O Espalha-Factos terminou. Sabe mais aqui.
estreia Joker
Divulgação/NOS Audiovisuais

2019: ‘Joker’ é o filme internacional do ano e um símbolo de luta

Joker foi o filme que marcou o ano de 2019 para o Espalha-Factos. Durante meses não se falou de outra coisa sem ser sobre Joker. Mesmo quem não tinha visto o filme, acabava por ter alguma ligação à longa-metragem, porque estava literalmente em todo o lado. As redes sociais encheram-se de imagens e de várias opiniões.

A polémica aconteceu com duas bancadas. Uns adoraram o filme e outros odiaram. Sem lado certo ou errado, vamos avaliar o impacto social deste filme, no contexto em que foi lançado e perceber por que marcou 2019.

[alert type=blue ]Esta análise contém spoilers do filme Joker.[/alert]

A narrativa de Joker (Joaquin Phoenix) pretende contar a origem do vilão que enfrenta Batman em Gotham City. Em vez de ser um filme cheio de fantasia, ao estilo dos típicos filmes deste universo, optou por uma ambientação mais realista ao ponto de ser possível fazer comparações com o contexto social e político do mundo atual.

O protagonista – um excluído da sociedade

Joaquin Phoenix
Fotografia: Warner Bros/divulgação

No começo do filme percebemos que o nosso protagonista não tem uma vida fácil. Além de sofrer de doença mental e de ter uma peculiar condição que o faz rir a qualquer momento, é também alguém com baixas condições financeiras.

A ironia de tudo está no facto de trabalhar como palhaço, numa sociedade que faz dele e de muitos outros, palhaços. Também é irónico a mãe chamar-lhe de “happy” (feliz) quando ele nunca foi feliz um minuto da sua vida.

O filme trata, então, uma revolta crescente desta personagem oprimida por uma sociedade que o esmaga e retira todos os apoios e mais alguns. Como sabemos, a saúde é um dos setores que sofre cortes em momentos de crise como aquele que é retratado na história.

Os mais vulneráveis só o ficam mais ainda, enquanto que os ricos continuam no topo. É um sistema viciado. Joker percebeu, explodiu e sem se aperceber iniciou um movimento de revolta.

A política das maiorias

Joker
Fotografia: Warner Bros/divulgação

No filme vemos Thomas Wayne (Brett Cullen) a ser retratado como o salvador que vem resolver todos os problemas da cidade, mas a verdade é que mais à frente no filme ele aparece juntamente com o resto da elite a usufruir de um filme cómico do Charlie Chaplin, enquanto lá fora decorre uma manifestação dos descontentes, das minorias que sofrem num sistema que só beneficia alguns. Os gritos de mudança são ignorados por aqueles que mais os deviam ouvir e entender. Quem pode realmente efetivar a mudança, não quer mudar.

Basta aplicarmos esta lógica a países como os EUA e o Brasil, onde temos dois presidentes nacionalistas que protegem as maiorias e atacam os que precisam de ajuda, as minorias. Durante um discurso de campanha, Bolsonaro chegou mesmo a dizer:

“Vamos fazer o Brasil para as maiorias. As minorias têm que se curvar às maiorias. As minorias se adequam ou simplesmente desapareçam!”

Nas minorias cresce o medo e a revolta. Alguns escolhem esconder-se, outros escolhem lutar. Joker foi para o segundo caminho e o caos tomou conta da cidade.

Muitas das críticas feitas ao filme deram-se exatamente por pessoas que consideraram que o vilão e os seus atos foram humanizados e pelo receio de que outros descontentes da sociedade tentassem copiar a história.

Joker veio trazer à tona feridas reais e respostas possíveis para a desigualdade. Quando alguém perde tudo, fica, com certeza, mais perto da loucura.

Os media como criadores do sistema normativo

Robert DeNiro
Fotografia: Warner Bros/divulgação

Os media têm um importante papel tanto no filme, como na vida real. Têm uma função informativa que é uma enorme responsabilidade. Em Joker, vemos a televisão dar tempo de antena a Thomas Wayne, o falso herói político, tal como vemos acontecer com Trump e com Bolsonaro, na vida real.

Neste sentido, e olhando apenas para o caso da televisão, percebemos que a imagem é algo fundamental e que deve ter algum filtro. Em nenhum momento vimos outros candidatos ao poder no filme.

Percebemos que se pretende retratar os media enquanto parte integrante do sistema. Servem apenas para replicar e não para pensar criticamente o mundo. Posicionam-se do lado do poder, como se por ele estivessem comprados. Desse modo, manipulam a mentalidade das pessoas que já se encontram frágeis pelas dificuldades sociais e económicas de uma cidade consumida pela sujidade, violência e corrupção.

A referência aos media serve para todos aqueles que nela trabalham. O género criticado diretamente no filme são os talk shows. Supostamente são um local de liberdade de expressão e que tem em conta a realidade vasta de tudo o que ocorre na sociedade. É uma mera ilusão. Joker, ao visitar o programa do seu apresentador favorito, questiona-o se ele alguma vez saiu do estúdio e se viu no lugar dos outros, daqueles que passam dificuldades diárias e constantes. Além disso, despiu o sistema, porque afinal “a comédia é subjetiva” e não deve ser este a orientar o que é ou não engraçado.

A ficção como símbolo

Joker
Fotografia: Warner Bros/divulgação

A máscara do Joker tornou-se símbolo em protestos políticos na Bolívia, Líbano, Chile, Hong Kong e Iraque. Foi a CNN que se apercebeu do fenómeno. No Twitter até foi criada a hashtag #JokerProtests (protestos do Joker).

Os manifestantes destes países unem-se com o mesmo objetivo – mudar o sistema político imposto e combater as desigualdades sociais. Como no filme não está explícita nenhuma ideologia política – o próprio Joker diz não acreditar em nada – abrem-se as portas para diversas interpretações. Cada um incorpora a personagem da DC como bem entende.

De acordo com a Rolling Stone, Warner Bros não se pronunciou sobre a utilização da imagem do personagem nos protestos, mas o estúdio já fez uma declaração sobre a repercussão negativa e as preocupações do público em relação ao Joker:

A Warner Bros acredita que uma das funções das histórias é provocar conversas difíceis sobre temas complexos. Não entendam mal: nem o personagem fictício Joker ou o filme endossam a violência na vida real, de qualquer tipo. Não é a intenção do filme, dos cineastas ou do estúdio que detém os direitos do personagem retratá-lo como um herói.

Espalha-Factos classificou o filme com 10/10, no IMDB ficou entre os dez melhores filmes de sempre e chegou a bater recordes nas bilheteiras. Herói ou não, Joker marcou 2019 e tornou-se num símbolo de resistência, de luta e de revolta.

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