto ao potencial desta temporada. Porém, depois do arraso que foi a primeira, era um desafio superá-la. A meu ver, este desafio foi concluído com sucesso. Apesar de díspares, ambas as temporadas são completamente viciantes. Compostas por episódios intensos, repletos de ciúmes, perseguição, segredos, falsidade, manipulação e obsessão, tornam You uma das melhores séries no panorama atual.
A maneira como consegue juntar todas as pontas soltas é uma das maiores habilidades da série. É difícil perceber qual foi a minha parte preferida desta temporada. Ser uma sucker por plot-twists facilitou a que adorasse o que é revelado mais para o final. Ainda que não seja totalmente inesperado, vem moldar uma terceira temporada ‐ já confirmada acidentalmente pelo protagonista.
O formato da série dificulta a sua continuação, mas os génios dos seus criadores trazem sempre reviravoltas inesperadas que potenciam mais história. Em 20 episódios, já foram muitos aqueles que perderam a vida por se cruzarem com Joe. Depois de três paixões fervorosas e da ilusão de que iria assentar, parece que o pinga-amor não para por aqui. Nem nós queríamos que parasse.